BRANCA DE NEVE
Longe, muito longe
daqui, vivia uma rainha muito bela e boa que, para ser completamente
feliz, só precisava de uma coisa: ter filhos.
Numa tarde fria de
inverno, a rainha bordava num bastidor de ébano, junto de uma
janela. Tempos em tempos, olhava, pela janela aberta, os campos, as
árvores e as montanhas, tudo branco de neve. Distraída, espetou o
dedo, e uma pequenina gota de sangue brotou.
Ah! Quem me dera ter
uma filha tão branca como a neve, cujos cabelos fossem pretos, como
o ébano, e de lábios tão vermelhos como este sangue!
Não tardou muito, e os
desejos da rainha foram satisfeitos. Nasceu-se uma linda menina, como
imaginara. Tinha as faces níveas, cabelos pretos e lábios rubros.
Chamaram-na logo Branca de Neve.
Infelizmente a rainha
morreu poucos dias depois de nascida a menina.
Passada algum tempo, o
rei casou-se com uma mulher de grande beleza, mas muito orgulhosa, e,
dizem, um pouco bruxa e um pouco feiticeira. Costumava fechar-se no
seu quarto, onde nunca ninguém pusera os pés, para perguntar a seu
espelho mágico:
“Dizei-me,
espelhinho, com toda a franqueza:
Quem é, neste mundo,
que tem mais beleza?”
O espelho sempre lhe
respondia da mesma maneira, sem mentir.
“Rainha, sois a bela,
com certeza”
Entretanto, Branca de
Neve crescera. Tornava-se dia a dia mais linda.
Sentando-se a orgulha
rainha, uma noite, diante do espelho mágico, perguntou-lhe, como
costumava fazer:
“Dizei-me,
espelhinho, com toda a franqueza:
Quem é, neste mundo,
que tem mais beleza?”
O espelho, desta vez,
respondeu-lhe:
“Não, não sois a
mais bela, com certeza:
Branca de Neve tem
maior beleza!”
A rainha irou-se ao
extremo, ao ouvir essas palavras de seu espelho, principalmente
porque ele só falava a verdade. Passou a noite atormentada e,
afinal, no dia seguinte, não se contendo de inveja, chamou uma das
aias da menina e disse-lhe:
— Amanhã, ao
amanhecer, vá em companhia de meu fiel escudeiro, Ambrósio, à
Floresta dos Mistérios. Leve com você Branca de Neve. Deixe-a perto
do rio de águas turvas que sai de uma grota de uma das sete
montanhas. Ao beber a água, a menina se transformará numa veadinha,
porque as águas desse rio foram há pouco encantadas pelo
Mágico-Mor.
A aia retirou-se em
prantos, porque sabia que as ordens da rainha só podiam ser
cumpridas, quaisquer que fossem. Levantou-se cedo e foi despertar
Branca de Neve que dormia profundamente num leito macio de rendas e
cambraia. Parou um pouco junto do leito a contempla-la, enquanto
disfarçava as lágrimas.
Voltando-se para a
imagem da Virgem Maria, que estava à cabeceira da mesinha, pediu-lhe
com fervor que acompanhasse os passos da princesinha.
Branca de Neve, sem
desconfiar de tão perversa intenção, vestiu-se alegremente e
partiu para a floresta. A manhã estava bela. A floresta a encantava
com as borboletas que voavam por toda a parte e os passarinhos que
gorjeavam, fazendo um verdadeiro concerto de vozes. Mas os criados da
rainha se distanciavam cada vez mais da água fatídica, desviando-a
para a encosta da montanha, do lado oposto ao rio de águas turvas.
Num certo momento, vendo a menina bem entretida, voltaram, deixando-a
sozinha a brincar com um filhote de coelho.
II
Branca de Neve custou
perceber que ficara abandonada no meio da pavorosa mata. Deitou-se a
correr. Corria sem reparar onde pisava, apavorada com o menor ruído.
Os animais ferozes passavam por ela e afastavam-se, sem lhe fazer
mal. Ia nesta carreira, resolvida a não parar nunca, quando
avistou, já ao escurecer, uma casinha pequenina, muito pequenina.
Branca de Neve estava
cansada, tinha fome, sede e sono. Dirigiu-se para a casinha e espiou
lá dentro, por uma das janelas.
Todos os trastes eram
pequeninos. A mesinha estava posta, sete pratinhos, sete talherzinhos
e sete copinhos, sobre uma toalha muito alva. Branca de Neve comeu um
pouco de cada pratinho, bebeu um pouco de cada copinho e depois, foi
deitar-se numa das caminhas que estavam noutro aposento.
Fez sua oração e
adormeceu logo. Os donos da casinha eram os sete pequeninos mineiros,
os anõezinhos da montanha. Chegaram àquela hora, cada um com sua
lanternazinha acesa. Perceberam, ao entrar, que alguém havia estado
ali. Começaram a correr a casa e deram com Branca de Neve deitada na
caminha de um deles. Reuniram-se todos em torno do leito, onde Branca
de Neve dormia, e, levantando as lanternazinhas contemplavam, com
muda surpresa, a linda menina. Desconfiados dos motivos que a levaram
ali, afastaram-se pé ante pé, sem fazer o menor ruído para não
lhe perturbarem o sono.
III
No dia seguinte, Branca
de Neve, ao despertar, viu os sete anõezinhos, que não conhecia.
Teve medo. Disseram-lhe, porém, que nada receasse e que lhes
contasse sua história.
Branca de Neve
contou-lhes o que lhe havia acontecido, sem desconfiar do motivo por
que a deixaram na floresta. Os anõezinhos, porém, adivinharam tudo,
e disseram-lhe:
— Fique conosco,
Branca de Neve.
— Sim, obrigada,
anõezinhos. Fico, sim. Cuidarei da casinha de vocês, farei a
comida, arranjarei a roupa, tecerei suas meias, e de tudo hei-de
cuidar, muito direitinho.
Os anõezinhos
despediram-se de Branca de Neve e saíram para a montanha.
O dia inteirinho Branca
de Neve passou em arrumações. Preparou a comida, pôs a mesa e, à
noite, quando os anõezinhos chegaram, estava tudo pronto, tudo
arrumadinho, e a comida bem gostosa.
Assim, Branca de Neve
vivia entre os anões.
Mas um dia, a rainha,
lá no seu castelo, pondo-se diante do espelho, interrogou-o:
“Dizei-me espelhinho,
com toda franqueza:
Quem é, neste mundo,
que tem mais beleza?”
O espelho respondeu com
sua voz alta e grossa:
“Aqui, sois vós a
mais bela, com certeza!
Mas longe, nas
montanhas entre os anões,
Branca de Neve está
que tem mais beleza”.
A rainha assustou-se
com essa resposta, e, num momento, planejou mil coisas, para se ver
livre da menina. Desceu as escadarias, entrou em seu gabinete,
fechou-se lá, horas e horas a fio. Quando saiu, levava uma caixa
verde com um conteúdo misterioso.
Entrou nos seus
aposentos, disfarçou-se rapidamente em velha mercadora e partiu a
caminho da casa dos anões. Ao transpor as sete montanhas, avistou,
numa encosta verde, a casinha que procurava, rodeada de árvores
altas.
Apressou o passo e
chegou. Bateu na porta, gritando:
— Querem comprar
objetos bonitos?
Os anõezinhos haviam
proibido a Branca de Neve de abrir a porta a quem quer que fosse pois
tinham certeza de a rainha cruel vir persegui-la.
— Veja esta cadeia de
ouro e esta pulseira! — disse a pérfida mercador, metendo a cabeça
pela janela da sala, onde Branca de Neve tecia um pé de meia.
— Veja este formoso
colar! Quer Experimenta-lo?
Sem esperar a resposta,
a mercadora jogou sobre Branca de Neve o conteúdo da caixinha verde,
um pó mágico, que tinha o poder de transformar a menina em um
pássaro cantor.
Branca de Neve
levantou-se bruscamente: ainda assim, foi atingida por um pouco de
pó.
Estremeceu e caiu.
A rainha retirou-se na
mata.
Um pássaro, batendo as
asas, cantou triste e sonoramente.
Supondo que fosse o
efeito de sua magia que transformara Branca de Neve naquele pássaro
que cantava, enchendo a mata de sons maviosos, a rainha respirou
aliviada.
IV
A tarde caía.
Os anõezinhos não
tardaram a chegar. Encontraram a casa fechada, escura e silenciosa.
Arrombaram a porta e deram com Branca de Neve caída debaixo da
janela.
Como soubessem o
segredo da bruxaria, e percebendo o pó amarelado espalhado no chão,
desconfiaram do que podia ser e fizeram Branca de Neve engolir
algumas gotas de licor. Lentamente, Branca de Neve foi retornando à
vida, mas pouco se lembrou do acontecido, para contar aos anõezinhos.
— Fique certa de que
esta mercadora não é outra pessoa, senão a sua inimiga, a pérfida
rainha. Tome cuidado! Ela é terrível feiticeira!
Era noite profunda,
quando a rainha chegou ao palácio.
Entrou nos seus
aposentos e, antes mesmo de tirar os disfarces de mercadora,
sentou-se em frente ao espelho e perguntou-lhe:
“Dizei-me espelhinho,
com toda a franqueza:
Quem é, neste mundo,
que tem mais beleza?”
O espelho respondeu-lhe
com uma voz pausada e grossa:
“Aqui vós sois a
mais bela, com certeza!
Mas longe, longe, na
casa dos anões,
Branca de Neve está
que tem mais beleza!”
A rainha estremeceu de
raiva. Não! Não era possível!
— Ah! Sei muitas
outras coisas de que ninguém sabe. Hão-de ver! disse ela. Desceu
rapidamente as escadas, abriu seu gabinete e, remexendo nos seus
guardados de bruxa e feiticeira, tirou de lá uma maçã de
prodigioso poder. Por fim, disfarçou-se o mais que pôde, e, tomando
uma cesta e um bastão, partiu a caminho da casinha dos anões, sem
mesmo temer a noite com seus pavores.
A manhã surgia, quando
a rainha transpôs as sete montanhas. Desceu a encosta e avistou os
anõezinhos que se sumiam à distância, cantando alegres, no seu
caminho para a mina.
A rainha-bruxa correu e
bateu na porta da casinha dos anões, perguntando:
— Frutas! Quem compra
frutas?
— Não! Não
compramos frutas! Respondeu Branca de Neve, lá de dentro!
— Oh! Maçãs
vermelhas como os lábios da menina! Compre uma! Uma só.
— Não! Não tenho
dinheiro!
— Não é preciso,
menina! Vejo que você não tem mesmo dinheiro para compra-las! Não
faz mal! Deixo-lhe um a aqui na janela. De outra vez, ficará
freguesa!
Com passos trôpegos,
partiu a rainha-bruxa, deixando, na janela, a maçã.
Branca de Neve que
gostava muito de maçãs, disse:
— Oh! Tão bonita! Há
quanto tempo não vejo uma maçã como esta!
Dizendo isto, Branca de
Neve deu uma dentada na maçã e, na mesma hora, caiu desmaiada.
Ao chegar a casa, a
malvada rainha correu para o espelho, e perguntou-lhe aflita:
“Dizei-me,
espelhinho, com toda a presteza:
Quem é, neste mundo,
que tem mais beleza?”
O espelho, afinal,
respondeu-lhe:
“Rainha, sois a mais
bela, com certeza!”
A rainha deu uma
gargalhada que ressoou pelos corredores do palácio.
Ah! Até que enfim!
Àquela hora os
anõezinhos voltavam da mina.
Escurecia. De longe,
perceberam a casinha escura. Apressaram os passos e chegaram logo.
Bateram na porta e, não obtendo resposta, arrombaram-na. Branca de
Neve estava estendida no chão, desmaiada.
Ficaram desconsolados.
Trouxeram-lhe o licor mágico e outras drogas contra as piores
feitiçarias. Tudo em vão. Branca de Neve continuava fria e
inanimada.
Bem sabiam. Devia ser o
efeito da maçã dos sete males. Tanto pior! Onde encontrar o Elixir
Maravilhoso, que era o único recurso contra tal feitiçaria? Que
fazer?
Branca de Neve,
estendida na cama, parecia dormir. Choravam-na os anõezinhos, seus
amigos, os passarinhos, os coelhinhos e veadinhos da floresta.
Choraram-na dias e dias seus amigos. e a natureza chorava-a com
lágrimas de neve, que cobriram as montanhas, as árvores e deixaram
tudo branco como se estivesse estendendo um véu sobre todos os
arredores da casinha.
Os anões,
inconsoláveis, mandaram fazer um esquife de cristal, onde colocaram
e no qual fizeram inscrever as seguintes palavras:
“Aqui dorme uma
princesa real, que só será despertada pelo Elixir Maravilhoso
contra os sete males.”
O esquife foi colocado
na gruta das sete montanhas, e os anões o vigiavam, dia e noite, ora
uns ora outros.
V
Passaram-se meses.
Passaram-se anos. Branca de Neve permanecia linda, com as faces muito
brancas e os lábios rubros. Os anõezinhos pediram a todos os
anõezinhos da terra que descobrissem o Elixir Maravilhoso, contra os
sete males, o único meio de fazer Branca de Neve retornar à vida.
Mas nada!
Um dia, porém, o filho
de um rei rico e poderoso perdeu-se numa caçada. Andando aqui e ali,
foi dar à gruta de uma das sete montanhas. Entrou. Deu com o esquife
e ficou maravilhado com a beleza de Branca de Neve. Ficou sabendo,
pelos anõezinhos, a história de sua vida. O príncipe disse aos
anõezinhos:
— Tenho na corte um
bruxo que de lá não sai, mas possui toda sorte de drogas mágicas.
Levemos Branca de Neve até lá e experimentemos uma por uma daquelas
drogas. Quem sabe se não encontraremos com ele o elixir contra os
sete males?
Os anõezinhos,
animados com esta idéia, resolveram levar o esquife de Branca de
Neve ao palácio do rei, pai do jovem príncipe.
Fez-se o cortejo. Os
anõezinhos puseram-se na frente com suas lanterninhas. No meio, ia o
esquife, conduzido por guardas do príncipe e, atrás, seguia o
príncipe, rodeado de sua matilha de cães de caça.
Caminharam, caminharam.
Não havia ainda transposto as sete montanhas, quando um guarda
tropeçou numa raiz. Com o choque, o esquife sacudiu-se, e o pedaço
de maçã dos sete males, que ficara preso na garganta de Branca de
Neve, saltou.
Imediatamente Branca de
Neve abriu os olhos.
— Oh! Meu Deus! Onde
estou eu?! — disse ela.
Todos se acercaram do
esquife de Branca de Neve.
Vendo os anõezinhos
sorrindo de satisfação, Branca de Neve tranqüilizou-se. O
príncipe, encantado com a beleza e a doçura da princesa, disse-lhe:
— Estamos a caminho
do palácio de meu pai! Agora, vai deixar a casinha dos anões, para
ser a esposa do príncipe herdeiro do mais rico reino da terra.
Branca de Neve ficou
sabendo, então, o que se passara. Voltaram à casa dos anõezinhos,
enquanto esperavam a carruagem, para conduzi-los ao palácio.
O casamento foi marcado
poucos dias depois, para que os anõezinhos a ele pudessem assistir.
Naquela hora, naquela
mesmíssima hora, a rainha cruel, pondo-se em frente do espelho,
perguntava-lhe:
“Dizei-me,
espelhinho, quem tem mais beleza?”
E o espelho
respondia-lhe:
“Aqui vós sois a
mais bela, com certeza!
Mas a noiva do príncipe
do reino vizinho possui mais beleza!”
A rainha não
compreendera bem as palavras do seu espelho. Ainda preocupada com o
que acabara de ouvir, recebeu uma mensagem do Rei Augusto, do reino
vizinho, que a convidava para os festejos de casamento de seu filho,
o Príncipe Rolando.
Afinal, ia conhecer
aquela que era a mais linda da Terra.
A rainha vestiu-se
maravilhosamente e partiu com sua comitiva.
Ao entrar no salão,
preparado para as festas do casamento, reconheceu a noiva — Branca
de Neve — riquissimamente vestida e ostentando na cabeça a coroa
deslumbrante de rainha. Olhou-a: Branca de Neve estava bela, estava
muito bela!
A rainha cruel
quedou-se um momento a contempla-la. A fisionomia de Branca de Neve
era serena e doce como a dos anjos.
Branca de Neve viu-a,
reconheceu-a e sorriu-lhe. Já havia perdoado à rainha todos os
males sofridos.
Entretanto, a rainha
sentiu-se nesta hora tão mesquinha, tão má que, pela primeira vez
em sua vida, sentiu lágrimas nos olhos e chorou.
Aproximou-se, depois,
de Branca de Neve, com os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar,
e disse-lhe docemente:
— Perdoe-me, Branca
de Neve, sim?
— Oh! Já lhe
perdoei! — disse Branca de Neve.
E, tirando do seu
pescoço um riquíssimo colar de pérolas, colocou-o no pescoço da
rainha, sua madrasta. Esta, comovida, tirou sua pulseira de
brilhantes e colocou-as em Branca de Neve, abraçando-a ternamente.
Desceu as escadas.
Tomou sua carruagem e voltou sozinha para o seu palácio.
Dizem que nunca mais
saiu e se tornou boa, boa, muito boa.
Por sua vez, Branca de
Neve viveu muitos anos muito feliz. Nunca deixou de estimar os seus
anõezinhos que a haviam aconselhado e protegido na hora da desgraça,
e que continuavam a aconselha-la e a protege-la na hora da
felicidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário