UM SÁBIO: OSVALDO CRUZ
Era uma vez um país
muito belo e muito rico, mas ao qual todos tinham muito medo de ir.
Sabem vocês qual esse
país?
Vocês o conhecem
muito: o nosso Brasil.
E sabem por que os
homens de outras terras tinham muito medo de vir ao Brasil?
Por causa das doenças,
e, sobretudo, por causa da febre amarela.
— Ir ao Rio de
Janeiro é um suicídio, — diziam os estrangeiros.
Não só os
estrangeiros.
Também os brasileiros
do interior, até os mas corajosos, tinham receio de ir à
ex-capital, porque boa parte dos que iam não voltavam: ficavam
enterrados lá.
Para vocês calcularem
o que era a nossa ex-capital, basta lembrar que um navio de guerra
italiano, o Lombardia, aportou em nossas costas com 340 pessoas e
saiu com 106...
Também, quando os
nossos navios iam a qualquer país estrangeiro, não podiam aporta
sem uma rigorosa e demorada quarentena. Eram obrigados a esperar
muito tempo, isolados, sem contacto com a terra, até que as
autoridades os examinassem bem, para verificar se não traziam casos
de febre.
II
Um dia, um certo médico
contava a seus filhos todas essas desgraças e acabava dizendo:
— É uma vergonha
para nós! Mas que fazer? Todos trabalham para combater essas
doenças, mas não se acertou ainda com o remédio. Pobre Brasil!
Um de seus filhos foi
para o seu quarto e disse:
— Vou acabar com
essas doenças que estão acabando com o Brasil. Vou estudar
bastante. Você, febre amarela, você, peste bubônica, você,
varíola, você, impaludismo, hão-de ver o que vale o estudo. É eu
ficar homem e acabar com vocês! Juro que hei-de afasta-las de minha
pátria.
Esse menino chamava-se
Osvaldo Cruz.
III
Pensam vocês que
aquele juramento era um brincadeira de criança?
Pois não pensem assim:
criança também tem palavra e Osvaldo Cruz sempre a teve.
Terminou o seu curso
secundário, entrou na Faculdade de Medicina, procurou
especializar-se no estudo dos micróbios, e, logo que pôde, partiu
para Paris.
Em Paris, em vez de
passear, aperfeiçoou-se no Instituto Pasteur, salientado-se de tal
modo pelo seu esforço e pela sua inteligência, adquirindo um
excelente nome entre os técnicos.
Depois de aprender tudo
o que queria, voltou ao Brasil, para cumprir a sua promessa.
IV
Osvaldo Cruz chegou ao
Brasil, mas ninguém lhe deu importância. Era modesto, discreto,
despretensioso. Escondia os seus imensos merecimentos.
Continuou a exercer a
sua profissão, estudando sempre, quando surgiu em Santos uma
epidemia de peste bubônica.
O remédio para a peste
era um certo soro e não havia no Brasil quem o fabricasse.
Que fez o governo?
Pediu ao Instituto
Pasteur de Paris que nos enviasse técnicos para fabricar o soro,
porque a epidemia se alastrava medonhamente.
O Dr. Roux (leiam Ru),
Diretor do Instituto, grande sábio, respondeu logo:
— Vocês têm aí o
Osvaldo Cruz, que sabe, tão bem como nós, fazer estas coisas.
Aproveitem esse moço. Não tenho no meu Instituto ninguém mais
capaz do que ele.
Então o nosso governo
chamou o Osvaldo Cruz, que venceu a peste, fazendo o soro. Dentro em
pouco, o nosso governo confiou-lhe a direção do Instituto que veio
a ser o nosso Manguinhos.
V
Osvaldo Cruz em
Manguinhos reuniu alguns brasileiros inteligentes e trabalhadores e
começou a prepara-los para acabar com as outras doenças de uma vez.
Um belo dia, Deus fez
que Rodrigues Alves fosse eleito Presidente do Brasil.
Assim que foi eleito,
esse bravo paulista escolheu um grupo de brasileiros trabalhadores e
capazes e, entre outros problemas, resolveu fazer o saneamento do Rio
de Janeiro.
Faltava um médico que
se incumbisse da parte sanitária. Procura que procura, acabou por
achar Osvaldo Cruz e confiou-lhe a grande tarefa.
— Presidente —
disse-lhe Osvaldo Cruz, a luta vai ser tremenda. Teremos de
contrariar os médicos, os negociantes, os ignorantes, os malévolos,
os comodistas, e os seus inimigos políticos não perderão a
oportunidade para agredi-lo.
— Não faz mal,
Doutor Osvaldo Cruz, disse-lhe o Presidente. Realize o seu plano,
meta a cara e não olhe para as conseqüências. Para isso é que foi
feito o governo.
VI
Osvaldo Cruz estava
convencido de que a transmissão da febre amarela era feita por
mosquitos e tratou de acabar com eles. Sabia que a peste bubônica
era transmitida pelos ratos e tratou de extingui-los. criou um verbo
novo na nossa língua: desratizar.
A campanha que se
levantou contra ele foi violentíssima.
Injuriaram-no,
ridicularizaram-no insultaram-no de todos os modos.
Chegaram a provocar uma
revolução em que correu sangue, porque conseguiu uma lei que
tornava obrigatória a vacina contra a varíola.
Dentro em pouco, porém,
vencia.
O Brasil libertara-se
para sempre da febre amarela, vira reduzido extraordinariamente o
impaludismo no Rio de Janeiro, passara a viver sem o terror da
varíola e da peste bubônica.
Osvaldo Cruz cumprira o
seu juramento de criança.
VII
Lembram-se do
Lombardia, que veio com trezentas e quarenta pessoas e voltou com
cento e seis?
Pois bem.
Estando nos Estados
Unidos e indo visitar o Presidente da República em companhia de
nosso embaixador Joaquim Nabuco, o Presidente Teodoro Roosevelt
revelou-lhe o receio de que a esquadra norte-americana, em viagem
para o Pacífico, aportasse, em pleno verão, no Rio de Janeiro.
— Pode ficar
descansado, Presidente. Garanto que os seus marinheiros não
apanharão febre no Brasil.
O presidente confiou
naquele homem jovem e forte.
A esquadra veio ao
Brasil, com dezoito mil homens, e não ocorreu um único caso de
febre.
Por causa dessa bela
vida, que tanto bem trouxe ao nosso país e tantos males o poupou,
nós podemos hoje contar um bela história: “Era uma vez um país
muito belo e muito rico, ao qual todos tinham muito medo de ir, por
causa de suas doenças mortíferas, mas um bom menino que veio a ser
homem bom lutou de tal maneira que hoje os povos o procuram, sem medo
daquelas doenças”.
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