terça-feira, 6 de maio de 2014

MERECE SER LEMBRADO II -- UM HERÓI: TIRADENTES


UM HERÓI: TIRADENTES


I

Um dia, já faz duzentos anos, D. Antônia disse a Seu Domingos:
— Domingos, que é de o Joaquim?
D. Antônia era mulher de Seu Domingos. Tinham eles uma fazenda em São João d’El-Rei, na Capitania de Minas Gerais, e nela viviam com seus filhos. eram sete: cinco meninos e duas meninas. Os dois mais velhos estudavam para padre. O quarto chamava-se Joaquim José.
— Domingos, que é de o Joaquim?
O Seu Domingos estava acostumado a ouvir aquela pergunta, porque a mulher lhe fazia muitas vezes ao dia, desde que o pequeno Joaquim José começou a andar e pôde dar as suas voltas.
— Domingos, que é de o Joaquim?
O Seu Domingos, que examinava uns minérios, respondeu-lhe impaciente:
— Onde há de estar? Rodando por aí. Já o vi ajudando a ferrar cavalos; depois trabucou com o carpinteiro no conserto do carro; esteve no palheiro, lendo o livro que o padrinho lhe trouxe; por último, estava com os escravos na mineração...


II

Joaquim José da Silva Xavier era o nome todo do menino e, como se vê, devia ser um diabrete vivo e incansável. Não parava um momento. Muito curioso, queria aprender tudo. Muito metediço, não havia coisa em que não se metesse. Muito ativo, não sabia o que era preguiça. Onde quer que estivesse, havia discussão e movimento, porque sabia agitar o seu pequeno mundo.
Criança ainda, era ele o que resolvia as principais dificuldades da fazenda. Fazer uma conta depressa, escrever uma carta, dar um recado, pegar um cavalo arisco, consertar uma fechadura, tapar uma goteira, apanhar lenha, tudo fazia com desembaraço e boa vontade.
Era bom, e todos gostavam dele, principalmente os humildes.
Um dia, como um escravo chorasse de dor de dente, disse-lhe:
— Deixe estar que eu lhe tiro esse malvado.
Dito e feito. Tirou-lhe o dente com uma habilidade grande.
Dente aqui, dente ali, acabou por aprender melhor a arte do que o dentista da terra, e, por isso, dentro de pouco tempo, todo o mundo passou a chama-lo Tiradentes.

III

Naquele tempo não havia escolas superiores em nosso país, a não ser para formar sacerdotes, e o pequeno Joaquim José, que não queria ser padre, resolveu aprender por si as coisas que queria.
Observou como os dentistas trabalhavam, comprou livros práticos e fez-se dentista.
O seu padrinho era médico. Pois bem. Joaquim José desandou a freqüentar a casa do padrinho, lendo os livros dele, discutindo com ele e, dentro em pouco, estava curando tão bem quanto ele.
— Compadre Domingos, dizia o médico, que se chamava Sebastião Ferreira Leitão — o meu afilhado vai longe. O diabo do pequeno adivinha coisas que eu não sei.
— Tem razão, Doutor — respondeu-lhe, certa vez Domingos. Ele merecia bem seguir uma carreira, mas não posso dispensa-lo. Ele é a alma da fazenda. Entende de mineração, trabalha na carpintaria, faz-se de ferreiro, amansa cavalo bravo. Não podemos passar sem ele. Os próprios escravos o adoram, porque cuida deles com carinho. Por causa dele, os meus escravos nunca são castigados. E os seus irmãos pequeninos? Ele lhes serve de mão, pois substitui a mãe que Deus levou...

IV

Joaquim José perdeu a mãe aos nove anos e o pai aos quinze. Que havia de fazer? precisava de agenciar a sua vida e não gostava de ficar parado. Desejava ver mundo, correr terra, conhecer lugares mais adiantados.
Ficou na fazenda algum tempo, até que o deixasse os irmãos arrumados, mas depois, juntando uns cobres, comprou uma tropa de animais e resolveu fazer transportes e negociar.
Levaria produtos de sua terra para outros lugares, principalmente Vila Rica e Rio de Janeiro, e, assim viajaria e ganharia dinheiro.
Dessa maneira, correu e percorreu a nossa terra, palmo a palmo, levando e trazendo coisas, notícias informações.
Conversou com os lavradores, mineradores, negociantes, operários de todos os ofícios que encontrava na sua caminhada, e, como fosse inteligente, aprendeu muitas coisas.

V

Um belo dia, chegava ele a Minas Novas, no caminho da Bahia.
Imaginem vocês em que se meteu ele! Um patrão castigava estupidamente um escravo, e ele, compadecido, lhe pediu que não o fizesse.
Palavra puxa palavra, o moço Tiradentes, que tinha uns vinte anos, deitou o braço no patrão, em defesa de um pobre negro que não conhecia.
Tiradentes foi preso e acabou perdendo a sua tropa com as despesas da justiça.
Ele era em moço o que fora quando criança: bom e bravo. Não tolerava a ruindade, amparava os fracos e não tinha medo de nada nem de ninguém.

VI

Pobre, tendo perdido tudo, que havia de fazer?
— Vou fazer carreira militar — disse ele. Assento praça e continuo a correr mundo. Para isso não é preciso dinheiro.
De fato, assentou praça e chegou a Alferes.
Todas as vezes que aparecia um caso perigoso, que exigia bravura, esperteza e honestidade, já se sabia: Tiradentes era chamado para o barulho.
Nas horas vagas continuava a estudar a sua odontologia, a sua medicina, o seu direito, lendo e acudindo as pessoas. Além disso, mineirava, plantava, fazia negócios.

VII

Por esse tempo, o Brasil, e principalmente Minas, cruzava uma hora difícil. A extração de ouro caíra muito, e o governo português atormentava o povo, aumentando os impostos, impedindo-o de criar indústrias, não o deixando desenvolver-se. Ele próprio, Tiradentes, parara na sua carreira, apesar de seu esforço, e os protegidos iam passando por cima dele.
O povo mineiro não suportava mais.
Escutando o clamor de seu povo, Joaquim resolveu fazer o que fez em Minas Novas: o povo brasileiro era um outro escravo negro que o patrão impiedoso martirizava brutalmente.

VIII

Então, Joaquim José começou a trabalhar para livrar o Brasil. Procurou os militares, os advogados, os sacerdotes, os capitalistas, todos quantos podiam compreender a dureza daquela vida. Em Vila Rica, em Mariana, em Barbacena, em São João d’El-Rei, no Rio de Janeiro, ia abrindo os olhos dos brasileiros para que se revoltassem.
O Brasil era uma terra fértil e rica: podia viver por si. Os brasileiros era inteligentes e trabalhadores: deviam governar-se por si.
Vocês sabem o que aconteceu?
Dentro de pouco tempo, o governo soube do que se passava, prendeu os que conspiravam, e vocês sabem o resto — Tiradentes foi enforcado.
Pensam vocês que ele se acovardou? Nada. Disse toda a verdade na cara de seus juízes, contando porque os brasileiros se haviam revoltado e chamou para si toda a responsabilidade da conspiração. Ele foi a melhor testemunha contra si próprio.

IX

Vejam vocês, como a vida desse homem é bonita e como a sua alma foi igual: em Minas Novas, aos vinte anos, deitou o braço num patrão de escravos que martirizava um pobre preto, e foi preso, perdendo todos os seus bens; em Vila Rica, quando tinha quarenta anos, não se conformou com o sofrimento de seu povo, revoltou-se e perdeu a vida.
Vocês acham por acaso que o patrão de escravos de Minas Novas continuou a espancar os seus escravos como vinha fazendo, depois da surra que o moço Tiradentes lhe deu? Pensam vocês que o governo português continuou a dar o mesmo tratamento que vinha dando aos brasileiros, depois da Inconfidência? Não pensem assim. Garanto a vocês que o patrão de escravos se lembrou da pancadaria que levou, todas às vezes que teve de levantar o braço contra um escravo. Por sua vez, é certo que o governo português, a partir da Inconfidência, começou a tratar o Brasil de maneira melhor e mais humana.
E sabem o que mais?
O povo brasileiro começou a sentir que era preciso lutar para ornar independente este grande país que é a nossa pátria.
E os brasileiros tornaram o Brasil independente.
E sabem o que mais? O povo brasileiro ainda não está inteiramente independente.
Só pelo trabalho, só pelo desenvolvimento da indústria, da agricultura, do comércio, só pela valorização do homem brasileiro, é que nosso povo acabará de fazer a independência do Brasil.
Todos nós precisamos de aprender a lição de Tiradentes: trabalhar pelo Brasil, e, se for preciso morrer pelo Brasil.


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