O CONDOR ENCANTADO
Em tempos muito
remotos, quando os ratos comiam os gatos e os anões venciam os
gigantes (isto é o que diz a história e eu sei mesmo que é
verdade) — aconteceu que o Rei dos Pássaros foi a um descampado e
espalho no chão cinco alqueires de grãozinhos de milho. Depois,
tocou uma buzina, reuniu todas as aves, e disse-lhes que apanhassem o
milho espalhado e o dividissem irmãmente
entre si. Quando os pássaro escutaram o toque da buzina, vieram de
todas as partes do mundo e dividiram entre si o milho, tal como o rei
tinha ordenado.
Mas depois de o haverem
dividido (Francamente! Sei como isto sucedeu!) ficou sobrando o
grãozinho mais pequenino. Voaram todos para apanhar. Primeiro, um
exigiu-o. outro, em seguida, afirmou que lhe pertencia. Correu logo
um terceiro e gritou que o dono era ele: que fazia parte do seu
quinhão. E palavra puxa palavra, — ao fim de cinco minutos já
ninguém mais se entendia e pegaram todos furiosamente a brigar.
Tamanho barulho fizeram
e tanto brigaram, que afinal os que escaparam vivos da batalha
viram-se com as asas ou as pernas quebradas, para não se poderem rir
dos que jaziam mortos no chão. Todo aquele lugar ficou coberto de
penas, de sangue, e de aves moribundas ou sem vida.
O Condor Encantado, que
viera de além do mar e tomara parte no conflito, teve partida a asa
direita. Quando se viu assim com a asa direita partida, retirou-se
tão depressa quanto possível, voando devagar, devagar, até atingir
uma densa floresta onde as árvores eram tão grandes que nem dez
homens podiam abraçar o troco delas, e tão altas que ninguém lhes
podia avistar o cimo, ainda que tivesse seis olhos em vez de dois.
Ali pousou mansamente, sobre um dos ramos mais baixos.
Pouco tempo depois de
ele pousar, veio-se um homem aproximando com uma espingarda, e fez
pontaria para o matar.
— Olá, caçador! Não
me mate. Tira-me daqui para baixo, devagarinho, e leva-me para tua
casa até eu ficar bom quem sabe cedo ou tarde eu te prestarei bons
serviços?
Quando o caçador ouviu
o pássaro falar com voz humana, baixou a espingarda e esperou que
ele acabasse.
Depois, levantou
novamente a espingarda e mirou.
— Espera um pouco,
bom homem! baixa a espingarda! Tu deves compreender que não te estou
ameaçando. Eu sou amigo. Sou camarada!
E o pássaro foi
dizendo uma coisa atrás de outra, para o convencer a não atirar.
A terceira vez o
caçador ainda mirou, mas resolvido por fim a poupa-lo, tirou-o para
baixo e levou-o embora devagarinho, pensando:
— Quem sabe? Talvez
que este curioso pássaro me traga sorte, pois fala com voz humana.
Quando chegou à casa
pôs emplastro na asa direita do condor e experimentou uma porção
de remédios. Decorridos sete dias, pediu-lhe o pássaro que matasse
uma vaca, visto necessitar de comer alguma coisa. E comeu a vaca
inteira.
No dia seguinte voltou
a pedir-lhe que matasse outra vaca, declarando-se cheio de fome.
— Está tudo muito
bem, Condor amigo! — replicou o homem, — mas se isto for sempre
assim, fico a pedir esmola...
— Pouco importa,
disse o Condor. Eu sei o que estou fazendo. Deixa-te guiar por mim e
não te apoquentes. Pensa só que se não cumprires as minhas ordens
não te poderei valer.
— Bem, mas...
O homem lá foi
pensativo. “Escuta agora! Por quanto tempo poderei eu ir matando
vacas? Enfim, vamos ver o que sucede...”
O caso é que deu todos
os dias ao Condor uma vaca a comer, até ficar sem nenhuma.
No dia em que matou a
última rês, disse-lhe o Condor que espetasse uma vara de trinta pés
de altura no meio do chão, mas que a enterrasse apenas um bocadinho.
O homem assim fez.
Logo depois, o Condor
Encantado arrancou a vara, e agarrando-a com as unhas voou para
longe, — tão longe, tão longe que ficou a perder de vista. Quando
já não avistava, o homem — coitado! — murmurou chorando:
— Ora vejam! Tolo que
eu fui. O Condor comeu as minhas vacas e agora fugiu.
E começou coçando a
cabeça, desapontado. Enquanto estava assim coçando a cabeça e
lamentando, com sua mulher, a desgraçada sorte que tinha — ouviu
ao longe um rumor de asas. Voltou-se, e viu o Condor Encantado
baixando veloz como um relâmpago lá das alturas do céu. desceu,
desceu e arremessou a vara ao chão. Depois atirou-a para mais longe,
com a asa que estivera ferida. Então, fitando o homem, disse:
— Isto foi só para
experimentar a minha força. Agora vamos partir. Eu levo-te nas
minhas costas.
E partiram.
Quando eles já estavam
muito, muito alto, perto do Reino das Tempestades, o Condor sacudiu o
homem das costas e deixou-o cair, mas logo o tornou a segurar com as
garras. Por três vezes o tornou a apanhar, colocando-o novamente nas
costas. Depois, disse ao homem:
— Tu meteste-me igual
susto quando por três vezes me quiseste matar com a espingarda.
Paguei-te na mesma moeda!
Passando isto,
continuaram voando por bastante tempo, até que chegaram a um palácio
radiante de luz. Luz tão forte, que uma pessoa poderia mais
facilmente fitar o Sol ao meio-dia, sem pestanejar, do que olhar para
tal palácio.
O Condor Encantado
disse-lhe:
— Este é o palácio
de minha irmã, que me julga morto. Vai pedir-lhe humildemente uma
esmola. e pede-lhe também uma noz azul que está debaixo do seu
travesseiro. Quando ela te der a esmola, diz assim: Nosso Senhor vos
abençoe! que esta dádiva seja em beneficio de qualquer alma que
disso tenha necessidade. E oxalá que o Condor Encantado viva feliz
onde porventura estiver.
— Muito bem, —
conveio o homem. — Assim farei.
E lá foi.
Quando chegou ao
palácio da irmã do Condor e recebeu a esmola, disse:
— Deus vos abençoe.
possa esta esmola beneficiar qualquer alma que disso preciso. E oxalá
que o Condor Encantado viva feliz onde quer que se encontre!
— Como? Ele ainda
vive? — perguntou a irmã do Condor cheia de alegria. Se assim é,
por que me não vem ver? por onde é que ele anda?
— Creio que vem vindo
para aqui, — retrucou o homem. dai-me a noz azul que está debaixo
do vosso travesseiro, que ele vira com certeza dentro em pouco. Ele
necessita de fazer não sei o que com essa noz.
— Isso são palavras.
Nada mais. Palavras, leva-as o vento. Eu já não vejo meu irmão há
muitíssimo tempo e duvido que o torne a ver. mas mesmo que não
torne, a noz azul é que não darei.
Quando ouvir esta
recusa, o homem voltou ao lugar onde deixara o Condor e contou-lhe
tudo qual como tinha acontecido.
— Bom! — fez o
Condor. Monta nas minhas costas e vamos ao palácio do meu irmão.
Partiram novamente
voando. Ao atingirem a casa do irmão do Condor (mais bonita ainda
que a da irmã), o homem desmontou das costas do pássaro e foi, como
da vez anterior, pedir-lhe uma esmola e a noz azul que estava debaixo
do travesseiro.
— Eu já não vejo
meu irmão há muitíssimo tempo e não creia que possa tornar a
vê-lo. Mas ainda que pudesse não te ia agora dar a noz azul que
está debaixo do meu travesseiro.
Vendo o Condor
Encantado que o irmão também se negava a dar-lhe o que pedia, foi
ao palácio de sua mulher, muito mais rico e maior do que qualquer
dos primeiros.
Junto do palácio havia
um poço muito fundo. Disse o Condor ao homem:
— Vai e puxa a corda
da roldana do poço, até que ela chie. Escutarão lá dentro o
barulho e virão perguntar-te quem és. Dirás que és uma pessoa a
mando do Condor Encantado.
O homem foi, puxou a
corda, e logo a roldana chiou. Ouviu-se, então, de dentro,
— Quem está aí?
Olha que eu tenho um cão com unhas e dentes de aço, e se o solto
ele far-te-á em pedaços.
— Sou um pobre
mensageiro do Condor Encantado.
Quando a mulher ouviu
falar em Condor Encantado, veio imediatamente à porta, convidou-o a
entrar, e pôs a mesa e deu-lhe de comer e de beber. Depois
perguntou-lhe que notícias trazia do seu marido.
— Felizmente, trago
boas novas. Ele está bom e forte. Ficou doente uma vez, com uma asa
quebrada, mas breve sarou, e agora mandou-me aqui pedir-vos a noz
azul que está debaixo do vosso travesseiro. Ele precisa dessa noz
para qualquer coisa que eu ignoro.
— Dar-te-ei a noz
azul. Até a vida eu daria, se acaso ele precisasse dela.
E entregou a noz ao
homem, que se despediu agradecendo a bela recepção e o modo por que
tinha sido tratado, e a foi imediatamente ao Condor, todo cheio de
alegria.
Recebida a noz, o
Condor mandou o homem montar-lhe de novo nas costas, pois desejava
transporta-lo à casa. E assim partiram de jornada.
Quando chegaram perto
da casa, o homem saiu das costas do Condor, e este lhe disse:
— Toma esta noz azul
que te ofereço. Ao sentires desejos ou necessidade de recursos,
abre-a cuidadosamente com a ponta do teu canivete, e dela sairão
pássaros, bois, rebanhos de carneiros, etc. vende o que quiseres,
mata os que quiseres, e torna a colocar o resto dentro da noz,
estalando este pequeno chicote. Adeus!
Logo que o Condor
Encantado partiu, o homem pos a noz no bolso e o chicote no saco, e
seguiu descansadamente o seu caminho. Pouco tempo depois chegou a uma
linda floresta, enorme e sombria, com altas árvores e verdes matos.
Cansado como estava de ter viajado muito, sentou-se à sombra de uma
grande mangueira e adormeceu para recuperar as forças perdidas.
Pegou no sono e só acordou à tardinha, quando já era sol-posto.
Sentindo-se, então,
muito impaciente por ver o que poderia sair da pequenina noz azul,
não quis esperar até chegar à casa; tomou o canivete e abriu-a.
Que aconteceu?
Parecia que todas as
manadas e rebanhos do mundo estavam dentro da noz, pois dela saíram
animais em tal número que breve encheram aquele lugar, alastrando-se
e cobrindo completamente uma légua em derredor. Não havia somente
vacas e bois com chifres de um metro de comprido; gordos carneiros
com lã semelhante a seda; fogosos cavalos; mulas e burros; mas
também lebres, veados, corças, cabras, porcos, — toda espécie de
animais úteis para comer.
Quando o homem viu toda
esta riqueza, alegrou-se em extremo e esfregou os olhos pensando
estar ainda a dormir. Não esta. Era, pois verdade. Ei-lo rico de um
momento para o outro. Rico! Fabulosamente rico! E pôs-se a dançar
feito maluco, até que deliberou pegar no chicote e fazê-lo estalar,
a fim de recolher novamente todos os animais na noz quebrada.
Mas, para pegar numa
coisa, pé preciso encontra-la.
Olhou aqui, olhou, ali,
para cima, para baixo, por toda a parte, — porém o saco estava
vazio e o chicote havia desaparecido.
Coitado! Enquanto ele
estivera dormindo, viera um ladrão para roubar e, não lhe
encontrando dinheiro na bolsa, levara-lhe o chicote como consolação.
Que infelicidade!
E agora?
O que iria fazer agora
o pobre homem com todos aqueles animais? Conduzi-los e leva-los para
casa, não era bem pensado. Será possível levar toda aquela porção
de animais para casa? Alguns já se tinha espalhado pela floresta.
Sentou-se, então, num
tronco de árvore e, chorando desesperadamente, amaldiçoou a hora em
que havia adormecido.
Chorava ainda o
infeliz, quando desse se aproximou Tartacó, — anão de palmo e
meio de altura, com uma barba de um metro de comprimento, montado num
coelho cor de cinza e coxo de uma perna. Aproximou-se e disse-lhe:
— Bom homem! sei o
que te incomoda. Eu possa reunir todos os teus animais e mete-los na
noz quebrada. Farei isso com a condição de me dares a esperança da
tua casa.
— Como sou
desgraçado! Ninguém me deixou esperança em casa quando, há
algumas horas, parti com o Condor Encantado.
— Não te importes
com isso. Promete-me só o que te peço, e porei todos os animais
dentro da noz.
— Se assim é, —
disse o homem — aceito.
— Muito bem, —
declarou Tartacó. Estamos então de pleno acordo.
E tirando do meio da
barba um pequeno chicote, não tão grande como o dedo mindinho,
fê-lo estalar três vezes.
Logo todos os animais
entraram apressadamente para a noz. O homem, fechando-a, colocou-a no
bolso, e Tartacó deu-lhe o chicote, a fim de que o usasse quando
dele tivesse necessidade. Depois desapareceu, e o homem continuou a
jornada para casa. No caminho, perto de um poço, encontrou um jovem
muito forte com um saco às costas.
— O meu nome é
Tudor. Vou para onde meu pai me mandou. Ele deu-me ao anão Tartacó
que tem uma barba de um metro de comprimento e anda montado num
coelho coxo.
E continuou o seu
caminho.
Lembrou-se, então, o
pobre homem que, ao sair de casa, despedindo-se de sua mulher, lhe
tinha ela prometido uma criança. provavelmente nascera essa criança
depois que ele partira.
Ah! Era então o seu
filho, a sua esperança, a vida da sua vida que Tartacó lhe tinha
levado! E chorou com amargura.
Também, quem lhe diria
que a sua viagem fora tão longa? Parece que partira a algumas horas
apenas, e já lá iam mais de quinze anos.
Tristemente, com o
coração magoado, foi o bom homem para casa, onde sua mulher o
esperava tão desolada e tão aflita como ele.
Tudor andou um ano e um
dia antes de chegar à casa de Tartacó. O anão mostrou-lhe quais
eram os seus deveres, e como o rapaz era hábil e forte, depressa
aprendeu. Tartacó ganhou-lhe amor e tratava-o muito bem, fazendo
tudo para lhe agradar.
Ora, perto do reino de
Tartacó havia o estado de Drago, rei feiticeiro, que tinha uma filha
de olhos pretos e brilhantes, boca
pequena, faces rosadas, e bonita como ninguém. Não se
parecia nada com o pai. Certamente
a mãe fora boa
criatura. Mas pouco nos importa o que a mãe tenha sido; para nós é
suficiente saber que Tudor se enamorou dela, e tão profundamente
que, quando não via, sentia-se completamente perdido.
A moça, rodeada como
estava de todas as espécies de horríveis duendes e feiticeiros, tão
feios como é possível imaginar-se, — enamorou-se também de
Tudor. Sabendo, porém, que o velho Drago não consentiria nunca no
casamento, decidiram fugir e, certa noite, Tudor montou num cavalo
que Tartacó lhe dera e abriu caminho com a moça na garupa.
Logo de manhã cedo, a
velha mãe de Drago sentiu que eles tinham desaparecido, e mandou o
filho rapidamente em sua perseguição. Quando ele os estava quase
alcançando, a moça (que sabia perfeitamente todas as artes
mágicas), notou que qualquer coisa de mau se passava e mandou o moço
olhar para traz e dizer o que via. Depois de ter voltado a cabeça,
Tudor gritou:
— Vem aí um corvo
preto atrás de nós!
— É o meu terrível
pai! Vou já mudar-me numa igreja e tu mudas-te num frade em pé na
minha frente.
Transformaram-se num
abrir e fechar de olhos, e o corvo preto foi voando sempre, olhando
de revés para a igreja, pois nenhum feiticeiro pode passar por uma
igreja e olhar para ela direito. Depois de ter voado um pouco mais,
perdeu-os de vista e tornou para casa. Tudor e a moça voltaram então
à forma humana e continuaram a jornada.
Quando Drago chegou à
casa e disse à mãe não haver encontrado vestígios do par fugido,
tendo visto somente uma pequena igreja e um padre, — a velha
deu-lhe tal murro nos ouvidos que os miolos sacudiram dentro da
cabeça.
Eu sei que isto foi
assim, porque entre feiticeiros as mulheres são piores do que os
homens, e quando estão de mau humor nenhum valente pode com elas.
— O que tu viste eram
eles mesmo. Tu nunca fazes nada de jeito! Levanta-te, corre atrás
deles e agarra-os. Por que esperas? Trá-los cá, e eu lhe s
ensinarei o que é fugir.
Drago voltou a
persegui-los. ao chegar perto deles, a moça disse outra vez a Tudor:
— Olha agora para
trás e vê o que vem.
— Vem uma galha preta
ardente!
— Muda-te já num
guarda floresta e eu em floresta!
O mágico passou
novamente por eles, e não soube que o guarda da floresta e a própria
floresta eram o moço e a moça. Drago não compreendia tão bem
estas coisas como sua mãe. Voltou para casa sem sucesso.
Quando a velha bruxa o
escutou, ficou tão furiosa que lhe cuspiu no rosto. Depois,
embrulhou-se na sua grande capa negra, montou num cabo de vassoura,
bateu nele três vezes com uma pena de galo preto, e imediatamente
voou trinta léguas, — aproximando-se muito dos fugitivos.
Vendo a moça que a avó
(cuja capacidade e esperteza ela conhecia) voava em sua perseguição
ficou deveras um tanto amedrontada. Mas, depois de pensar um momento,
transformou-se num lago com três pés de lodo no fundo e o moço
transformou-se num pato nadando à tona d’água.
Quando a bruxa deu com
o logo e o pato, logo soube que um era a moça e o outro o moço. O
pato mantinha-se no meio do lago. Ela não o podia apanhar, porque a
moça recomendara a Tudor que de forma alguma chegasse à beira do
lago, ou abrisse os olhos, — até a velha desaparecer.
A mãe de Drago tentou
seduzir o rapaz por muitas maneiras, ofereceu-lhe bons biscoitos para
comer, belos pratos para esgaravatar, mas o pato não se moveu:
conservou-se sempre no seu lugar.
Percebendo que não
havia meio de induzir o pato a vir à beira do lago, — o que foi
que ela fez, o diabo da velha? Como bruxa malvada que era, virou-se
repentinamente para ele, e disse:
— Vou matar agora
mesma a minha neta. Olha!
Tudor, aflito, pensou
que fosse verdade e abriu os olhos. Foi o que ela quis, arrancou-lhos
e, deixando-o cego, fugiu.
Assim que ela se foi,
Tudor e a moça voltaram à forma humana.
— E agora? —
perguntou a moça. Eu bem te recomendei que não abrisse os olhos. Tu
deixaste-te enganar pela velha e por causa disso estás cego.
Contudo, espero em breve remediar esse mal. Fica um instante aqui.
Vou tentar apoderar-me dos teus olhos.
A mãe de Drago,
cansada da jornada, tinha-se deitado na floresta à sombra das
árvores e caído em sono profundo. Chegando ali e vendo-a dormir, a
moça abriu a mão, onde ela conservava os olhos de Tudor, tirou-lhos
e colocou no seu lugar dois pedaços de lodo. Quando a velha acordo,
pos as pernas por cima dos ombros e vi-se embora voando no seu cabo
de vassoura. Ao entrar em casa, o filho perguntou-lhe:
— Então o que é que
você fez? Que sucesso teve?
— Eu não sou uma
idiota como tu. Arranquei os olhos do rapaz. Aqui estão eles.
Repara!
Mas ao abrir a mão
para mostrar os olhos, viu que trouxera apenas duas bolas de lama.
— É esse o sucesso
de que você se ufana? — escarneceu o filho.
A feiticeira ficou de
boca aberta. Drago, então, avançou para ela e deu-lhe tal murro nos
ouvidos que os olhos lhe saltaram do rosto e caíram no fogo. Ela
ficou cega e estourou de raiva. Pum!
Quando o jovem para se
achou livre e salvo de tantas perseguições, encaminhou-se para a
casa do pai de Tudor, o qual ainda conservava a noz azul que o Condor
Encantado lhe dera. Tornara-se com a sua posse o homem mais rico do
país, e vivia com a mulher num grande palácio. A única tristeza
dos dois era a falta do filho querido.
Tudor casou-se com a
moça. Todos a acharam lindíssima e de coração bondoso. Tiveram
muitos filhos, e foram felizes até morrer.
Houve grandes festas e
muita alegria.
Sabem vocês quem veio
ao casamento deles?
Tartacó montando no
seu coelho coxo e cor de cinza.
O presente que ofereceu
foi o melhor de todos, pois o anão era inimigo de Drago e tinha
grande amizade a Tudor. Deu-lhe um palácio mais lindo e mais
suntuoso do que o palácio do rei. E ficou sendo uma das suas visitas
mais assíduas. Quem diria que Tartacó era tão generoso?
E o Condor Encantado? O
que foi feito dele?
Depois de deixar o
homem que o tinha salvo e aquém tornara tão rico dando-lhe a noz da
abundancia, — voou pelo mundo afora durante muito tempo a fim de
conhecer todas as terras. Passados alguns meses, sentindo-se cheio de
saudades de sua mulher, resolveu fazer-lhe uma surpresa e ir
visita-la. Bateu as asas e foi.
Ora, a mulher do Condor
costumava estar sempre à janela do palácio o dia inteiro, esperando
que em qualquer ocasião ele voltasse. Assim, quando o enxergou ao
longe, estendeu-lhe os braços, louca de alegria. E ao vê-lo perto
de si, beijou-o muito comovida, chorando de tanta satisfação.
Logo, porém, ao
dar-lhe o primeiro abraço, o Condor voltou à forma humana e
transformou-se num príncipe lindíssimo, tal como era antes de ser
encantado. É que nesse momento morria no reino de Drago a velha
bruxa, e quebrava-se o encanto que ela lhe pusera e que o trouxera
longos anos feito pássaro. A mãe de Drago quisera-se casar outrora
com o formoso príncipe, apesar de ter então duzentos anos e ele
apenas quinze. O príncipe negara-se (está claro) e ela, por
vingança, transformara-o em Condor no dia do seu casamento com a
filha do rei do País das Esmeraldas.
O regozijo no palácio
foi enorme. Houve festa um ano inteiro. O irmão e a irmã do
príncipe vieram pedir-lhe desculpa de não haver outrora dado a noz
azul ao mensageiro que ele lhes mandara. O príncipe perdoou, e
ficaram todos muito amigos.
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