terça-feira, 6 de maio de 2014

MERECE SER LEMBRADO III -- O ANÃOZINHO TORTO


O ANÃOZINHO TORTO

Havia numa aldeia um pedreiro e um carpinteiro, ambos capazes e trabalhadores, mas ambos sem sorte, absolutamente sem sorte. Experimentavam, par viver, as mais sérias dificuldades. E se já a sua vida era bem dura e difícil, imaginem com não ficou quando apareceu na aldeia uma porção de gente de fora que vinha procurar emprego. Lá, como em toda parte, reinava o preconceito de que tudo o que é de fora é melhor... Às vezes não é, mas a maioria do povo pensa sempre que é. Todos começaram a preferir os recém-chegados. E os dois pobres homens ficaram sem o pouco trabalho que tinham.
Certo dia ambos se encontraram e decidiram ir tentar a sorte em qualquer outro lugar, a ver se longe dali conseguiriam ser mais felizes do que na sua terra natal.
Como eram muito bons amigos, resolveram fazer juntos a viagem. Haviam se casado recentemente. Antes de partir o pedreiro falou assim ao carpinteiro:
— Camarada! Que diria você se jurássemos um ao outro casar um dia nossos filhos se acaso nossas mulheres nos dessem, uma um filho e a outra uma filha? Poderíamos até assinar um contrato para segurança do acordo. Que tal?
— Muito bem! Está certo! — respondeu o amigo.
Assim pensaram, assim fizeram, e o contrato foi assinado. Começaram então a preparar-se para a viagem. As esposas choraram e lastimaram-se, não obstante todo o mundo lhes afiançar que os maridos voltariam breve e que, a partir de então, a sua vida iria ser muito melhor do que dantes.
Foram embora o pedreiro e o carpinteiro.
Pouco tempo depois a mulher do carpinteiro teve uma menina de beleza rara.. seu cabelo era negro como a asa do corvo e os seus olhos escuros como a noite. A mãe vivia alegre, e enlevava-se, cheia de orgulho, na formosura de Dodina, seu lindo e pequenino botão de rosa.
A mulher do pedreiro pôs no mundo qualquer coisa que dificilmente se poderia chamar um menino, — tão pequeno e mal conformado era ele. Ficou desolada e quase aterrada ante aquele pedacinho de gente, a que as impiedosas vizinhas da localidade puzeram desde logo a alcunha de Anãozinho Torto.
Todavia, embrulhou-o cuidadosamente no forro de um paletó e colocou-o em cima do forno. Ali ficou ele até a chegada do verão.
A notícia de tal nascimento correu mundo, mas ninguém se animava a comenta-la. O Anãozinho Torto não era uma criança como as outras: havia nele qualquer coisa de sobrenatural, fantástico! Pode-se mesmo dizer que era enfeitiçado, pois muito cedo começou a falar como uma pessoa grande, e parecia saber tudo, mas tudo mesmo: o presente, o passado e o futuro. Muitas vezes predisse coisas que depois aconteceram.
Bastante tempo havia já percorrido, quando, numa tarde de inverno, com idade de 18 anos ais ou menos, o Anãozinho Torto se virou para sua mãe e teve estas palavras:
— Mamãe! Vá dizer à sua amiga que o marido dela está prestes a chegar. E fique a senhora também alegre, porque meu pai vem com ele.
A boa mulher correu à casa da amiga, e fizeram ambas os preparativos para a recepção de seus maridos.
Uma estava radiante, por ter um tesouro de menina a apresentar; outra, morta de tristeza, pensava no seu pobre Anãozinho Torto.
Mas, que fazer?
Como o Anãozinho havia predito, os dois homens chegaram no dia seguinte e foram cada um para sua casa.
Ao ver a linda filha que vinha correndo ao seu encontro, o carpinteiro não coube em si de contente. Abraçou-a, afagou-a, beijou-a, e considerou sem limites a sua felicidade.
Não aconteceu o mesmo em casa do pedreiro.
— Então, mulher! Que tens para me contar? — perguntou ele, chegando.
— Boas notícias, marido! E más notícias.
— Más notícias? Que há?
— Há um menino...
— E a isso chamas tu más notícias? Terá ele morrido? Estará doente?
— Oh, não! Mas seria talvez preferível vê-lo morto do que vê-lo como é.
— Que é dele? Chama-o!
— Não é preciso que eu o chame. Anda comigo.
E levando o marido perto do forno, mostrou-lhe o que ali estava embrulhado num forro de paletó.
Ao ver tão defeituosa criaturinha o pedreiro ficou petrificado de horror. Conseguiu, entretanto, recuperar a calma. E assim como o Anãozinho Torto se tinha tornado querido à sua mãe, assim o pedreiro, à medida que as semanas tranquilamente decorriam, se foi acostumando a ele e ganhando-lhe afeição.
Surpreendia-o, sobretudo, a sua grande inteligência e vivacidade. Passava horas a fio a escuta-lo, espantado de tanta sabedoria e bom-senso.
Decorridos três meses e um dia, o Anãozinho procurou o pai e disse:
— Chegou o momento de eu me casar. O senhor não se lembra do contrato que fez com o seu amigo carpinteiro? Vá exigir-lhe o cumprimento da palavra que empenhou ao prometer que me daria uma a filha em casamento.
O pedreiro ficou abismado! Não caiu das nuvens, porque não estava no ar; mas caiu da cadeira onde estava sentado e fez um galo enorme na cabeça. Quase perdeu os sentidos!
Pedir em casamento a filha do carpinteiro? Ele já sabia, de antemão, a resposta que lhe ia ser dada... Mas, como o Anãozinho Torto insistisse, não teve outro remédio senão ir procurar o amigo. Mal este o viu, perguntou-lhe, cumprimentando-o:
— Que ventos o trazem por aqui?
— Bons ventos! — respondeu o pedreiro.
— Assim seja! então, de que é que se trata?
— Aposto que não advinha!
— Vem convidar-me para outra viagem...
— Nada disso. venho falar-lhe do contrato que fizemos de casar um dia a filha e o filho que, porventura, as nossas mulheres nos dessem.
— Sim; é verdade que fizemos um contrato. Mas como ousa você pedir a mão de minha filha, a mais bela menina da terra, para aquele pobre aleijãozinho miserável? Se o seu filho fosse uma criatura humana semelhante às outras, eu com muito prazer concordaria. Mas tal qual é, camarada! Não sei como você se atreve a falar-me em casamento...
— Tudo isso pode ser muito razoável, mas um contrato é um contrato e não previmos o caso de um dos nossos filhos ser anão. Ele é anão, é torto, é o que você quiser, mas é meu filho. Logo, temos que manter o acordo.
Ao ouvir isto, o carpinteiro ficou furioso, brigou com o amigo e pô-lo para fora de casa, ameaçando-o de lhe chamar nomes feios se ele ousasse acaso repetir tão absurda proposta.
O pedreiro foi-se embora envergonhado e louco de raiva. Quando o Anãozinho Torto lhe perguntou o que tinha acontecido (perguntou por perguntar, pois bem sabia como as coisas se haviam passado) o pai respondeu que o carpinteiro o maltratara e o pusera no olho da rua. O Anãozinho Torto consolou-o:
— Não se esteja afligido. Ele será obrigado a ceder. O que se combina e contrata deve ser cumprido. O que o senhor tem que fazer é ir ao rei, apresentar a sua queixa e pedir justiça.
No dia seguinte o pedreiro compareceu diante do rei, que se encontrava justamente num salão do palácio distribuindo justiça ao povo. Logo que viu o pedreiro, perguntou-lhe o que desejava. Ele expôs o seu caso, e o rei, imediatamente, mandou buscar o carpinteiro.
— Você assinou o contrato? — indagou o monarca.
— Sim, Majestade! — respondeu o carpinteiro.
— É sua esta assinatura?
— Sim, Majestade!
— Por que motivo então não a honra você e não cumpre o combinado?
— É porque...
E começou a contar longamente toda a história, mas o rei, zangando-se, virou-se para ele furioso e exclamou:
— Basta! Você fez um contrato, tem de cumpri-lo! E se se atreve a desobedecer-me, a sua cabeça rolará onde neste momento se encontram seus pés!
O infeliz ficou a tremer diante do rei. Por fim retirou-se vexado, mortalmente triste, e foi arranjar tudo para o casamento, que se realizou a sete dias.
O Anãozinho Torto levou a sua deslumbrante noiva para uma casa que havia construído do lado externo da aldeia. Era uma cabana em ruínas. A pobre rapariga sentiu o coração trespassado de dor e os olhos rasos de pranto ao lembrar-se da vida miserável que ia levar daí em diante por culpa de seu pai. Porém, como boa filha, era forçoso resignar-se... e resignou-se.
Entraram na choupana. Mal, porém, lhe havia transposto o limiar, pensou a moça que a tinham enfeitiçado! Encontrou-se dentro de um castelo maravilhoso, lindamente ornamentado de ouro, jóias, ricos tapetes, mesas magníficas, móveis riquíssimos, — um palácio, enfim, provido dos máximos requisitos de conforto do mundo. Tudo isso era devido ao fato se ser o Anãozinho Torto um ente encantado.
Assim, — quem poderá descrever o júbilo da pequena quando o Anãozinho, depois de dar três cambalhotas, se transformou diante dela no mais gracioso e mais esbelto moço que já tinham seus olhos contemplado? Ficou radiante!
— Muito bem! — disse-lhe o jovem. Como você veio de boa vontade casar-se com o Anãozinho Torto, o feitiço que me foi lançado quando eu nasci vai terminar em breve. Devo, porém, conservar ainda aquela aparência de aleijado durante trinta dias, enquanto estiver fora de casa. O meu verdadeiro nome é Belo-Encanto. Recomendo-lhe toda discrição, todo cuidado. Não revele seja a quem for o segredo do meu feitiço, pois do contrário você me perderá e talvez não me encontre mais.
A menina prometeu todo sigilo. Por coisa alguma do mundo queria ela perder o seu galante noivo!
Mas mulheres são mulheres... criaturas de saias compridas e línguas do tamanho das saias.
Quando a mãe de Dodina a viu tão feliz, não pôde compreender o que se passava com ela. Pressentiu em tudo aquilo um mistério, e assediou-a com perguntas a ver se o descobria. Usou de ameaças, de carinhos, de rogos, de promessas, mas tudo, tudo em vão.
Assim se passaram vinte e nove dias, em que a moça resistiu valentemente às investidas da mãe. Quando, entretanto, o vigésimo nono dia estava para acabar, ela pensou: “Ora! Falta muito pouco para que o encanto se quebre, e certamente não haverá mal algum em eu contar a minha mãe o segredo de meu marido”. E contou.
Porém, não tinha ainda acabado de falar, quando o Anãozinho Torto surgiu na sua frente com uma bolsa na mão, e disse:
— Infeliz tresloucada! Você acaba neste momento de arruinar a sua própria vida, e a minha também. Estou perdido para você e você está perdida para mim! Devo agora ir para um lugar onde nunca lhe será possível encontrar-me, nunca! Vou partir. Deixo-lhe esta bolsa com dinheiro. É encantada: não se esvaziará. Assim, você jamais passará necessidade e poderá comprar tudo o que deseje.
E dita estas palavras o Anãozinho Torto desapareceu transformado em pombo.
Em vão Dodinha gritou e se afligiu e se desfez em pranto, lamentando a sua deplorável fraqueza. Era tarde. O Anãozinho Torto tinha-se ido embora e ela não sabia onde poderia encontrá-lo.
Deixemo-la entregue às suas lamentações.
Passados alguns anos, dois mendigos, — um coxo e outro cego, caminhavam certo dia juntos à beira-mar. já tinha andado tanto que os seus pés vertiam sangue, e estavam com muita, muita fome. O cego tirou do bolso um dura côdea de pão que lá encontrou por acaso, e começou a roê-la. Ora, aconteceu que o outro, sem querer, lhe bateu o cotovelo, e o pedaço de pão caiu dentro d’água.
Ouvindo o baque do pão na água — pluft! — o cego, desolado por ficar sem nada que comer, disse ao seu companheiro coxo:
— Vamos quanto antes apanhar a minha côdea, que deve de estar boiando.
E à procura dela foram andando, foram andando, e meteram-se a nadar pelo mar a dentro, o coxo na frente e o cego atrás. Enquanto nadavam, todavia, a côdea foi-se cada vez mais se enchendo d’água e, com o peso acabou afundando. Gritou, então, o coxo para o cego:
— Vamos embora! O pão afundou!
Enfurecido, o cego voltou-se para o companheiro, acusou-o de ter jogado fora o seu querido pãozinho, e começaram os dois a brigar. Palavra puxa palavra, a discussão aqueceu, e lá vai murro!
Assim, lutando dentro d’água, não se apercebiam de que a correnteza os levava, quando o coxo teve a impressão de que estava ficando cego. Uma claridade fortíssima batia em cheio nos seus olhos. Era o sol, cujos raios se refletiam nas paredes de um soberbo e cintilante palácio e lhe feriam atrozmente os olhos, de tal forma que ele teve de os encobrir com as mãos. Deslumbrado e surpreso, disse, então, ao cego:
— Vejo além de qualquer coisa de tão lindo como nunca imaginei na vida. deve ser ou um palácio de rei ou um palácio de fadas. Vamos até lá sem medo. Nada temos a perder e estamos mortos de fome. Talvez achemos alguma coisa para comer.
— Tem razão, replicou o cego. Nada há perder. Avancemos.
Continuaram, pois, a mar a dentro, e chegaram, enfim, ao palácio. Era todo feito de ouro e prata. Quando se aproximaram, viram que as portas estavam abertas. Muito de mansinho arrastaram-se até ao interior. Não encontraram ninguém. Os homens perderam a fala! O cego, está claro, não podia ver, mas o coxo tinha boca aberta de espanto.
Atravessando salas e salas, chegaram, afinal, a uma onde encontraram mesa posta para doze pessoas. Dentro dos pratos, porém, não havia comida.
— Vejo aqui uma linda mesa preparada para doze convivas, — conseguiu finalmente dizer o coxo — mas que utilidade tem ela para nós, se todos os pratos estão vazios? Eis-nos mortos de fome! Seria tão, bom, se encontrássemos alguma comida nestes pratos...
No mesmo instante as mais saborosas iguarias apareceram em cima da mesa, e os dois homens não esperaram convite para servir-se. Caindo sôfregos sobre os alimentos, comeram e beberam tão furiosamente como onças esfaimadas. Dir-se-ia que acabavam de passar um ano em jejum.
Quando terminaram, ouviram um ruído estranho e correram a esconder-se debaixo de uma cama que havia no aposento. Súbito escutou-se um bater de asas, e onze pombos entraram pela janela. Deram três cambalhotas, e onze belos jovens surgiram, que se sentaram à mesa novamente repleta de iguarias finíssimas. Enquanto comiam, um dos convivas perguntou:
— Onde está Belo-Encanto?
Outro respondeu:
— Encontra-se em caminho. Feriu-se na asa, mas dentro em breve estará aqui.
Logo depois o décimo segundo pombo entrou voando pela janela e, dando três cambalhotas, transformou-se também num lindo mancebo. Tomou lugar na mesa, mas apenas tocava nos alimentos. Pensava na sua esposa, enquanto as lágrimas lhe corriam pelas faces. E murmurava como que para si mesmo, porém, com voz bastante alta para ser ouvido pelos dois mendigos em baixo da cama:
— Que saudades! Que saudades da minha amada mulherzinha! Como eu desejaria que ela pudesse achar o caminho para vir aqui, e nos surpreendesse sob a nossa forma humana. Quebrar-se-ia o encanto sobre nós todos por aquele maldito feiticeiro que há três anos morreu.
Acabada a refeição, os jovens transformaram-se em pombos, voaram para fora e Belo-Encanto com eles.
Os dois mendigos saíram então do seu esconderijo, apanharam e puseram nos sacos toda a comida que havia ficado em cima da mesa, e deixaram o palácio por outro portão diferente daquele por onde haviam entrado. Dentro em pouco acharam-se na estrada real.
Tinham agora consigo alimento bastante para algumas semanas.
Foram andando, foram andando, foram andando, até que chegaram a uma praça onde vira densa multidão em torno de um suntuoso edifício. Notaram que cada pessoa esperava a sua vez. Curiosos de saber o que isso significava, indagaram de um dos homens que lá estava e que parecia superintendente, a razão daquilo que viam.
— Esta casa, — disse-lhe ele — pertence a uma senhora muito bondosa que dá comida, vestuários novos e alojamento por um dia, a todos os viandantes que a procuram. Quem quer que chegue toma primeiro um banho, veste depois belas roupas que recebe de presente, come bem e dorme uma noite, mas com uma condição: a de contar uma história à dona da casa.
Conscientes do seu estado de imundície e tendo as roupas todas rasgadas, entram os nossos heróis avidamente em casa da boa senhora, onde logo tiveram um banho perfumado, depois do qual dificilmente se puderam reconhecer nos elegantes trajes que lhes foram oferecidos. Seguiram os dois juntos, pois que jamais se separavam, — não podendo o cego ir sem o coxo, nem querendo o coxo ir sem o cego.
Compareceram diante da caridosa dama, que amavelmente lhes perguntou se podiam contar-lhe uma história.
— Certamente, senhora! Disse o coxo, em nossa longa e penosa vida de pedintes, ouvimos muitas histórias de gigantes e de fadas, porém, no momento, não me lembro de nenhuma.
— Nem eu, — fez o cego.
— Se não se lembram de nenhuma história, replico a dama, não podem ao menos contar-me uma das suas aventuras?
Ao ouvirem falar em aventuras, lembraram-se os dois do maravilhoso palácio à beira-mar, dos doze pombos, da mesa mágica bem provida, e, referindo então tudo o que lhes acontecera, contaram que um dos pombos, a quem os outros chamavam Belo-Encanto, suspirava e chorava pela esposa, dizendo ser ela a única pessoa que podia quebrar o feitiço deles todos, se acaso os surpreendessem em forma humana.
Quando escutou falar em Belo-Encanto, a dona da casa quase pulou em cima da cadeira. Tremendo dos pés à cabeça, mal podia crer nos seus ouvidos. Pediu, portanto, aos mendigos, que lhe repetissem a aventura, e eles a fizeram, admirados de tão estranha excitação.
Terminada a história, disse-lhes ela:
— Sabem vocês o caminho para esse tal palácio, e podem conduzir-me até lá? Se isso fizerem, nunca mais terão necessidades na vida. eu lhes darei de bom grado tudo o que desejarem.
— Certamente que sabemos o caminho! Os mendigos sempre se lembram dos lugares que atravessam.
Ela aprontou-se num abrir e fechar de olhos, e começaram os três a viagem. Conduzida pelos mendigos, a misteriosa criatura que outra não era senão Dodina, chegaram sem dificuldade ao lugar desejado em menos tempo do que tinham gasto os dois homens na ida, porquanto viajavam agora de maneira bem diferente.
Uma vez lá, ela entrou sozinha no palácio e escondeu-se debaixo da cama, no aposento em que estava a mesa para os doze pombos que deviam vir.
A espera não foi longa. Ao extinguir-se no ar a duodécima badalada do meio-dia, ouviu-se ao longe um ruflar de asas, e em breve doze pombos chegaram, um atrás do outro. O último era Belo-Encanto. Deram as três cambalhotas de sempre, viraram-se em jovens e sentaram-se à mesa. Quando outra vez Belo-Encanto gemeu: “Oh! Como eu desejaria minha esposa aqui para quebrar nosso fadário!” Dodina, que esperava ansiosa por esse momento, saiu correndo de debaixo da cama e, atirando-se ao marido, apertou-o em seus braços e beijou-o.
Ao ver o que se passava, os outros onze pularam de satisfação. É que estava quebrado o encanto que lhes lançara outrora um perverso feiticeiro, inimigo mortal do Imperador seu pai. Uma fada, madrinha do príncipe mais velho, pudera há alguns anos matar esse feiticeiro, mas não conseguira desencanta-los a eles. Fora ela que invisivelmente conduzira os dois mendigos, através do mas, ao palácio onde habitavam os doze e onde lhes fazia aparecer as melhores iguarias do mundo, batendo apenas no ar com a sua varinha de condão.
Belo-Encanto (fiquem os meninos sabendo) não era filho de pedreiro, como todos julgavam, mas de um grande, poderoso imperador. Como o verdadeiro filho do pobre homem nascera morto, o bruxo malvado arrebatara-o logo, sem ninguém ver, e pusera Belo-Encanto em seu lugar, deformado e horrível. Felizmente que a boa fada nunca deixou de velar por ele, que era o caçula, e por todos os outros irmãos.
Libertos agora par sempre, os onze príncipes despediram-se do irmão e de Dodina, e foram abraçar seu velho pai, partindo num carro volante puxado por seis águias brancas, que a fada acabava de oferecer, naquele momento, ao mais velho de todos eles, — seu afilhado querido.
Belo-Encanto e a esposa, seguidos do coxo e do cego, puseram-se também a caminho.
Ninguém se sentiu mais feliz que o velho pedreiro e o carpinteiro quando souberam que o Anãozinho Torto e sua mulher erma agora príncipe e princesa. Viveram daí por diante muito alegres os dois, nunca mais brigaram, e, se porventura ainda não morreram, estão contando um ao outro a história do Anãzinho Torto.

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