O ANÃOZINHO TORTO
Havia numa aldeia um
pedreiro e um carpinteiro, ambos capazes e trabalhadores, mas ambos
sem sorte, absolutamente sem sorte. Experimentavam, par viver, as
mais sérias dificuldades. E se já a sua vida era bem dura e
difícil, imaginem com não ficou quando apareceu na aldeia uma
porção de gente de fora que vinha procurar emprego. Lá, como em
toda parte, reinava o preconceito de que tudo o que é de fora é
melhor... Às vezes não é, mas a maioria do povo pensa sempre que
é. Todos começaram a preferir os recém-chegados. E os dois pobres
homens ficaram sem o pouco trabalho que tinham.
Certo dia ambos se
encontraram e decidiram ir tentar a sorte em qualquer outro lugar, a
ver se longe dali conseguiriam ser mais felizes do que na sua terra
natal.
Como eram muito bons
amigos, resolveram fazer juntos a viagem. Haviam se casado
recentemente. Antes de partir o pedreiro falou assim ao carpinteiro:
— Camarada! Que diria
você se jurássemos um ao outro casar um dia nossos filhos se acaso
nossas mulheres nos dessem, uma um filho e a outra uma filha?
Poderíamos até assinar um contrato para segurança do acordo. Que
tal?
— Muito bem! Está
certo! — respondeu o amigo.
Assim pensaram, assim
fizeram, e o contrato foi assinado. Começaram então a preparar-se
para a viagem. As esposas choraram e lastimaram-se, não obstante
todo o mundo lhes afiançar que os maridos voltariam breve e que, a
partir de então, a sua vida iria ser muito melhor do que dantes.
Foram embora o pedreiro
e o carpinteiro.
Pouco tempo depois a
mulher do carpinteiro teve uma menina de beleza rara.. seu cabelo era
negro como a asa do corvo e os seus olhos escuros como a noite. A mãe
vivia alegre, e enlevava-se, cheia de orgulho, na formosura de
Dodina, seu lindo e pequenino botão de rosa.
A mulher do pedreiro
pôs no mundo qualquer coisa que dificilmente se poderia chamar um
menino, — tão pequeno e mal conformado era ele. Ficou desolada e
quase aterrada ante aquele pedacinho de gente, a que as impiedosas
vizinhas da localidade puzeram
desde logo a alcunha de Anãozinho Torto.
Todavia, embrulhou-o
cuidadosamente no forro de um paletó e colocou-o em cima do forno.
Ali ficou ele até a chegada do verão.
A notícia de tal
nascimento correu mundo, mas ninguém se animava a comenta-la. O
Anãozinho Torto não era uma criança como as outras: havia nele
qualquer coisa de sobrenatural, fantástico! Pode-se mesmo dizer que
era enfeitiçado, pois muito cedo começou a falar como uma pessoa
grande, e parecia saber tudo, mas tudo mesmo: o presente, o passado e
o futuro. Muitas vezes predisse coisas que depois aconteceram.
Bastante tempo havia já
percorrido, quando, numa tarde de inverno, com idade de 18 anos ais
ou menos, o Anãozinho Torto se virou para sua mãe e teve estas
palavras:
— Mamãe! Vá dizer à
sua amiga que o marido dela está prestes a chegar. E fique a senhora
também alegre, porque meu pai vem com ele.
A boa mulher correu à
casa da amiga, e fizeram ambas os preparativos para a recepção de
seus maridos.
Uma estava radiante,
por ter um tesouro de menina a apresentar; outra, morta de tristeza,
pensava no seu pobre Anãozinho Torto.
Mas, que fazer?
Como o Anãozinho havia
predito, os dois homens chegaram no dia seguinte e foram cada um para
sua casa.
Ao ver a linda filha
que vinha correndo ao seu encontro, o carpinteiro não coube em si de
contente. Abraçou-a, afagou-a, beijou-a, e considerou sem limites a
sua felicidade.
Não aconteceu o mesmo
em casa do pedreiro.
— Então, mulher! Que
tens para me contar? — perguntou ele, chegando.
— Boas notícias,
marido! E más notícias.
— Más notícias? Que
há?
— Há um menino...
— E a isso chamas tu
más notícias? Terá ele morrido? Estará doente?
— Oh, não! Mas seria
talvez preferível vê-lo morto do que vê-lo como é.
— Que é dele?
Chama-o!
— Não é preciso que
eu o chame. Anda comigo.
E levando o marido
perto do forno, mostrou-lhe o que ali estava embrulhado num forro de
paletó.
Ao ver tão defeituosa
criaturinha o pedreiro ficou petrificado de horror. Conseguiu,
entretanto, recuperar a calma. E assim como o Anãozinho Torto se
tinha tornado querido à sua mãe, assim o pedreiro, à medida que as
semanas tranquilamente decorriam, se foi acostumando a ele e
ganhando-lhe afeição.
Surpreendia-o,
sobretudo, a sua grande inteligência e vivacidade. Passava horas a
fio a escuta-lo, espantado de tanta sabedoria e bom-senso.
Decorridos três meses
e um dia, o Anãozinho procurou o pai e disse:
— Chegou o momento de
eu me casar. O senhor não se lembra do contrato que fez com o seu
amigo carpinteiro? Vá exigir-lhe o cumprimento da palavra que
empenhou ao prometer que me daria uma a filha em casamento.
O pedreiro ficou
abismado! Não caiu das nuvens, porque não estava no ar; mas caiu da
cadeira onde estava sentado e fez um galo enorme na cabeça. Quase
perdeu os sentidos!
Pedir em casamento a
filha do carpinteiro? Ele já sabia, de antemão, a resposta que lhe
ia ser dada... Mas, como o Anãozinho Torto insistisse, não teve
outro remédio senão ir procurar o amigo. Mal este o viu,
perguntou-lhe, cumprimentando-o:
— Que ventos o trazem
por aqui?
— Bons ventos! —
respondeu o pedreiro.
— Assim seja! então,
de que é que se trata?
— Aposto que não
advinha!
— Vem convidar-me
para outra viagem...
— Nada disso. venho
falar-lhe do contrato que fizemos de casar um dia a filha e o filho
que, porventura, as nossas mulheres nos dessem.
— Sim; é verdade que
fizemos um contrato. Mas como ousa você pedir a mão de minha filha,
a mais bela menina da terra, para aquele pobre aleijãozinho
miserável? Se o seu filho fosse uma criatura humana semelhante às
outras, eu com muito prazer concordaria. Mas tal qual é, camarada!
Não sei como você se atreve a falar-me em casamento...
— Tudo isso pode ser
muito razoável, mas um contrato é um contrato e não previmos o
caso de um dos nossos filhos ser anão. Ele é anão, é torto, é o
que você quiser, mas é meu filho. Logo, temos que manter o acordo.
Ao ouvir isto, o
carpinteiro ficou furioso, brigou com o amigo e pô-lo para fora de
casa, ameaçando-o de lhe chamar nomes feios se ele ousasse acaso
repetir tão absurda proposta.
O pedreiro foi-se
embora envergonhado e louco de raiva. Quando o Anãozinho Torto lhe
perguntou o que tinha acontecido (perguntou por perguntar, pois bem
sabia como as coisas se haviam passado) o pai respondeu que o
carpinteiro o maltratara e o pusera no olho da rua. O Anãozinho
Torto consolou-o:
— Não se esteja
afligido. Ele será obrigado a ceder. O que se combina e contrata
deve ser cumprido. O que o senhor tem que fazer é ir ao rei,
apresentar a sua queixa e pedir justiça.
No dia seguinte o
pedreiro compareceu diante do rei, que se encontrava justamente num
salão do palácio distribuindo justiça ao povo. Logo que viu o
pedreiro, perguntou-lhe o que desejava. Ele expôs o seu caso, e o
rei, imediatamente, mandou buscar o carpinteiro.
— Você assinou o
contrato? — indagou o monarca.
— Sim, Majestade! —
respondeu o carpinteiro.
— É sua esta
assinatura?
— Sim, Majestade!
— Por que motivo
então não a honra você e não cumpre o combinado?
— É porque...
E começou a contar
longamente toda a história, mas o rei, zangando-se, virou-se para
ele furioso e exclamou:
— Basta! Você fez um
contrato, tem de cumpri-lo! E se se atreve a desobedecer-me, a sua
cabeça rolará onde neste momento se encontram seus pés!
O infeliz ficou a
tremer diante do rei. Por fim retirou-se vexado, mortalmente triste,
e foi arranjar tudo para o casamento, que se realizou a sete dias.
O Anãozinho Torto
levou a sua deslumbrante noiva para uma casa que havia construído do
lado externo da aldeia. Era uma cabana em ruínas. A pobre rapariga
sentiu o coração trespassado de dor e os olhos rasos de pranto ao
lembrar-se da vida miserável que ia levar daí em diante por culpa
de seu pai. Porém, como boa filha, era forçoso resignar-se... e
resignou-se.
Entraram na choupana.
Mal, porém, lhe havia transposto o limiar, pensou a moça que a
tinham enfeitiçado! Encontrou-se dentro de um castelo maravilhoso,
lindamente ornamentado de ouro, jóias, ricos tapetes, mesas
magníficas, móveis riquíssimos, — um palácio, enfim, provido
dos máximos requisitos de conforto do mundo. Tudo isso era devido ao
fato se ser o Anãozinho Torto um ente encantado.
Assim, — quem poderá
descrever o júbilo da pequena quando o Anãozinho, depois de dar
três cambalhotas, se transformou diante dela no mais gracioso e mais
esbelto moço que já tinham seus olhos contemplado? Ficou radiante!
— Muito bem! —
disse-lhe o jovem. Como você veio de boa vontade casar-se com o
Anãozinho Torto, o feitiço que me foi lançado quando eu nasci vai
terminar em breve. Devo, porém, conservar ainda aquela aparência de
aleijado durante trinta dias, enquanto estiver fora de casa. O meu
verdadeiro nome é Belo-Encanto. Recomendo-lhe toda discrição, todo
cuidado. Não revele seja a quem for o segredo do meu feitiço, pois
do contrário você me perderá e talvez não me encontre mais.
A menina prometeu todo
sigilo. Por coisa alguma do mundo queria ela perder o seu galante
noivo!
Mas mulheres são
mulheres... criaturas de saias compridas e línguas do tamanho das
saias.
Quando a mãe de Dodina
a viu tão feliz, não pôde compreender o que se passava com ela.
Pressentiu em tudo aquilo um mistério, e assediou-a com perguntas a
ver se o descobria. Usou de ameaças, de carinhos, de rogos, de
promessas, mas tudo, tudo em vão.
Assim se passaram vinte
e nove dias, em que a moça resistiu valentemente às investidas da
mãe. Quando, entretanto, o vigésimo nono dia estava para acabar,
ela pensou: “Ora! Falta muito pouco para que o encanto se quebre, e
certamente não haverá mal algum em eu contar a minha mãe o segredo
de meu marido”. E contou.
Porém, não tinha
ainda acabado de falar, quando o Anãozinho Torto surgiu na sua
frente com uma bolsa na mão, e disse:
— Infeliz
tresloucada! Você acaba neste momento de arruinar a sua própria
vida, e a minha também. Estou perdido para você e você está
perdida para mim! Devo agora ir para um lugar onde nunca lhe será
possível encontrar-me, nunca! Vou partir. Deixo-lhe esta bolsa com
dinheiro. É encantada: não se esvaziará. Assim, você jamais
passará necessidade e poderá comprar tudo o que deseje.
E dita estas palavras o
Anãozinho Torto desapareceu transformado em pombo.
Em vão Dodinha gritou
e se afligiu e se desfez em pranto, lamentando a sua deplorável
fraqueza. Era tarde. O Anãozinho Torto tinha-se ido embora e ela não
sabia onde poderia encontrá-lo.
Deixemo-la entregue às
suas lamentações.
Passados alguns anos,
dois mendigos, — um coxo e outro cego, caminhavam certo dia juntos
à beira-mar. já tinha andado tanto que os seus pés vertiam sangue,
e estavam com muita, muita fome. O cego tirou do bolso um dura côdea
de pão que lá encontrou por acaso, e começou a roê-la. Ora,
aconteceu que o outro, sem querer, lhe bateu o cotovelo, e o pedaço
de pão caiu dentro d’água.
Ouvindo o baque do pão
na água — pluft! — o cego, desolado por ficar sem nada que
comer, disse ao seu companheiro coxo:
— Vamos quanto antes
apanhar a minha côdea, que deve de estar boiando.
E à procura dela foram
andando, foram andando, e meteram-se a nadar pelo mar a dentro, o
coxo na frente e o cego atrás. Enquanto nadavam, todavia, a côdea
foi-se cada vez mais se enchendo d’água e, com o peso acabou
afundando. Gritou, então, o coxo para o cego:
— Vamos embora! O pão
afundou!
Enfurecido, o cego
voltou-se para o companheiro, acusou-o de ter jogado fora o seu
querido pãozinho, e começaram os dois a brigar. Palavra puxa
palavra, a discussão aqueceu, e lá vai murro!
Assim, lutando dentro
d’água, não se apercebiam de que a correnteza os levava, quando o
coxo teve a impressão de que estava ficando cego. Uma claridade
fortíssima batia em cheio nos seus olhos. Era o sol, cujos raios se
refletiam nas paredes de um soberbo e cintilante palácio e lhe
feriam atrozmente os olhos, de tal forma que ele teve de os encobrir
com as mãos. Deslumbrado e surpreso, disse, então, ao cego:
— Vejo além de
qualquer coisa de tão lindo como nunca imaginei na vida. deve ser ou
um palácio de rei ou um palácio de fadas. Vamos até lá sem medo.
Nada temos a perder e estamos mortos de fome. Talvez achemos alguma
coisa para comer.
— Tem razão,
replicou o cego. Nada há perder. Avancemos.
Continuaram, pois, a
mar a dentro, e chegaram, enfim, ao palácio. Era todo feito de ouro
e prata. Quando se aproximaram, viram que as portas estavam abertas.
Muito de mansinho arrastaram-se até ao interior. Não encontraram
ninguém. Os homens perderam a fala! O cego, está claro, não podia
ver, mas o coxo tinha boca aberta de espanto.
Atravessando salas e
salas, chegaram, afinal, a uma onde encontraram mesa posta para doze
pessoas. Dentro dos pratos, porém, não havia comida.
— Vejo aqui uma linda
mesa preparada para doze convivas, — conseguiu finalmente dizer o
coxo — mas que utilidade tem ela para nós, se todos os pratos
estão vazios? Eis-nos mortos de fome! Seria tão, bom, se
encontrássemos alguma comida nestes pratos...
No mesmo instante as
mais saborosas iguarias apareceram em cima da mesa, e os dois homens
não esperaram convite para servir-se. Caindo sôfregos sobre os
alimentos, comeram e beberam tão furiosamente como onças
esfaimadas. Dir-se-ia que acabavam de passar um ano em jejum.
Quando terminaram,
ouviram um ruído estranho e correram a esconder-se debaixo de uma
cama que havia no aposento. Súbito escutou-se um bater de asas, e
onze pombos entraram pela janela. Deram três cambalhotas, e onze
belos jovens surgiram, que se sentaram à mesa novamente repleta de
iguarias finíssimas. Enquanto comiam, um dos convivas perguntou:
— Onde está
Belo-Encanto?
Outro respondeu:
— Encontra-se em
caminho. Feriu-se na asa, mas dentro em breve estará aqui.
Logo depois o décimo
segundo pombo entrou voando pela janela e, dando três cambalhotas,
transformou-se também num lindo mancebo. Tomou lugar na mesa, mas
apenas tocava nos alimentos. Pensava na sua esposa, enquanto as
lágrimas lhe corriam pelas faces. E murmurava como que para si
mesmo, porém, com voz bastante alta para ser ouvido pelos dois
mendigos em baixo da cama:
— Que saudades! Que
saudades da minha amada mulherzinha! Como eu desejaria que ela
pudesse achar o caminho para vir aqui, e nos surpreendesse sob a
nossa forma humana. Quebrar-se-ia o encanto sobre nós todos por
aquele maldito feiticeiro que há três anos morreu.
Acabada a refeição,
os jovens transformaram-se em pombos, voaram para fora e Belo-Encanto
com eles.
Os dois mendigos saíram
então do seu esconderijo, apanharam e puseram nos sacos toda a
comida que havia ficado em cima da mesa, e deixaram o palácio por
outro portão diferente daquele por onde haviam entrado. Dentro em
pouco acharam-se na estrada real.
Tinham agora consigo
alimento bastante para algumas semanas.
Foram andando, foram
andando, foram andando, até que chegaram a uma praça onde vira
densa multidão em torno de um suntuoso edifício. Notaram que cada
pessoa esperava a sua vez. Curiosos de saber o que isso significava,
indagaram de um dos homens que lá estava e que parecia
superintendente, a razão daquilo que viam.
— Esta casa, —
disse-lhe ele — pertence a uma senhora muito bondosa que dá
comida, vestuários novos e alojamento por um dia, a todos os
viandantes que a procuram. Quem quer que chegue toma primeiro um
banho, veste depois belas roupas que recebe de presente, come bem e
dorme uma noite, mas com uma condição: a de contar uma história à
dona da casa.
Conscientes do seu
estado de imundície e tendo as roupas todas rasgadas, entram os
nossos heróis avidamente em casa da boa senhora, onde logo tiveram
um banho perfumado, depois do qual dificilmente se puderam reconhecer
nos elegantes trajes que lhes foram oferecidos. Seguiram os dois
juntos, pois que jamais se separavam, — não podendo o cego ir sem
o coxo, nem querendo o coxo ir sem o cego.
Compareceram diante da
caridosa dama, que amavelmente lhes perguntou se podiam contar-lhe
uma história.
— Certamente,
senhora! Disse o coxo, em nossa longa e penosa vida de pedintes,
ouvimos muitas histórias de gigantes e de fadas, porém, no momento,
não me lembro de nenhuma.
— Nem eu, — fez o
cego.
— Se não se lembram
de nenhuma história, replico a dama, não podem ao menos contar-me
uma das suas aventuras?
Ao ouvirem falar em
aventuras, lembraram-se os dois do maravilhoso palácio à beira-mar,
dos doze pombos, da mesa mágica bem provida, e, referindo então
tudo o que lhes acontecera, contaram que um dos pombos, a quem os
outros chamavam Belo-Encanto, suspirava e chorava pela esposa,
dizendo ser ela a única pessoa que podia quebrar o feitiço deles
todos, se acaso os surpreendessem em forma humana.
Quando escutou falar em
Belo-Encanto, a dona da casa quase pulou em cima da cadeira. Tremendo
dos pés à cabeça, mal podia crer nos seus ouvidos. Pediu,
portanto, aos mendigos, que lhe repetissem a aventura, e eles a
fizeram, admirados de tão estranha excitação.
Terminada a história,
disse-lhes ela:
— Sabem vocês o
caminho para esse tal palácio, e podem conduzir-me até lá? Se isso
fizerem, nunca mais terão necessidades na vida. eu lhes darei de bom
grado tudo o que desejarem.
— Certamente que
sabemos o caminho! Os mendigos sempre se lembram dos lugares que
atravessam.
Ela aprontou-se num
abrir e fechar de olhos, e começaram os três a viagem. Conduzida
pelos mendigos, a misteriosa criatura que outra não era senão
Dodina, chegaram sem dificuldade ao lugar desejado em menos tempo do
que tinham gasto os dois homens na ida, porquanto viajavam agora de
maneira bem diferente.
Uma vez lá, ela entrou
sozinha no palácio e escondeu-se debaixo da cama, no aposento em que
estava a mesa para os doze pombos que deviam vir.
A espera não foi
longa. Ao extinguir-se no ar a duodécima badalada do meio-dia,
ouviu-se ao longe um ruflar de asas, e em breve doze pombos chegaram,
um atrás do outro. O último era Belo-Encanto. Deram as três
cambalhotas de sempre, viraram-se em jovens e sentaram-se à mesa.
Quando outra vez Belo-Encanto gemeu: “Oh! Como eu desejaria minha
esposa aqui para quebrar nosso fadário!” Dodina, que esperava
ansiosa por esse momento, saiu correndo de debaixo da cama e,
atirando-se ao marido, apertou-o em seus braços e beijou-o.
Ao ver o que se
passava, os outros onze pularam de satisfação. É que estava
quebrado o encanto que lhes lançara outrora um perverso feiticeiro,
inimigo mortal do Imperador seu pai. Uma fada, madrinha do príncipe
mais velho, pudera há alguns anos matar esse feiticeiro, mas não
conseguira desencanta-los a eles. Fora ela que invisivelmente
conduzira os dois mendigos, através do mas, ao palácio onde
habitavam os doze e onde lhes fazia aparecer as melhores iguarias do
mundo, batendo apenas no ar com a sua varinha de condão.
Belo-Encanto (fiquem os
meninos sabendo) não era filho de pedreiro, como todos julgavam, mas
de um grande, poderoso imperador. Como o verdadeiro filho do pobre
homem nascera morto, o bruxo malvado arrebatara-o logo, sem ninguém
ver, e pusera Belo-Encanto em seu lugar, deformado e horrível.
Felizmente que a boa fada nunca deixou de velar por ele, que era o
caçula, e por todos os outros irmãos.
Libertos agora par
sempre, os onze príncipes despediram-se do irmão e de Dodina, e
foram abraçar seu velho pai, partindo num carro volante puxado por
seis águias brancas, que a fada acabava de oferecer, naquele
momento, ao mais velho de todos eles, — seu afilhado querido.
Belo-Encanto e a
esposa, seguidos do coxo e do cego, puseram-se também a caminho.
Ninguém se sentiu mais
feliz que o velho pedreiro e o carpinteiro quando souberam que o
Anãozinho Torto e sua mulher erma agora príncipe e princesa.
Viveram daí por diante muito alegres os dois, nunca mais brigaram,
e, se porventura ainda não morreram, estão contando um ao outro a
história do Anãzinho Torto.
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