terça-feira, 6 de maio de 2014

MERECE SER LEMBRADO III -- O CONDOR ENCANTADO


O CONDOR ENCANTADO


Em tempos muito remotos, quando os ratos comiam os gatos e os anões venciam os gigantes (isto é o que diz a história e eu sei mesmo que é verdade) — aconteceu que o Rei dos Pássaros foi a um descampado e espalho no chão cinco alqueires de grãozinhos de milho. Depois, tocou uma buzina, reuniu todas as aves, e disse-lhes que apanhassem o milho espalhado e o dividissem irmãmente entre si. Quando os pássaro escutaram o toque da buzina, vieram de todas as partes do mundo e dividiram entre si o milho, tal como o rei tinha ordenado.
Mas depois de o haverem dividido (Francamente! Sei como isto sucedeu!) ficou sobrando o grãozinho mais pequenino. Voaram todos para apanhar. Primeiro, um exigiu-o. outro, em seguida, afirmou que lhe pertencia. Correu logo um terceiro e gritou que o dono era ele: que fazia parte do seu quinhão. E palavra puxa palavra, — ao fim de cinco minutos já ninguém mais se entendia e pegaram todos furiosamente a brigar.
Tamanho barulho fizeram e tanto brigaram, que afinal os que escaparam vivos da batalha viram-se com as asas ou as pernas quebradas, para não se poderem rir dos que jaziam mortos no chão. Todo aquele lugar ficou coberto de penas, de sangue, e de aves moribundas ou sem vida.
O Condor Encantado, que viera de além do mar e tomara parte no conflito, teve partida a asa direita. Quando se viu assim com a asa direita partida, retirou-se tão depressa quanto possível, voando devagar, devagar, até atingir uma densa floresta onde as árvores eram tão grandes que nem dez homens podiam abraçar o troco delas, e tão altas que ninguém lhes podia avistar o cimo, ainda que tivesse seis olhos em vez de dois. Ali pousou mansamente, sobre um dos ramos mais baixos.
Pouco tempo depois de ele pousar, veio-se um homem aproximando com uma espingarda, e fez pontaria para o matar.
— Olá, caçador! Não me mate. Tira-me daqui para baixo, devagarinho, e leva-me para tua casa até eu ficar bom quem sabe cedo ou tarde eu te prestarei bons serviços?
Quando o caçador ouviu o pássaro falar com voz humana, baixou a espingarda e esperou que ele acabasse.
Depois, levantou novamente a espingarda e mirou.
— Espera um pouco, bom homem! baixa a espingarda! Tu deves compreender que não te estou ameaçando. Eu sou amigo. Sou camarada!
E o pássaro foi dizendo uma coisa atrás de outra, para o convencer a não atirar.
A terceira vez o caçador ainda mirou, mas resolvido por fim a poupa-lo, tirou-o para baixo e levou-o embora devagarinho, pensando:
— Quem sabe? Talvez que este curioso pássaro me traga sorte, pois fala com voz humana.
Quando chegou à casa pôs emplastro na asa direita do condor e experimentou uma porção de remédios. Decorridos sete dias, pediu-lhe o pássaro que matasse uma vaca, visto necessitar de comer alguma coisa. E comeu a vaca inteira.
No dia seguinte voltou a pedir-lhe que matasse outra vaca, declarando-se cheio de fome.
— Está tudo muito bem, Condor amigo! — replicou o homem, — mas se isto for sempre assim, fico a pedir esmola...
— Pouco importa, disse o Condor. Eu sei o que estou fazendo. Deixa-te guiar por mim e não te apoquentes. Pensa só que se não cumprires as minhas ordens não te poderei valer.
— Bem, mas...
O homem lá foi pensativo. “Escuta agora! Por quanto tempo poderei eu ir matando vacas? Enfim, vamos ver o que sucede...”
O caso é que deu todos os dias ao Condor uma vaca a comer, até ficar sem nenhuma.
No dia em que matou a última rês, disse-lhe o Condor que espetasse uma vara de trinta pés de altura no meio do chão, mas que a enterrasse apenas um bocadinho.
O homem assim fez.
Logo depois, o Condor Encantado arrancou a vara, e agarrando-a com as unhas voou para longe, — tão longe, tão longe que ficou a perder de vista. Quando já não avistava, o homem — coitado! — murmurou chorando:
— Ora vejam! Tolo que eu fui. O Condor comeu as minhas vacas e agora fugiu.
E começou coçando a cabeça, desapontado. Enquanto estava assim coçando a cabeça e lamentando, com sua mulher, a desgraçada sorte que tinha — ouviu ao longe um rumor de asas. Voltou-se, e viu o Condor Encantado baixando veloz como um relâmpago lá das alturas do céu. desceu, desceu e arremessou a vara ao chão. Depois atirou-a para mais longe, com a asa que estivera ferida. Então, fitando o homem, disse:
— Isto foi só para experimentar a minha força. Agora vamos partir. Eu levo-te nas minhas costas.
E partiram.
Quando eles já estavam muito, muito alto, perto do Reino das Tempestades, o Condor sacudiu o homem das costas e deixou-o cair, mas logo o tornou a segurar com as garras. Por três vezes o tornou a apanhar, colocando-o novamente nas costas. Depois, disse ao homem:
— Tu meteste-me igual susto quando por três vezes me quiseste matar com a espingarda. Paguei-te na mesma moeda!
Passando isto, continuaram voando por bastante tempo, até que chegaram a um palácio radiante de luz. Luz tão forte, que uma pessoa poderia mais facilmente fitar o Sol ao meio-dia, sem pestanejar, do que olhar para tal palácio.
O Condor Encantado disse-lhe:
— Este é o palácio de minha irmã, que me julga morto. Vai pedir-lhe humildemente uma esmola. e pede-lhe também uma noz azul que está debaixo do seu travesseiro. Quando ela te der a esmola, diz assim: Nosso Senhor vos abençoe! que esta dádiva seja em beneficio de qualquer alma que disso tenha necessidade. E oxalá que o Condor Encantado viva feliz onde porventura estiver.
— Muito bem, — conveio o homem. — Assim farei.
E lá foi.
Quando chegou ao palácio da irmã do Condor e recebeu a esmola, disse:
— Deus vos abençoe. possa esta esmola beneficiar qualquer alma que disso preciso. E oxalá que o Condor Encantado viva feliz onde quer que se encontre!
— Como? Ele ainda vive? — perguntou a irmã do Condor cheia de alegria. Se assim é, por que me não vem ver? por onde é que ele anda?
— Creio que vem vindo para aqui, — retrucou o homem. dai-me a noz azul que está debaixo do vosso travesseiro, que ele vira com certeza dentro em pouco. Ele necessita de fazer não sei o que com essa noz.
— Isso são palavras. Nada mais. Palavras, leva-as o vento. Eu já não vejo meu irmão há muitíssimo tempo e duvido que o torne a ver. mas mesmo que não torne, a noz azul é que não darei.
Quando ouvir esta recusa, o homem voltou ao lugar onde deixara o Condor e contou-lhe tudo qual como tinha acontecido.
— Bom! — fez o Condor. Monta nas minhas costas e vamos ao palácio do meu irmão.
Partiram novamente voando. Ao atingirem a casa do irmão do Condor (mais bonita ainda que a da irmã), o homem desmontou das costas do pássaro e foi, como da vez anterior, pedir-lhe uma esmola e a noz azul que estava debaixo do travesseiro.
— Eu já não vejo meu irmão há muitíssimo tempo e não creia que possa tornar a vê-lo. Mas ainda que pudesse não te ia agora dar a noz azul que está debaixo do meu travesseiro.
Vendo o Condor Encantado que o irmão também se negava a dar-lhe o que pedia, foi ao palácio de sua mulher, muito mais rico e maior do que qualquer dos primeiros.
Junto do palácio havia um poço muito fundo. Disse o Condor ao homem:
— Vai e puxa a corda da roldana do poço, até que ela chie. Escutarão lá dentro o barulho e virão perguntar-te quem és. Dirás que és uma pessoa a mando do Condor Encantado.
O homem foi, puxou a corda, e logo a roldana chiou. Ouviu-se, então, de dentro, noz azul que estava debaixo do travesseirontecido.
palacio. o torno uma voz de mulher perguntar:
— Quem está aí? Olha que eu tenho um cão com unhas e dentes de aço, e se o solto ele far-te-á em pedaços.
— Sou um pobre mensageiro do Condor Encantado.
Quando a mulher ouviu falar em Condor Encantado, veio imediatamente à porta, convidou-o a entrar, e pôs a mesa e deu-lhe de comer e de beber. Depois perguntou-lhe que notícias trazia do seu marido.
— Felizmente, trago boas novas. Ele está bom e forte. Ficou doente uma vez, com uma asa quebrada, mas breve sarou, e agora mandou-me aqui pedir-vos a noz azul que está debaixo do vosso travesseiro. Ele precisa dessa noz para qualquer coisa que eu ignoro.
— Dar-te-ei a noz azul. Até a vida eu daria, se acaso ele precisasse dela.
E entregou a noz ao homem, que se despediu agradecendo a bela recepção e o modo por que tinha sido tratado, e a foi imediatamente ao Condor, todo cheio de alegria.
Recebida a noz, o Condor mandou o homem montar-lhe de novo nas costas, pois desejava transporta-lo à casa. E assim partiram de jornada.
Quando chegaram perto da casa, o homem saiu das costas do Condor, e este lhe disse:
— Toma esta noz azul que te ofereço. Ao sentires desejos ou necessidade de recursos, abre-a cuidadosamente com a ponta do teu canivete, e dela sairão pássaros, bois, rebanhos de carneiros, etc. vende o que quiseres, mata os que quiseres, e torna a colocar o resto dentro da noz, estalando este pequeno chicote. Adeus!
Logo que o Condor Encantado partiu, o homem pos a noz no bolso e o chicote no saco, e seguiu descansadamente o seu caminho. Pouco tempo depois chegou a uma linda floresta, enorme e sombria, com altas árvores e verdes matos. Cansado como estava de ter viajado muito, sentou-se à sombra de uma grande mangueira e adormeceu para recuperar as forças perdidas. Pegou no sono e só acordou à tardinha, quando já era sol-posto.
Sentindo-se, então, muito impaciente por ver o que poderia sair da pequenina noz azul, não quis esperar até chegar à casa; tomou o canivete e abriu-a.
Que aconteceu?
Parecia que todas as manadas e rebanhos do mundo estavam dentro da noz, pois dela saíram animais em tal número que breve encheram aquele lugar, alastrando-se e cobrindo completamente uma légua em derredor. Não havia somente vacas e bois com chifres de um metro de comprido; gordos carneiros com lã semelhante a seda; fogosos cavalos; mulas e burros; mas também lebres, veados, corças, cabras, porcos, — toda espécie de animais úteis para comer.
Quando o homem viu toda esta riqueza, alegrou-se em extremo e esfregou os olhos pensando estar ainda a dormir. Não esta. Era, pois verdade. Ei-lo rico de um momento para o outro. Rico! Fabulosamente rico! E pôs-se a dançar feito maluco, até que deliberou pegar no chicote e fazê-lo estalar, a fim de recolher novamente todos os animais na noz quebrada.
Mas, para pegar numa coisa, pé preciso encontra-la.
Olhou aqui, olhou, ali, para cima, para baixo, por toda a parte, — porém o saco estava vazio e o chicote havia desaparecido.
Coitado! Enquanto ele estivera dormindo, viera um ladrão para roubar e, não lhe encontrando dinheiro na bolsa, levara-lhe o chicote como consolação. Que infelicidade!
E agora?
O que iria fazer agora o pobre homem com todos aqueles animais? Conduzi-los e leva-los para casa, não era bem pensado. Será possível levar toda aquela porção de animais para casa? Alguns já se tinha espalhado pela floresta.
Sentou-se, então, num tronco de árvore e, chorando desesperadamente, amaldiçoou a hora em que havia adormecido.
Chorava ainda o infeliz, quando desse se aproximou Tartacó, — anão de palmo e meio de altura, com uma barba de um metro de comprimento, montado num coelho cor de cinza e coxo de uma perna. Aproximou-se e disse-lhe:
— Bom homem! sei o que te incomoda. Eu possa reunir todos os teus animais e mete-los na noz quebrada. Farei isso com a condição de me dares a esperança da tua casa.
— Como sou desgraçado! Ninguém me deixou esperança em casa quando, há algumas horas, parti com o Condor Encantado.
— Não te importes com isso. Promete-me só o que te peço, e porei todos os animais dentro da noz.
— Se assim é, — disse o homem — aceito.
— Muito bem, — declarou Tartacó. Estamos então de pleno acordo.
E tirando do meio da barba um pequeno chicote, não tão grande como o dedo mindinho, fê-lo estalar três vezes.
Logo todos os animais entraram apressadamente para a noz. O homem, fechando-a, colocou-a no bolso, e Tartacó deu-lhe o chicote, a fim de que o usasse quando dele tivesse necessidade. Depois desapareceu, e o homem continuou a jornada para casa. No caminho, perto de um poço, encontrou um jovem muito forte com um saco às costas.
— O meu nome é Tudor. Vou para onde meu pai me mandou. Ele deu-me ao anão Tartacó que tem uma barba de um metro de comprimento e anda montado num coelho coxo.
E continuou o seu caminho.
Lembrou-se, então, o pobre homem que, ao sair de casa, despedindo-se de sua mulher, lhe tinha ela prometido uma criança. provavelmente nascera essa criança depois que ele partira.
Ah! Era então o seu filho, a sua esperança, a vida da sua vida que Tartacó lhe tinha levado! E chorou com amargura.
Também, quem lhe diria que a sua viagem fora tão longa? Parece que partira a algumas horas apenas, e já lá iam mais de quinze anos.
Tristemente, com o coração magoado, foi o bom homem para casa, onde sua mulher o esperava tão desolada e tão aflita como ele.
Tudor andou um ano e um dia antes de chegar à casa de Tartacó. O anão mostrou-lhe quais eram os seus deveres, e como o rapaz era hábil e forte, depressa aprendeu. Tartacó ganhou-lhe amor e tratava-o muito bem, fazendo tudo para lhe agradar.
Ora, perto do reino de Tartacó havia o estado de Drago, rei feiticeiro, que tinha uma filha de olhos pretos e brilhantes, boca pequena, faces rosadas, e bonita como ninguém. Não se parecia nada com o pai. Certamente
a mãe fora boa criatura. Mas pouco nos importa o que a mãe tenha sido; para nós é suficiente saber que Tudor se enamorou dela, e tão profundamente que, quando não via, sentia-se completamente perdido.
A moça, rodeada como estava de todas as espécies de horríveis duendes e feiticeiros, tão feios como é possível imaginar-se, — enamorou-se também de Tudor. Sabendo, porém, que o velho Drago não consentiria nunca no casamento, decidiram fugir e, certa noite, Tudor montou num cavalo que Tartacó lhe dera e abriu caminho com a moça na garupa.
Logo de manhã cedo, a velha mãe de Drago sentiu que eles tinham desaparecido, e mandou o filho rapidamente em sua perseguição. Quando ele os estava quase alcançando, a moça (que sabia perfeitamente todas as artes mágicas), notou que qualquer coisa de mau se passava e mandou o moço olhar para traz e dizer o que via. Depois de ter voltado a cabeça, Tudor gritou:
— Vem aí um corvo preto atrás de nós!
— É o meu terrível pai! Vou já mudar-me numa igreja e tu mudas-te num frade em pé na minha frente.
Transformaram-se num abrir e fechar de olhos, e o corvo preto foi voando sempre, olhando de revés para a igreja, pois nenhum feiticeiro pode passar por uma igreja e olhar para ela direito. Depois de ter voado um pouco mais, perdeu-os de vista e tornou para casa. Tudor e a moça voltaram então à forma humana e continuaram a jornada.
Quando Drago chegou à casa e disse à mãe não haver encontrado vestígios do par fugido, tendo visto somente uma pequena igreja e um padre, — a velha deu-lhe tal murro nos ouvidos que os miolos sacudiram dentro da cabeça.
Eu sei que isto foi assim, porque entre feiticeiros as mulheres são piores do que os homens, e quando estão de mau humor nenhum valente pode com elas.
— O que tu viste eram eles mesmo. Tu nunca fazes nada de jeito! Levanta-te, corre atrás deles e agarra-os. Por que esperas? Trá-los cá, e eu lhe s ensinarei o que é fugir.
Drago voltou a persegui-los. ao chegar perto deles, a moça disse outra vez a Tudor:
— Olha agora para trás e vê o que vem.
— Vem uma galha preta ardente!
— Muda-te já num guarda floresta e eu em floresta!
O mágico passou novamente por eles, e não soube que o guarda da floresta e a própria floresta eram o moço e a moça. Drago não compreendia tão bem estas coisas como sua mãe. Voltou para casa sem sucesso.
Quando a velha bruxa o escutou, ficou tão furiosa que lhe cuspiu no rosto. Depois, embrulhou-se na sua grande capa negra, montou num cabo de vassoura, bateu nele três vezes com uma pena de galo preto, e imediatamente voou trinta léguas, — aproximando-se muito dos fugitivos.
Vendo a moça que a avó (cuja capacidade e esperteza ela conhecia) voava em sua perseguição ficou deveras um tanto amedrontada. Mas, depois de pensar um momento, transformou-se num lago com três pés de lodo no fundo e o moço transformou-se num pato nadando à tona d’água.
Quando a bruxa deu com o logo e o pato, logo soube que um era a moça e o outro o moço. O pato mantinha-se no meio do lago. Ela não o podia apanhar, porque a moça recomendara a Tudor que de forma alguma chegasse à beira do lago, ou abrisse os olhos, — até a velha desaparecer.
A mãe de Drago tentou seduzir o rapaz por muitas maneiras, ofereceu-lhe bons biscoitos para comer, belos pratos para esgaravatar, mas o pato não se moveu: conservou-se sempre no seu lugar.
Percebendo que não havia meio de induzir o pato a vir à beira do lago, — o que foi que ela fez, o diabo da velha? Como bruxa malvada que era, virou-se repentinamente para ele, e disse:
— Vou matar agora mesma a minha neta. Olha!
Tudor, aflito, pensou que fosse verdade e abriu os olhos. Foi o que ela quis, arrancou-lhos e, deixando-o cego, fugiu.
Assim que ela se foi, Tudor e a moça voltaram à forma humana.
— E agora? — perguntou a moça. Eu bem te recomendei que não abrisse os olhos. Tu deixaste-te enganar pela velha e por causa disso estás cego. Contudo, espero em breve remediar esse mal. Fica um instante aqui. Vou tentar apoderar-me dos teus olhos.
A mãe de Drago, cansada da jornada, tinha-se deitado na floresta à sombra das árvores e caído em sono profundo. Chegando ali e vendo-a dormir, a moça abriu a mão, onde ela conservava os olhos de Tudor, tirou-lhos e colocou no seu lugar dois pedaços de lodo. Quando a velha acordo, pos as pernas por cima dos ombros e vi-se embora voando no seu cabo de vassoura. Ao entrar em casa, o filho perguntou-lhe:
— Então o que é que você fez? Que sucesso teve?
— Eu não sou uma idiota como tu. Arranquei os olhos do rapaz. Aqui estão eles. Repara!
Mas ao abrir a mão para mostrar os olhos, viu que trouxera apenas duas bolas de lama.
— É esse o sucesso de que você se ufana? — escarneceu o filho.
A feiticeira ficou de boca aberta. Drago, então, avançou para ela e deu-lhe tal murro nos ouvidos que os olhos lhe saltaram do rosto e caíram no fogo. Ela ficou cega e estourou de raiva. Pum!
Quando o jovem para se achou livre e salvo de tantas perseguições, encaminhou-se para a casa do pai de Tudor, o qual ainda conservava a noz azul que o Condor Encantado lhe dera. Tornara-se com a sua posse o homem mais rico do país, e vivia com a mulher num grande palácio. A única tristeza dos dois era a falta do filho querido.
Tudor casou-se com a moça. Todos a acharam lindíssima e de coração bondoso. Tiveram muitos filhos, e foram felizes até morrer.
Houve grandes festas e muita alegria.
Sabem vocês quem veio ao casamento deles?
Tartacó montando no seu coelho coxo e cor de cinza.
O presente que ofereceu foi o melhor de todos, pois o anão era inimigo de Drago e tinha grande amizade a Tudor. Deu-lhe um palácio mais lindo e mais suntuoso do que o palácio do rei. E ficou sendo uma das suas visitas mais assíduas. Quem diria que Tartacó era tão generoso?
E o Condor Encantado? O que foi feito dele?
Depois de deixar o homem que o tinha salvo e aquém tornara tão rico dando-lhe a noz da abundancia, — voou pelo mundo afora durante muito tempo a fim de conhecer todas as terras. Passados alguns meses, sentindo-se cheio de saudades de sua mulher, resolveu fazer-lhe uma surpresa e ir visita-la. Bateu as asas e foi.
Ora, a mulher do Condor costumava estar sempre à janela do palácio o dia inteiro, esperando que em qualquer ocasião ele voltasse. Assim, quando o enxergou ao longe, estendeu-lhe os braços, louca de alegria. E ao vê-lo perto de si, beijou-o muito comovida, chorando de tanta satisfação.
Logo, porém, ao dar-lhe o primeiro abraço, o Condor voltou à forma humana e transformou-se num príncipe lindíssimo, tal como era antes de ser encantado. É que nesse momento morria no reino de Drago a velha bruxa, e quebrava-se o encanto que ela lhe pusera e que o trouxera longos anos feito pássaro. A mãe de Drago quisera-se casar outrora com o formoso príncipe, apesar de ter então duzentos anos e ele apenas quinze. O príncipe negara-se (está claro) e ela, por vingança, transformara-o em Condor no dia do seu casamento com a filha do rei do País das Esmeraldas.
O regozijo no palácio foi enorme. Houve festa um ano inteiro. O irmão e a irmã do príncipe vieram pedir-lhe desculpa de não haver outrora dado a noz azul ao mensageiro que ele lhes mandara. O príncipe perdoou, e ficaram todos muito amigos.


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