terça-feira, 6 de maio de 2014

MERECE SER LEMBRADO III -- RUMPLETISTEQUIM


RUMPLETISTEQUIM


Era uma vez um moleiro que tinha uma filha formosíssima, inteligente e sagaz. O pai nunca se cansava de elogiá-la a propósito de tudo o que ela sabia.
Um dia, tendo ido ao palácio do rei, declarou mentirosamente que ela era capaz de fiar e transformar em fios de ouro, no pequeno espaço de uma ou duas noites, qualquer monte de palha, embora grande.
Ora, o rei andava muito necessitado de ouro. Quando ouviu tamanha gabolice do moleiro, ordenou-lhe que trouxesse imediatamente a filha à sua presença.
Ao estudar semelhante ordem, o pobre moleiro arrependeu-se do que tinha dito, mas era tarde. Teve de trazer a filha à presença do rei. O rei levou-a a um quarto onde havia grande quantidade de palha amontoada no chão, deu-lhe uma roca de fiar e disse:
— Toda esta palha deverá ser transformada em fios de ouro até amanha de manhã; quando não, mandar-te-ei enforcar.
A infeliz menina sentou-se a um canto e principiou chorando que fazia dó. De repente, porém, a porta do quarto abriu-se e um extravagante anãozinho entrou, cumprimentando a sorrir:
— Bons dias, pequena! Por que estás chorando assim?
— Ai! — respondeu a moça. O rei mandou-me que transformasse toda esta palha em fios de ouro e eu não sei como começar...
— O que é que tu me darás se eu fiar tudo como o rei deseja?
— O meu colarzinho! Dou-te o meu colarzinho que é muito bonito!
O anão aceitou, guardou o colar e, sentando-se no chão, fiou toda a palha que estava no quarto. E a palha ficou transformada em fios de ouro.
Alegrou-se o rei, e grandemente se surpreendeu ao ver aquilo. Mas, ambicioso como era, encerrou a filha do moleiro num quarto maior e mais cheio de palha, dizendo:
— Ou me fias tudo isto em ouro ou te mando enforcar amanhã!
A moça desatou outra vez num grande choro, supondo que jamais poderia escapar à forca, porém, o mesmo anãozinho abriu a porta e perguntou:
— Que me dás se eu fizer o que o rei te mandou fazer?
— Dou-te o meu anel de brilhante!
O anão aceitou e, como da vez primeira, transformou toda aquela palha em fios de ouro.
O rei ficou muitíssimo alegre ao ver tão grande riqueza, mas não se sentiu ainda satisfeito, conduziu a filha do moleiro a outro quarto ainda maior, todo cheio de palha até ao teto, e assim falou:
— Se transformares toda esta palha em fios de ouro casar-me-ei contigo; se não mandar-te-ei enforcar amanhã.
Mal o rei saiu, entrou o anãozinho e perguntou:
— Que me darás tu, se eu te fiar toda esta palha e a transformar em ouro?
— Nada mais possuo que te possa dar, respondeu a moça.
— Então, promete-=me que me darás o teu primeiro filho quando fores rainha.
A moça prometeu, pensando consigo que era grande bobagem isso de ela chegar a ser rainha. E o anãozinho transformou toda a palha em fios de ouro.
O rei veio na manhã do dia seguinte e, vendo que a filha do moleiro tinha dado conta da tarefa, casou-se com ela conforme prometera, porque palavra de rei não volta atrás.
Daí a um ano a rainha teve o seu primeiro filho, e ficou muito alegre, muito alegre, não se lembrando mais da promessa que outrora tinha feito ao anãozinho que t4res vezes a ajudara.
Mas, se ela se esquecera , o anãozinho não. Apareceu um dia no palácio e foi ao quarto da rainha reclamar o seu lindo bebê.
— Você me prometeu. Tem de mo entregar!
Ela, coitada! Ficou feito morta. E tanto chorou, tanto chorou, que o anãozinho, por fim, condoído do seu pranto, disse:
— Dou-te três dias. Se no fim de três dias você adivinhar como eu me chamo, consentirei em que fique com a criança.
A rainha despachou logo mensageiros por todos os reinos da terra e do mar, a fim de procurarem saber todos os nomes do mundo, pois um deles seria certamente o do anãozinho. Eu, que era um desses mensageiro, dirigi-me ao Reino das Montanhas Brancas, montado num cavalo que à noite voava como o vento e de dia como o pensamento.
O anãozinho veio no dia seguinte e eu ainda não tinha chegado de volta. a rainha perguntou-lhe se ele se chamava Timóteo, Benjamim, Jeremias, Nicolau, e todos os nomes de que se lembrava, mas ele, a cada pergunta, respondia apenas, secamente:
— Não. Não é esse o meu nome!
No segundo dia eu ainda não tinha chegado de volta. a rainha perguntou-lhe se ele se chamava Pafúncio, Anastácio, Brederodes e todos os nomes engraçados de que se lembrou. Ele respondia sempre:
— Não. Não é esse o meu nome!
No dia seguinte eu cheguei logo de manha cedo no meu cavalo que de noite andava como o vento e de dia como o pensamento. A rainha logo me mandou chamar e eu, curvando-me numa grande reverência, disse:
— Real Senhora! Ontem de tarde, estando a mil milhões de léguas daqui, no Reino das Montanhas Brancas, já desanimado, depois de dois dias de pesquisas infrutíferas, pois não encontrara até então pessoa alguma que não tivesse nome bastante vulgar, — enxerguei no cimo de um monte chamado o Monte dos Feitiços, uma cabana toda coberta de palha e guardada por duas serpentes voadoras. Aproximei-me devagarinho, para ver, escondido, quem é, que morava ali, quando saiu de dentro dela um anão muito extravagante, que principiou a dançar, batendo as palmas e cantando:
Eu ganharei lindo menino
Lindo menino ganharei;
Pois que ninguém sabe o meu nome
E eu a ninguém nunca direi!

Eu não me chamo Benedito,
Nem Januário, nem Joaquim!
Meu nome é muito mais bonito
Meu nome é Rumpletistequim!

Mal ouviu isto, a rainha pulou de contente e presenteou-me como cavalo em que eu tinha feito a maravilhas viagem, cavalo que ainda hoje possuo e que me leva muitas vezes ao pais encantado dos gênios e das fadas.
— Você chama Benedito?
— Não. Não é esse o meu nome!
— Chama-se Januário?
— Não. Não é esse o meu nome!
— Chama-se Joaquim!
— Não. Não é esse o meu nome!
— Então como se chama você? Será por acaso Rumpletistequim?
O anão ficou furioso!
— Foi algum feiticeiro que te disse o meu nome. Foi! Foi um feiticeiro que te disse o meu nome! Foi! Foi um feiticeiro que te disse o meu nome!
E bateu o pé no chão com tanta força que rompeu o soalho e se afundou para debaixo da terra, cheio de raiva, desesperado, rangendo os dentes.
Depois disso, nunca mais apareceu à rainha.


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