terça-feira, 6 de maio de 2014

MERECE SER LEMBRADO III -- SUGNA MURGA


SUGNA MURGA

Era uma vez um imperador cognominado o “Imperador Branco”, pai de três filhas, cada qual mais sedutora. Guardava-as, porém, num castelo de bronze, com medo que os gênios as roubassem.
Tinha ele por vizinho outro imperador, chamado “Imperador Vermelho”, pai de três filhos também muito bonitos. João, o primogênito, de natureza tímida e fraca, apaixonou-se pela mais velha das princesas, Ileana. O segundo, Valdo mais valente e mais forte que João, amava a princesa do meio, cujo nome era Diana. E o terceiro Sucna Murga, o mais formoso e bravo dos irmãos, enamorara-se da princesinha mais nova, chamada Mariana.
Um dia o príncipe João pediu ao pai de Ileana que o deixasse ir passear com ela no jardim do palácio. O imperador, temeroso dos gênios, negou a principio. Mas o moço tanto pediu, tanto pediu, que ele afinal disse que sim.
Vocês não imaginam que preciosidade de jardim era aquele! Um parque maravilhoso, cheio de lindas flores e de árvores de mil qualidades, umas frutíferas, outras apenas decorativas, outras copadas e altas, — só para oferecerem no estio a sombra acolhedora dos seus ramos. Quantas vezes descansei debaixo delas!
Vinha gente de todo o mundo para admirar. Que jardim! Era tão grande, tão grande que mil jardineiros não bastavam para o tratar convenientemente como o imperador queria que ele fosse tratado.
Algum tempo Ileana e João foram passeando alegremente de mãos dadas. Súbito, o príncipe viu ao longe uma rosa muito bonita, e correu a apanhá-la, abandonando a mão da sua querida.
Imediatamente surgiu no céu uma nuvem escura, que veio descendo, descendo, descendo, envolveu a princesa e a levou.
Tudo isto se deu num abrir e fechar de olhos.
Quando o príncipe voltou, sorridente, com a rosa na mão para a oferecer a Ileana, debalde a procurou por toda parte. Desaparecera. Triste e vexado, regressou sozinho ao palácio, e o imperador só faltou morrer de desgosto ao saber o que tinha acontecido.
Algum tempo depois o príncipe Valdo pediu o pai de Diana que a deixasse ir passear com ele no jardim. Recordando-se do que sucedera á filha mais velha, ele a princípio disse que não, porém, diante da porfiada insistência do príncipe, cujo coração não se sentia disposta a conformar-se com a recusa, acabou anuindo.
Grande foi o contentamento da jovem quando se viu ao ar livre na companhia do seu amado. Oh! Como o tempo voava! Iam passeando muito absorvidos um no outro, quando de repente o príncipe viu uma linda flor num canteiro distante, e foi colhê-la, abandonando por um momento a sua princesa.
Logo uma nuvem baixou do céu, carregada e negra, e levou instantaneamente em seu bojo a formosa Diana.
Por mais que o príncipe depois a procurasse, não pode infelizmente encontrá-la. E de novo no palácio do imperador houve lamentações e lágrimas.
Passados alguns dias, Sucna Murga, o príncipe mais moço, rogou ao imperador que lhe permitisse ir passear no jardim com a sua bem-amada, a princesinha Mariana.
A começo, o imperador não quis ouvi-lo.
— Não! O destino de minhas duas filhas mais velhas ensinou-me a ter mais cuidado com a terceira. Para minha eterna mágua, basta que eu as tenha perdido a ambas.
Todavia, Sucna Murga foi tão insistente, pediu tanto, implorou de tal forma, que o imperador, afinal consentiu, embora com o coração oprimido e angustiado.
Foram os dois para o jardim e entretiveram-se longo tempo a cortar flores e arremessa-las — quando, súbito, havendo-se ambos casualmente afastado um do outro, desceu uma nuvem negra, faiscante, que envolveu a princesa e a levou embora consigo.
Instantes depois, o jovem buscou sua companheira e não a encontrou. Supôs, a princípio que ela estivesse brincando de esconder, e andou-a procurando por toda parte. Afinal, vendo que, sem dúvida, havia sido roubada pelos gênios, não teve remédio senão contar o caso ao imperador.
Vocês agora imaginem, se podem, a amargura que reinou, tanto naquele palácio como no do imperador Vermelho. Ambos decretaram luto por dez anos, e foi proibido que durante esse longo tempo qualquer pessoa tocasse música ou se risse. Havia apenas tristeza e desolação nas ruas!
Passados, porém, três meses e um dia, Sucna Murga e os irmãos resolveram a ir libertar as princesas ao Reino dos Gênios do Ar.
Foi assim:
Uma tarde, Sucna Murga, o mais novo dos três (que era, como já disse, o mais forte) matou uma pulga. Vocês naturalmente não ignoram que as pulgas tinham naquele tempo dez metros de altura, usavam sapatos de ferro pesando centenas de toneladas, e davam cada pulo que chegavam às nuvens ou atravessavam os mares. As viagens que hoje se fazem de aeroplanos, faziam-se então a cavalo em pulgas domesticadas.
Ora, com os sapatos de ferro da pulga mandou Sucna Murga fabricar uma corrente que chegasse da terra ao céu, e propôs em seguida a seus irmãos:
— Vamos juntos procurar as nossas princesas?
— Vamos.
Carregando então a corrente às costas, Sucna Murga atravessou com eles todos os reinos da terra, até chegar ao fim do mundo, onde o céu também acaba e é tão baixo que quase se toca na crista dos montes.
Aí disse ao irmão mais velho que atirasse uma ponta da corrente ao beiral do céu. o irmão mais velho atirou, mas não com suficiente força para que ela chegasse lá.
Convidou, em seguida, o irmão do meio. O irmão do meio atirou e a corrente foi mais longe do que tinha ido primeiro, mas não chegou ao beiral do céu.
Então Sucna Murga pegou a corrente, arremessou-a com toda força e ela ficou presa, bem presa em cima.
Depois de puxar e ver que estava segura, pediu a João que subisse. João subiu até ao meio, porém, quando olhou para baixo e quase não avistou os irmãos, ficou trêmulo de pavor e desceu a toda pressa.
Valdo subiu até além do meio, mas também não teve coragem de prosseguir. Desceu também.
Então Sucna Murga abraçou-os e disse-lhes:
— Agora vou eu. Vocês não saiam deste lugar. Esperem que eu agite a corrente. Será o sinal de que matei os gênios e libertei nossas amadas.
Subiu.
Quando chegou ao céu, encontrou-se numa larguíssima estada que conduzia ao Reino dos Gênios do Ar. Foi seguindo por ela afora, até que deu diante de si com um fortíssimo palácio. Entrou, e qual o seu espanto ao deparar com a princesa Ileana!
Ela mal pôde acreditar no que via, e nem teve ânimo de escutar como tinha ele conseguido chegar ali.
— Vou lutar com o gênio que vos tem presa e libertar-vosada que conduzia ao Reino dos Genios a, bem presae da terro ao centenas de toneladas, e dav.
— Ai de vós! Ides morrer, Sucna Murga. É um gênio forte, muito forte!
— Deixai isso por minha conta. Eu só quero saber o que é que ele come por dia.
— Ele come cinco bois assados e cinco fornadas de pão. Bebe cinco pipas de vinho. Às vezes, mais... E quando bate à porta é preciso que tudo esteja pronto, a mesa posta, e a comida nem quente, nem fria.
A última palavra já ele a não ouviu, pois soou nesse instante uma tremenda pancada no portão do jardim que fez abalar todo o palácio.
Sucna Murga perguntou:
— Onde me posso esconder para o poder atacar de improviso?
— Debaixo da ponte de cobre, — respondeu Ileana. — Ele terá que atravessa-la para entrar em casa, e aí podereis ataca-lo de improviso.
Sucna Murga escondeu-se e breve escutou um barulho semelhante ao ribombar de dez trovões. Era o gênio regressando.
Quando o cavalo em que vinha montado chegou junto da ponte, empinou-se e principiou a relinchar assustado, sem querer passar avante.
— De que tens medo? — inquiriu o gênio.
— Tenho medo de Sucna Murga, — respondeu o cavalo.
— Ora que tolice! Nenhum vento trouxe ainda a esta parte do mundo um cabelo sequer da sua cabeça.
A estas palavras, Sucna Murga, de um salto, postou-se em frente do gênio e gritou:
— Mentes, cachorro! Não só o meu cabelo, mas todo o meu corpo está aqui. Eu vim brigar contigo!
Por um momento ficou o gênio aterrado, mas em breve readquiriu o sangue frio, e perguntou:
— De que maneira queres que briguemos? Correndo um atrás do outro, jogando a espada ou lutando corpo a corpo?
— Das três maneiras! — respondeu Sucna Murga.
O gênio começou a correr, mas o cavalo, amedrontado, caiu por baixo dele. Então puxou a espada, mas Sucna Murga arrancou-lha e quebrou-lha. Ai atracaram-se um ao outro.
Passado um momento, o príncipe levantou-o com força e atirou-o violentamente ao chão, obrigando-o a ajoelhar-se. Mas o gênio pulou pegou em Sucna Murga e fê-lo, por sua vez, ajoelhar-se no chão. Sucna Murga endireitou-se e, segurando no pescoço do gênio, estendeu-o por terra. então, mais do que depressa, desembainhou a espada, cortou-lhe a cabeça e arremessou-lhe o cadáver para debaixo da ponte. Em seguida entrou no palácio, anunciou a Ileana o seu bom êxito e, após haver descansado algum tempo, comeu e bebeu à vontade, com grande alegria da princesa agora para sempre liberta.
No dia imediato continuou o seu caminho e foi ao palácio onde a princesa Diana estava encarcerada, palácio ainda maior e mais lindo que o primeiro.
Tal como sua irmã, Diana mal pôde acreditar no que via. Sentiu-se, contudo, um pouco animada quando ele lhe contou que matara o carcereiro de Ileana, irmão gêmeo do que a tinha presa o do que roubara a princesa mais nova.
— Este, porém, que me guarda, é bem mais forte do que o irmão e tem duas cabeças.
— Deixai isso por minha conta. Eu só quero saber o que é que ele come por dia.
— Ele come dez bois assados e dez fornadas de pão. Bebe dez pipas de vinho. Às vezes mais... e quando bate à porta é preciso que tudo esteja pronto, a mesa posta e a comida nem quente nem fria.
Ecoou nesse momento uma horrível pancada no portão do jardim que fez estremecer a casa inteira. Era o gênio que chegava.
— Onde posso esconder-me para o atacar de improviso?
— Debaixo da ponte de prata — respondeu Diana. — Ele terá que atravessa-la para entrar em casa.
Sucna Murga escondeu-se, e breve escutou um barulho semelhante ao retumbar de vinte trovões. O gênio aproximou-se, mas o cavalo em que vinha montado começou a relinchar transido de susto e não quis mais avançar um palmo.
— De que tens medo?
— Tenho medo de Sucna Murga.
— Ora que tolice! Nenhuma ave trouxe, ainda um cabelo sequer da sua cabeça para esta parte do mundo.
Ouvindo isto Sucna Murga pulou de sob a ponte e, enfrentando o gênio, disse:
— Mentes, cachorro! Eis não só o meu cabelo como todo o meu corpo diante de ti. aqui estou para brigar contigo.
O gênio ficou surpreendido um instante, mas, depois, recuperando o ânimo, indagou:
— De que maneira queres que briguemos? Correndo um atrás do outro, jogando a espada ou lutando corpo a corpo?
— Das três maneiras.
O gênio desatou a correr ma só cavalo caiu morto debaixo dele. Então arrancou da espada. Sucna Murga partiu-a. Aí pegaram a corpo a corpo. Sucna Murga achou a luta mais difícil do que a primeira, mas ainda assim pode forçá-lo a ajoelhar-se no chão. O gênio, porém, ergue-se e fez pior a Sucna Murga: abaixou-o a seus pés até à cintura. Sucna Murga viu-se atrapalhado mas não desanimou. Recobrando a energia, atirou-se desesperadamente o adversário e estatelou-o no chão. Rápido, sem perder um momento, sacou da espada e matou-o cortando-lhe os pescoços. Depois atirou-lhe o cadáver para debaixo da ponte, dirigiu-se à princesa Diana e disse, beijando-lhe a mão:
— Estais livre, senhora!
Em seguida entrou no palácio, comeu, bebeu e descansou durante vários dias.
Ao despedir-se da princesa que tudo fizera por lhe ser agradável durante essa curta permanência, declarou-lhe que ia libertar Mariana, sua noiva muito querida.
Continuou de jornada e encontrou, passadas algumas horas, um palácio maior e mais belo que os outros dois. Entretanto, viu chorosa a um canto de uma sala a sua princesinha, que pensou estar vendo num sonho quando ele a foi cumprimentar e lhe contou as suas anteriores aventuras:
— Ah! Meu amor! Este gênio que me guarda é muito mais forte do que os seus outros dois irmãos e tem três cabeças.
— Não vos dê esse cuidado. Dizei-me apenas o que é que come por dia.
— Ele come quinze bois assados e quinze fornadas de pão. Bebe quinze pipas de vinho. Às vezes mais... e quando bate à porta é preciso que tudo esteja pronto, a mesa posta e a comida nem quente nem fria.
Ma acabara de proferir estas palavras e eis que se escuta uma pancada violentíssima na porta do jardim.
Todo o palácio tremeu.
— É o gênio.
— Onde me posso esconder para o atacar de improviso?
— Esconde-te debaixo da ponte de ouro?
— Sucna Murga assim fez, e dentro em pouco ouviu um barulho semelhante a reboar de trinta trovões. O gênio veio-se chegando, mas o cavalo deu um espantoso relincho e aprumou-se todo tremente.
— De que tens medo?
— Tenho medo de Sucna Murga.
— Ora que tolice! Nenhum vento, nenhuma brisa trouxe ainda a esta parte do mundo um ´só fio de cabelo de sua cabeça.
— Mentes, cachorro! — disse Sucna Murga, pulando para a frente dele. Não só o meu cabelo, mas todo o meu corpo está aqui. Vim aqui brigar contigo libertar minha princesa.
Embora forte como era, o gênio atemorizou-se diante do aspecto irado de Sucna Murga. Mas recuperando em breve o sangue frio, redargüiu:
— Bem! Assim seja! de que maneira queres tu que briguemos? Correndo um atrás do outro, jogando a espada ou lutando corpo a corpo?
— Das três maneiras.
O gênio lançou o cavalo a galope, mas o cavalo caiu debaixo dele. Em seguida, puxou da espada. Sucna Murga tirou-lhe e quebrou-a. atracaram-se então corpo a corpo.
A luta foi tremenda! Eu estava de longe espiando. Ah! Nem me quero lembrar dos sustos que passei naquele dia, pensando que o gênio fosse capaz de matar o meu bom amigo Sucna Murga! Os osso de um e de outro chegavam a estalar no furor do combate, e os olhos parece que lhes saiam das órbitas, injetados, raiados de sangue. Depois de um quarto de hora de luta, o gênio pegou em Sucna Murga e fê-lo vergar de joelhos, mas Sucna Murga levantou-se depressa e fez também vergar os joelhos do gênio. Aí o gênio, desembaraçando-se do valente mancebo, segurou-o com força e pelo meio do corpo e ele quase tombou por terra: o seu peito chegou a tocar no chão!
Eu arregalei os olhos, e gritei, fora de mim:
— Coragem, Sucna Murga!
Num instante ele aprumou-se de novo, e desta vez foi o peito do gênio que beijo a terra. havia em derredor tal nuvem de poeira levantada que eu mal os podia enxergar.
— Águias amigas! — disse por sua vez Sucna Murga. Ide molhar as vossas asas e vinde umedecer a minha língua, pois se sair ganhando nesta luta dar-vos-ei três cadáveres em vez de um só.
A estas palavras as águias foram depressa molhar as asas e vieram umedecer a língua de Sucna Murga. Assim refrescando, a sua força voltou-lhe e, com um desesperado, último arranco, atirou o gênio por terra e cortou-lhe as três cabeças num relance. Depois deu às águias os três corpos dos que mataram e voltou para o palácio de Mariana, onde passou com ela dias alegres e descanso, dias que eles desejavam não acabassem nunca mais.
Era forçoso, todavia, regressar à terra e entregar as três princesas ao Imperador seu pai.
Partiu. Quando chegou ao sítio em que estava acorrente, balançou-a e os irmãos, em baixo, souberam por esse sinal que ele fora bem sucedido em sua empresa.
Desceu as jovens uma após outra, e elas, com grande espanto, em vez de caírem nos braços dos príncipes, foram cair nos de um bando de ciganos que, há muito, vendo aquela enorme corrente, se tinha posto de emboscada e manietaram, minutos antes, os dois irmãos de Sucna Murga.
O chefe dos ciganos ordenou aos seus homens que prendessem os dois príncipes numa gruta, puxando toda a corrente para terra a fim de impedir que Sucna Murga de descer do céu, afastou-se sozinho com as três irmãs em direção à corte do Imperador Branco.
No caminho advertiu as princesas:
— Se disseres a vosso pai uma só palavra que me desminta, os dois príncipes serão imediatamente assassinados pelos do meu bando. Se não, se ficardes caladas, eu os porei em liberdade. Vou-me casar com a mais nova de vocês.
— Comigo! — replicou Mariana. Comigo? nunca!
— Nunca? Pensas talvez que Sucna Murga há de voltar? Jamais! E se não te quiseres casar comigo eu da mesma forma cortarei a cabeça dos dois irmãos dele que tenho sob meu poder.
Vendo-se sozinho no alto, sem esperança de voltar à terra, pois a corrente havia sido tirada, Sucna Murga vagueou ao acaso por lá, desgostoso com o que ele supunha ter sido ingratidão dos príncipes seus manos. Finalmente, não sabendo o que fazer, visitou de novo os palácios dos gênios onde encontrou as coroas que as três princesas aí tinham deixado por esquecimento, e saiu tristonho a passear no campo. Andou, andou, andou. Depois, fatigado, parou sob uma árvore enorme e deitou-se tranquilamente a dormir.
Não dormiu, porém, muitos minutos, pois, mal pegara no sono, um grande rumor ao longe o despertou. Era uma nuvem escura que se aproximava relampejando pelos lados. Ao chegar perto de Sucna Murga, saiu de dentro dela uma bruxa de duas cabeças negra, chispando fogo pelas narinas, com os cabelos crespos em desalinho, semelhante a um furioso demônio.
Sucna Murga não se moveu. Fingiu que estava dormindo, mas imperceptivelmente, lançou a mão ao punho da espada.
— Como lamento que estejas morto, bandido! — urrou a bruxa. Eu queria vingar em ti a morte de meus irmãos.
Ia para retirar-se; refletindo, porém, voltou para junto do príncipe e murmurou rangendo os dentes:
— Este miserável talvez não esteja morto — quem sabe? Vou colar à sua boca o meu ouvido, para ver se ele respira ou se morreu.
Era o que Sucna Murga esperava. Num abrir e fechar de olho sacou da espada e cortou-lhe uma das cabeças, e atirando-a ao chão, pôs-lhe um joelho no peito para a acabar de matar.
Sentindo-se perdida, ela implorou:
— Perdoa-me! Já destruíste a minha família inteira e já cortasse uma das minhas lindas cabeças. Perdoa-me!
— Perdoar-te-ei — disse — quando me revelares o meio de eu regressar à terra
— Vai ao jardim do meu irmão mais velho, o de três cabeças, e procura de dentro do tanque das serpentes um crânio de cavalo que lá está. Tira-o de longe com uma vara para que as serpentes não te mordam, e bate-lhe sete vezes com um chicote. Logo se transformará num belo cavalo branco. Pede-lhe o que quiseres que tudo ele fará.
Sucna Murga largou-a e agradeceu-lhe.
Mas, em vez de se ir embora, a bruxa, logo que se viu livre das mãos do príncipe, virou-se num tigre e avançou ferozmente contra ele. Então Sucna Murga puxou da espada, lutou com a fera e matou-a, decepando-lhe a cabeça.
Foi depois ao palácio que ela tinha indicado, tirou do tanque das serpentes o crânio de cavalo que lá estava, deu-lhe sete vezes com um chicote e imediatamente surgiu diante de si um cavalo muito branco e muito lindo que lhe disse:
— Meu senhor! Eis-me pronto a obedecer às vossas ordens. Antes de mais nada, porém, ponde a mão na minha orelha direita e aí entrareis vestes riquíssimas dignas de príncipe tão valoroso como sois. Tirai em seguida, de minha orelha esquerda, uma sela e um bridão todo de outro. Ajaezai-me cuidadosamente e montai.
— E onde me levarás?
— Fechai os olhos logo que montardes e vereis depois.
Ele assim fez. Fechou os olhos um instante, e logo que os abriu estava no reino de seu pai.
Perguntou, então, ao cavalo:
— Onde se encontram meus irmãos?
O cavalo contou-lhe tudo o que tinha acontecido, e levou-o num momento à gruta da Pedra Negra, onde eles se encontravam, presos à ordem do chefe dos ciganos que roubaram as três infantas.
Sucna Murga libertou-os, desbaratando os bandidos que os guardavam, e, montados todos os três no cavalo mágico, partiram para o reino do Imperador Branco. Lá, souberam que a princesa mais nova se ia casar dento de poucos dias com um cigano, o qual afirmava ter vencido os gênios do ar que a retinham em seu poder, bem como os que se haviam outrora apoderado das outras princesas, igualmente conduzidas por ele à corte do Império.
Faziam-se grandes preparativos para a festa nupcial, e todas as ruas já estavam belamente embandeiradas.
Como as três princesas tinham deixado no Reino dos Gênios do Ar as suas coroas, o Imperador lançara pregoes por toda parte oferecendo grande recompensa a quem fosse capaz de lhes fazer três diademas iguais aos que dantes possuíam.
Sabendo desse pregão, Sucna Murga e os dois irmãos alugaram uma oficina de ourives, disfarçaram-se em operários e mandaram dizer ao Imperador que fariam trás coroas perfeitamente iguais às que as princesas tinham dantes.
O Imperador despachou logo um emissário à oficina com algumas barras de ouro a fim de que fabricassem o mais rapidamente possível a coroa da princesa mais velha.
— Volte amanhã busca-la, — disse Sucna Murga.
Ao outro dia ele foi, e Sucna Murga deu-lhe a coroa de Ileana que trouxera consigo do Reino dos Gênios do Ar. Ileana pensou reconhece-la quando a pôs na cabeça, mas logo lhe veio ao pensamento que só Sucna Murga a poderia ter trazido do palácio do Gênio, e — e isso era impossível, pois o cigano retirara a corrente, único meio de descida.
No dia seguinte outro emissário do Imperador levou mais barras de ouro para que os três ourives fabricassem a coroa da princesa Diana.
— Volte amanhã busca-la.
No outro dia, quando o emissário voltou, Sucna Murga, fingindo ter terminado o trabalho naquele momento, deu-lhe a coroa esquecida pela princesa no palácio do gênio que aroubara.
Ela julgou reconhece-la, mas, pensando como Ileana que jamais Sucna Murga poderia ter regressado à terra, suspirou apenas e não disse nada.
Chegou a vez de ir o cigano encomendar a coroa da princesa Mariana. Foi e, diante dos ourives (que ele nem por sombra desconfiou serem os três príncipes disfarçados) gabou-se de ter matado os gênios e de ter libertado as princesas.
— O senhor não viu por lá ninguém da terra?
— Ninguém.
— Nem Sucna Murga?
— Sucna Murga foi assassinado pelos gênios. Não cheguei a tempo de o salvar. Era um covarde e um fracalhão. Os irmãos dele também foram mortos, coitados! Bem... deixemos estas conversas, porque eu só gosto de falar a príncipes e reis, e não a reles oficiais de ourives como tu. quando estará pronta a coroa de minha noiva?
— Amanhã, senhor.
O cigano voltou no dia seguinte e levou a coroa. Mas a pôs na cabeça, a princesa Mariana viu imediatamente que era aquele o seu diadema antigo. Deu então uma gostosa gargalhada, toda satisfeita com a idéia de que Sucna Murga estava por perto e que o cigano iria receber o seu pago muito em breve.
Ora, como a princesa Mariana jamais se rira desde que fora capturada pelo cigano, ele, muito naturalmente, ficou espantando com semelhante gargalhada, e perguntou-lhe:
— Por que estais alegres?
— Porque me vou casar a meu gosto.
O cigano ficou todo babado, — não sabendo que com aquilo ela queria unicamente dizer que Sucna Murga havia de chegar e então se casaria a seu gosto, casando-se com ele.
Não se enganava.
No dia marcado para o casamento, veio a toda a pressa um arauto anunciar ao Imperador que estava às portas da cidade um grande rei, chegado do Reino dos Diamantes Negros a fim de assistir às bodas da princesa.
O Imperador mandou-o convidar para o jantar e ele foi. Deram-lhe logo à mesa o lugar de honra, tão imponente e tão bem trajado ele vinha, montado num soberbo cavalo cor de neve, com arreios todos recamados de ouro e pedrarias. Ninguém reconhecera Sucna Murga a não ser Mariana, que lhe sorrira em silêncio,, a transbordar de contentamento. Ele trazia uma cabeleira postiça, e falava num tom de voz diferente, para que não descobrissem.
Quando o cigano se estava gabando de ter vencido os três gênios, Sucna Murga atalhou-o:
— Já que você é assim tão forte, estenda o braço e veja até onde é capaz de me levar na palma da mão.
— Aqui estou eu que sou capaz!
E estendendo o braço convidou o cigano a pôr-se em pé na palma de sua mão.
O cigano assim o fez, cuidando que ele não agüentasse, mas, com grande espanto de todos, o suposto rei manteve o braço estendido, sem arrear. Depois segurou fortemente o bandido pelas pernas, caminhou até a janela e atirou-o à rua, onde ele se estatelou e morreu despedaçado.
— Bravo, Sucna Murga! — exclamou a princesa Mariana. Bravo!
Sucna Murga tirou então a cabeleira postiça, deu-se a conhecer aos presentes, e contou, com aplauso e testemunho das três princesas, tudo o que se havia passado desde que saíra a libertá-las.
Os dois irmãos, que o esperavam em baixo, subiram nesse momento ao salão do banquete, onde eu também me encontrava convidado pelo Imperador Branco, e abraçaram Sucna Murga enaltecendo-lhe publicamente os feitos gloriosos.
O pai dos príncipes, instruído, antecipadamente de tudo, tinha entrado junto com seus dois filhos mais velhos.
A alegria dos dois imperadores foi enorme, e houve bailes e festas publicas em ambos os paises, durante seis meses contados.
Sucna Murga, que sempre foi e ainda é muito meu amigo, pediu-me o ano passado que contasse a vocês a sua história, para que vocês aprendessem também a ser bravos, generosos, leais, e anão ter medo de coisa alguma a não ser de praticar ações indignas. Eu, que me habituei com ele a manter a minha palavra, prometi-lhe escrever as suas aventuras e cumpri agora a minha palavra.











7 comentários:

  1. Amava essa história. Li e reli muitas vezes. Não imaginava poder ler novamente. Que bom!

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  2. Linda lembra minha infância no Marajó.

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  3. Procurei muito por está história, lembro q ganhei um livro ilustrado qnd era pequena.Quem é o autor? Ainda existe o livro?

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    1. Comprei um livro do Gondim da Fonseca, chamado "Contos do país das fadas", que tem essa história.

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  4. Procuro por uma coleção de livros onde havia a história de Sugna Murga. Gostaria de saber quem editou ou qualquer informação.

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