SUGNA MURGA
Era uma vez um
imperador cognominado o “Imperador Branco”, pai de três filhas,
cada qual mais sedutora. Guardava-as, porém, num castelo de bronze,
com medo que os gênios as roubassem.
Tinha ele por vizinho
outro imperador, chamado “Imperador Vermelho”, pai de três
filhos também muito bonitos. João, o primogênito, de natureza
tímida e fraca, apaixonou-se pela mais velha das princesas, Ileana.
O segundo, Valdo mais valente e mais forte que João, amava a
princesa do meio, cujo nome era Diana. E o terceiro Sucna Murga, o
mais formoso e bravo dos irmãos, enamorara-se da princesinha mais
nova, chamada Mariana.
Um dia o príncipe João
pediu ao pai de Ileana que o deixasse ir passear com ela no jardim do
palácio. O imperador, temeroso dos gênios, negou a principio. Mas o
moço tanto pediu, tanto pediu, que ele afinal disse que sim.
Vocês não imaginam
que preciosidade de jardim era aquele! Um parque maravilhoso, cheio
de lindas flores e de árvores de mil qualidades, umas frutíferas,
outras apenas decorativas, outras copadas e altas, — só para
oferecerem no estio a sombra acolhedora dos seus ramos. Quantas vezes
descansei debaixo delas!
Vinha gente de todo o
mundo para admirar. Que jardim! Era tão grande, tão grande que mil
jardineiros não bastavam para o tratar convenientemente como o
imperador queria que ele fosse tratado.
Algum tempo Ileana e
João foram passeando alegremente de mãos dadas. Súbito, o príncipe
viu ao longe uma rosa muito bonita, e correu a apanhá-la,
abandonando a mão da sua querida.
Imediatamente surgiu no
céu uma nuvem escura, que veio descendo, descendo, descendo,
envolveu a princesa e a levou.
Tudo isto se deu num
abrir e fechar de olhos.
Quando o príncipe
voltou, sorridente, com a rosa na mão para a oferecer a Ileana,
debalde a procurou por toda parte. Desaparecera. Triste e vexado,
regressou sozinho ao palácio, e o imperador só faltou morrer de
desgosto ao saber o que tinha acontecido.
Algum tempo depois o
príncipe Valdo pediu o pai de Diana que a deixasse ir passear com
ele no jardim. Recordando-se do que sucedera á filha mais velha, ele
a princípio disse que não, porém, diante da porfiada insistência
do príncipe, cujo coração não se sentia disposta a conformar-se
com a recusa, acabou anuindo.
Grande foi o
contentamento da jovem quando se viu ao ar livre na companhia do seu
amado. Oh! Como o tempo voava! Iam passeando muito absorvidos um no
outro, quando de repente o príncipe viu uma linda flor num canteiro
distante, e foi colhê-la, abandonando por um momento a sua princesa.
Logo uma nuvem baixou
do céu, carregada e negra, e levou instantaneamente em seu bojo a
formosa Diana.
Por mais que o príncipe
depois a procurasse, não pode infelizmente encontrá-la. E de novo
no palácio do imperador houve lamentações e lágrimas.
Passados alguns dias,
Sucna Murga, o príncipe mais moço, rogou ao imperador que lhe
permitisse ir passear no jardim com a sua bem-amada, a princesinha
Mariana.
A começo, o imperador
não quis ouvi-lo.
— Não! O destino de
minhas duas filhas mais velhas ensinou-me a ter mais cuidado com a
terceira. Para minha eterna mágua,
basta que eu as tenha perdido a ambas.
Todavia, Sucna Murga
foi tão insistente, pediu tanto, implorou de tal forma, que o
imperador, afinal consentiu, embora com o coração oprimido e
angustiado.
Foram os dois para o
jardim e entretiveram-se longo tempo a cortar flores e arremessa-las
— quando, súbito, havendo-se ambos casualmente afastado um do
outro, desceu uma nuvem negra, faiscante, que envolveu a princesa e a
levou embora consigo.
Instantes depois, o
jovem buscou sua companheira e não a encontrou. Supôs, a princípio
que ela estivesse brincando de esconder, e andou-a procurando por
toda parte. Afinal, vendo que, sem dúvida, havia sido roubada pelos
gênios, não teve remédio senão contar o caso ao imperador.
Vocês agora imaginem,
se podem, a amargura que reinou, tanto naquele palácio como no do
imperador Vermelho. Ambos decretaram luto por dez anos, e foi
proibido que durante esse longo tempo qualquer pessoa tocasse música
ou se risse. Havia apenas tristeza e desolação nas ruas!
Passados, porém, três
meses e um dia, Sucna Murga e os irmãos resolveram a ir libertar as
princesas ao Reino dos Gênios do Ar.
Foi assim:
Uma tarde, Sucna Murga,
o mais novo dos três (que era, como já disse, o mais forte) matou
uma pulga. Vocês naturalmente não ignoram que as pulgas tinham
naquele tempo dez metros de altura, usavam sapatos de ferro pesando
centenas de toneladas, e davam cada pulo que chegavam às nuvens ou
atravessavam os mares. As viagens que hoje se fazem de aeroplanos,
faziam-se então a cavalo em pulgas domesticadas.
Ora, com os sapatos de
ferro da pulga mandou Sucna Murga fabricar uma corrente que chegasse
da terra ao céu, e propôs em seguida a seus irmãos:
— Vamos juntos
procurar as nossas princesas?
— Vamos.
Carregando então a
corrente às costas, Sucna Murga atravessou com eles todos os reinos
da terra, até chegar ao fim do mundo, onde o céu também acaba e é
tão baixo que quase se toca na crista dos montes.
Aí disse ao irmão
mais velho que atirasse uma ponta da corrente ao beiral do céu. o
irmão mais velho atirou, mas não com suficiente força para que ela
chegasse lá.
Convidou, em seguida, o
irmão do meio. O irmão do meio atirou e a corrente foi mais longe
do que tinha ido primeiro, mas não chegou ao beiral do céu.
Então Sucna Murga
pegou a corrente, arremessou-a com toda força e ela ficou presa, bem
presa em cima.
Depois de puxar e ver
que estava segura, pediu a João que subisse. João subiu até ao
meio, porém, quando olhou para baixo e quase não avistou os irmãos,
ficou trêmulo de pavor e desceu a toda pressa.
Valdo subiu até além
do meio, mas também não teve coragem de prosseguir. Desceu também.
Então Sucna Murga
abraçou-os e disse-lhes:
— Agora vou eu. Vocês
não saiam deste lugar. Esperem que eu agite a corrente. Será o
sinal de que matei os gênios e libertei nossas amadas.
Subiu.
Quando chegou ao céu,
encontrou-se numa larguíssima estada que conduzia ao Reino dos
Gênios do Ar. Foi seguindo por ela afora, até que deu diante de si
com um fortíssimo palácio. Entrou, e qual o seu espanto ao deparar
com a princesa Ileana!
Ela mal pôde acreditar
no que via, e nem teve ânimo de escutar como tinha ele conseguido
chegar ali.
— Vou lutar com o
gênio que vos tem presa e libertar-vosada
que conduzia ao Reino dos Genios a, bem presae da terro ao centenas
de toneladas, e dav.
— Ai de vós! Ides
morrer, Sucna Murga. É um gênio forte, muito forte!
— Deixai isso por
minha conta. Eu só quero saber o que é que ele come por dia.
— Ele come cinco bois
assados e cinco fornadas de pão. Bebe cinco pipas de vinho. Às
vezes, mais... E quando bate à porta é preciso que tudo esteja
pronto, a mesa posta, e a comida nem quente, nem fria.
A última palavra já
ele a não ouviu, pois soou nesse instante uma tremenda pancada no
portão do jardim que fez abalar todo o palácio.
Sucna Murga perguntou:
— Onde me posso
esconder para o poder atacar de improviso?
— Debaixo da ponte de
cobre, — respondeu Ileana. — Ele terá que atravessa-la para
entrar em casa, e aí podereis ataca-lo de improviso.
Sucna Murga escondeu-se
e breve escutou um barulho semelhante ao ribombar de dez trovões.
Era o gênio regressando.
Quando o cavalo em que
vinha montado chegou junto da ponte, empinou-se e principiou a
relinchar assustado, sem querer passar avante.
— De que tens medo? —
inquiriu o gênio.
— Tenho medo de Sucna
Murga, — respondeu o cavalo.
— Ora que tolice!
Nenhum vento trouxe ainda a esta parte do mundo um cabelo sequer da
sua cabeça.
A estas palavras, Sucna
Murga, de um salto, postou-se em frente do gênio e gritou:
— Mentes, cachorro!
Não só o meu cabelo, mas todo o meu corpo está aqui. Eu vim brigar
contigo!
Por um momento ficou o
gênio aterrado, mas em breve readquiriu o sangue frio, e perguntou:
— De que maneira
queres que briguemos? Correndo um atrás do outro, jogando a espada
ou lutando corpo a corpo?
— Das três maneiras!
— respondeu Sucna Murga.
O gênio começou a
correr, mas o cavalo, amedrontado, caiu por baixo dele. Então puxou
a espada, mas Sucna Murga arrancou-lha e quebrou-lha. Ai atracaram-se
um ao outro.
Passado um momento, o
príncipe levantou-o com força e atirou-o violentamente ao chão,
obrigando-o a ajoelhar-se. Mas o gênio pulou pegou em Sucna Murga e
fê-lo, por sua vez, ajoelhar-se no chão. Sucna Murga endireitou-se
e, segurando no pescoço do gênio, estendeu-o por terra. então,
mais do que depressa, desembainhou a espada, cortou-lhe a cabeça e
arremessou-lhe o cadáver para debaixo da ponte. Em seguida entrou
no palácio, anunciou a Ileana o seu bom êxito e, após haver
descansado algum tempo, comeu e bebeu à vontade, com grande alegria
da princesa agora para sempre liberta.
No dia imediato
continuou o seu caminho e foi ao palácio onde a princesa Diana
estava encarcerada, palácio ainda maior e mais lindo que o primeiro.
Tal como sua irmã,
Diana mal pôde acreditar no que via. Sentiu-se, contudo, um pouco
animada quando ele lhe contou que matara o carcereiro de Ileana,
irmão gêmeo do que a tinha presa o do que roubara a princesa mais
nova.
— Este, porém, que
me guarda, é bem mais forte do que o irmão e tem duas cabeças.
— Deixai isso por
minha conta. Eu só quero saber o que é que ele come por dia.
— Ele come dez bois
assados e dez fornadas de pão. Bebe dez pipas de vinho. Às vezes
mais... e quando bate à porta é preciso que tudo esteja pronto, a
mesa posta e a comida nem quente nem fria.
Ecoou nesse momento uma
horrível pancada no portão do jardim que fez estremecer a casa
inteira. Era o gênio que chegava.
— Onde posso
esconder-me para o atacar de improviso?
— Debaixo da ponte de
prata — respondeu Diana. — Ele terá que atravessa-la para
entrar em casa.
Sucna Murga
escondeu-se, e breve escutou um barulho semelhante ao retumbar de
vinte trovões. O gênio aproximou-se, mas o cavalo em que vinha
montado começou a relinchar transido de susto e não quis mais
avançar um palmo.
— De que tens medo?
— Tenho medo de Sucna
Murga.
— Ora que tolice!
Nenhuma ave trouxe, ainda um cabelo sequer da sua cabeça para esta
parte do mundo.
Ouvindo isto Sucna
Murga pulou de sob a ponte e, enfrentando o gênio, disse:
— Mentes, cachorro!
Eis não só o meu cabelo como todo o meu corpo diante de ti. aqui
estou para brigar contigo.
O gênio ficou
surpreendido um instante, mas, depois, recuperando o ânimo, indagou:
— De que maneira
queres que briguemos? Correndo um atrás do outro, jogando a espada
ou lutando corpo a corpo?
— Das três maneiras.
O gênio desatou a
correr ma só cavalo caiu morto debaixo dele. Então arrancou da
espada. Sucna Murga partiu-a. Aí pegaram a corpo a corpo. Sucna
Murga achou a luta mais difícil do que a primeira, mas ainda assim
pode forçá-lo a ajoelhar-se no chão. O gênio, porém, ergue-se e
fez pior a Sucna Murga: abaixou-o a seus pés até à cintura. Sucna
Murga viu-se atrapalhado mas não desanimou. Recobrando a energia,
atirou-se desesperadamente o adversário e estatelou-o no chão.
Rápido, sem perder um momento, sacou da espada e matou-o
cortando-lhe os pescoços. Depois atirou-lhe o cadáver para debaixo
da ponte, dirigiu-se à princesa Diana e disse, beijando-lhe a mão:
— Estais livre,
senhora!
Em seguida entrou no
palácio, comeu, bebeu e descansou durante vários dias.
Ao despedir-se da
princesa que tudo fizera por lhe ser agradável durante essa curta
permanência, declarou-lhe que ia libertar Mariana, sua noiva muito
querida.
Continuou de jornada e
encontrou, passadas algumas horas, um palácio maior e mais belo que
os outros dois. Entretanto, viu chorosa a um canto de uma sala a sua
princesinha, que pensou estar vendo num sonho quando ele a foi
cumprimentar e lhe contou as suas anteriores aventuras:
— Ah! Meu amor! Este
gênio que me guarda é muito mais forte do que os seus outros dois
irmãos e tem três cabeças.
— Não vos dê esse
cuidado. Dizei-me apenas o que é que come por dia.
— Ele come quinze
bois assados e quinze fornadas de pão. Bebe quinze pipas de vinho.
Às vezes mais... e quando bate à porta é preciso que tudo esteja
pronto, a mesa posta e a comida nem quente nem fria.
Ma acabara de proferir
estas palavras e eis que se escuta uma pancada violentíssima na
porta do jardim.
Todo o palácio tremeu.
— É o gênio.
— Onde me posso
esconder para o atacar de improviso?
— Esconde-te debaixo
da ponte de ouro?
— Sucna Murga assim
fez, e dentro em pouco ouviu um barulho semelhante a reboar de trinta
trovões. O gênio veio-se chegando, mas o cavalo deu um espantoso
relincho e aprumou-se todo tremente.
— De que tens medo?
— Tenho medo de Sucna
Murga.
— Ora que tolice!
Nenhum vento, nenhuma brisa trouxe ainda a esta parte do mundo um ´só
fio de cabelo de sua cabeça.
— Mentes, cachorro! —
disse Sucna Murga, pulando para a frente dele. Não só o meu cabelo,
mas todo o meu corpo está aqui. Vim aqui brigar contigo libertar
minha princesa.
Embora forte como era,
o gênio atemorizou-se diante do aspecto irado de Sucna Murga. Mas
recuperando em breve o sangue frio, redargüiu:
— Bem! Assim seja! de
que maneira queres tu que briguemos? Correndo um atrás do outro,
jogando a espada ou lutando corpo a corpo?
— Das três maneiras.
O gênio lançou o
cavalo a galope, mas o cavalo caiu debaixo dele. Em seguida, puxou da
espada. Sucna Murga tirou-lhe e quebrou-a. atracaram-se então corpo
a corpo.
A luta foi tremenda! Eu
estava de longe espiando. Ah! Nem me quero lembrar dos sustos que
passei naquele dia, pensando que o gênio fosse capaz de matar o meu
bom amigo Sucna Murga! Os osso de um e de outro chegavam a estalar no
furor do combate, e os olhos parece que lhes saiam das órbitas,
injetados, raiados de sangue. Depois de um quarto de hora de luta, o
gênio pegou em Sucna Murga e fê-lo vergar de joelhos, mas Sucna
Murga levantou-se depressa e fez também vergar os joelhos do gênio.
Aí o gênio, desembaraçando-se do valente mancebo, segurou-o com
força e pelo meio do corpo e ele quase tombou por terra: o seu peito
chegou a tocar no chão!
Eu arregalei os olhos,
e gritei, fora de mim:
— Coragem, Sucna
Murga!
Num instante ele
aprumou-se de novo, e desta vez foi o peito do gênio que beijo a
terra. havia em derredor tal nuvem de poeira levantada que eu mal os
podia enxergar.
— Águias amigas! —
disse por sua vez Sucna Murga. Ide molhar as vossas asas e vinde
umedecer a minha língua, pois se sair ganhando nesta luta dar-vos-ei
três cadáveres em vez de um só.
A estas palavras as
águias foram depressa molhar as asas e vieram umedecer a língua de
Sucna Murga. Assim refrescando, a sua força voltou-lhe e, com um
desesperado, último arranco, atirou o gênio por terra e cortou-lhe
as três cabeças num relance. Depois deu às águias os três corpos
dos que mataram e voltou para o palácio de Mariana, onde passou com
ela dias alegres e descanso, dias que eles desejavam não acabassem
nunca mais.
Era forçoso, todavia,
regressar à terra e entregar as três princesas ao Imperador seu
pai.
Partiu. Quando chegou
ao sítio em que estava acorrente, balançou-a e os irmãos, em
baixo, souberam por esse sinal que ele fora bem sucedido em sua
empresa.
Desceu as jovens uma
após outra, e elas, com grande espanto, em vez de caírem nos braços
dos príncipes, foram cair nos de um bando de ciganos que, há muito,
vendo aquela enorme corrente, se tinha posto de emboscada e
manietaram, minutos antes, os dois irmãos de Sucna Murga.
O chefe dos ciganos
ordenou aos seus homens que prendessem os dois príncipes numa gruta,
puxando toda a corrente para terra a fim de impedir que Sucna Murga
de descer do céu, afastou-se sozinho com as três irmãs em direção
à corte do Imperador Branco.
No caminho advertiu as
princesas:
— Se disseres a vosso
pai uma só palavra que me desminta, os dois príncipes serão
imediatamente assassinados pelos do meu bando. Se não, se ficardes
caladas, eu os porei em liberdade. Vou-me casar com a mais nova de
vocês.
— Comigo! —
replicou Mariana. Comigo? nunca!
— Nunca? Pensas
talvez que Sucna Murga há de voltar? Jamais! E se não te quiseres
casar comigo eu da mesma forma cortarei a cabeça dos dois irmãos
dele que tenho sob meu poder.
Vendo-se sozinho no
alto, sem esperança de voltar à terra, pois a corrente havia sido
tirada, Sucna Murga vagueou ao acaso por lá, desgostoso com o que
ele supunha ter sido ingratidão dos príncipes seus manos.
Finalmente, não sabendo o que fazer, visitou de novo os palácios
dos gênios onde encontrou as coroas que as três princesas aí
tinham deixado por esquecimento, e saiu tristonho a passear no campo.
Andou, andou, andou. Depois, fatigado, parou sob uma árvore enorme e
deitou-se tranquilamente a dormir.
Não dormiu, porém,
muitos minutos, pois, mal pegara no sono, um grande rumor ao longe o
despertou. Era uma nuvem escura que se aproximava relampejando pelos
lados. Ao chegar perto de Sucna Murga, saiu de dentro dela uma bruxa
de duas cabeças negra, chispando fogo pelas narinas, com os cabelos
crespos em desalinho, semelhante a um furioso demônio.
Sucna Murga não se
moveu. Fingiu que estava dormindo, mas imperceptivelmente, lançou a
mão ao punho da espada.
— Como lamento que
estejas morto, bandido! — urrou a bruxa. Eu queria vingar em ti a
morte de meus irmãos.
Ia para retirar-se;
refletindo, porém, voltou para junto do príncipe e murmurou
rangendo os dentes:
— Este miserável
talvez não esteja morto — quem sabe? Vou colar à sua boca o meu
ouvido, para ver se ele respira ou se morreu.
Era o que Sucna Murga
esperava. Num abrir e fechar de olho sacou da espada e cortou-lhe uma
das cabeças, e atirando-a ao chão, pôs-lhe um joelho no peito para
a acabar de matar.
Sentindo-se perdida,
ela implorou:
— Perdoa-me! Já
destruíste a minha família inteira e já cortasse uma das minhas
lindas cabeças. Perdoa-me!
— Perdoar-te-ei —
disse — quando me revelares o meio de eu regressar à terra
— Vai ao jardim do
meu irmão mais velho, o de três cabeças, e procura de dentro do
tanque das serpentes um crânio de cavalo que lá está. Tira-o de
longe com uma vara para que as serpentes não te mordam, e bate-lhe
sete vezes com um chicote. Logo se transformará num belo cavalo
branco. Pede-lhe o que quiseres que tudo ele fará.
Sucna Murga largou-a e
agradeceu-lhe.
Mas, em vez de se ir
embora, a bruxa, logo que se viu livre das mãos do príncipe,
virou-se num tigre e avançou ferozmente contra ele. Então Sucna
Murga puxou da espada, lutou com a fera e matou-a, decepando-lhe a
cabeça.
Foi depois ao palácio
que ela tinha indicado, tirou do tanque das serpentes o crânio de
cavalo que lá estava, deu-lhe sete vezes com um chicote e
imediatamente surgiu diante de si um cavalo muito branco e muito
lindo que lhe disse:
— Meu senhor! Eis-me
pronto a obedecer às vossas ordens. Antes de mais nada, porém,
ponde a mão na minha orelha direita e aí entrareis vestes
riquíssimas dignas de príncipe tão valoroso como sois. Tirai em
seguida, de minha orelha esquerda, uma sela e um bridão todo de
outro. Ajaezai-me cuidadosamente e montai.
— E onde me levarás?
— Fechai os olhos
logo que montardes e vereis depois.
Ele assim fez. Fechou
os olhos um instante, e logo que os abriu estava no reino de seu pai.
Perguntou, então, ao
cavalo:
— Onde se encontram
meus irmãos?
O cavalo contou-lhe
tudo o que tinha acontecido, e levou-o num momento à gruta da Pedra
Negra, onde eles se encontravam, presos à ordem do chefe dos ciganos
que roubaram as três infantas.
Sucna Murga
libertou-os, desbaratando os bandidos que os guardavam, e, montados
todos os três no cavalo mágico, partiram para o reino do Imperador
Branco. Lá, souberam que a princesa mais nova se ia casar dento de
poucos dias com um cigano, o qual afirmava ter vencido os gênios do
ar que a retinham em seu poder, bem como os que se haviam outrora
apoderado das outras princesas, igualmente conduzidas por ele à
corte do Império.
Faziam-se grandes
preparativos para a festa nupcial, e todas as ruas já estavam
belamente embandeiradas.
Como as três princesas
tinham deixado no Reino dos Gênios do Ar as suas coroas, o Imperador
lançara pregoes por toda parte oferecendo grande recompensa a quem
fosse capaz de lhes fazer três diademas iguais aos que dantes
possuíam.
Sabendo desse pregão,
Sucna Murga e os dois irmãos alugaram uma oficina de ourives,
disfarçaram-se em operários e mandaram dizer ao Imperador que
fariam trás coroas perfeitamente iguais às que as princesas tinham
dantes.
O Imperador despachou
logo um emissário à oficina com algumas barras de ouro a fim de que
fabricassem o mais rapidamente possível a coroa da princesa mais
velha.
— Volte amanhã
busca-la, — disse Sucna Murga.
Ao outro dia ele foi, e
Sucna Murga deu-lhe a coroa de Ileana que trouxera consigo do Reino
dos Gênios do Ar. Ileana pensou reconhece-la quando a pôs na
cabeça, mas logo lhe veio ao pensamento que só Sucna Murga a
poderia ter trazido do palácio do Gênio, e — e isso era
impossível, pois o cigano retirara a corrente, único meio de
descida.
No dia seguinte outro
emissário do Imperador levou mais barras de ouro para que os três
ourives fabricassem a coroa da princesa Diana.
— Volte amanhã
busca-la.
No outro dia, quando o
emissário voltou, Sucna Murga, fingindo ter terminado o trabalho
naquele momento, deu-lhe a coroa esquecida pela princesa no palácio
do gênio que aroubara.
Ela julgou
reconhece-la, mas, pensando como Ileana que jamais Sucna Murga
poderia ter regressado à terra, suspirou apenas e não disse nada.
Chegou a vez de ir o
cigano encomendar a coroa da princesa Mariana. Foi e, diante dos
ourives (que ele nem por sombra desconfiou serem os três príncipes
disfarçados) gabou-se de ter matado os gênios e de ter libertado as
princesas.
— O senhor não viu
por lá ninguém da terra?
— Ninguém.
— Nem Sucna Murga?
— Sucna Murga foi
assassinado pelos gênios. Não cheguei a tempo de o salvar. Era um
covarde e um fracalhão. Os irmãos dele também foram mortos,
coitados! Bem... deixemos estas conversas, porque eu só gosto de
falar a príncipes e reis, e não a reles oficiais de ourives como
tu. quando estará pronta a coroa de minha noiva?
— Amanhã, senhor.
O cigano voltou no dia
seguinte e levou a coroa. Mas a pôs na cabeça, a princesa Mariana
viu imediatamente que era aquele o seu diadema antigo. Deu então uma
gostosa gargalhada, toda satisfeita com a idéia de que Sucna Murga
estava por perto e que o cigano iria receber o seu pago muito em
breve.
Ora, como a princesa
Mariana jamais se rira desde que fora capturada pelo cigano, ele,
muito naturalmente, ficou espantando com semelhante gargalhada, e
perguntou-lhe:
— Por que estais
alegres?
— Porque me vou casar
a meu gosto.
O cigano ficou todo
babado, — não sabendo que com aquilo ela queria unicamente dizer
que Sucna Murga havia de chegar e então se casaria a seu gosto,
casando-se com ele.
Não se enganava.
No dia marcado para o
casamento, veio a toda a pressa um arauto anunciar ao Imperador que
estava às portas da cidade um grande rei, chegado do Reino dos
Diamantes Negros a fim de assistir às bodas da princesa.
O Imperador mandou-o
convidar para o jantar e ele foi. Deram-lhe logo à mesa o lugar de
honra, tão imponente e tão bem trajado ele vinha, montado num
soberbo cavalo cor de neve, com arreios todos recamados de ouro e
pedrarias. Ninguém reconhecera Sucna Murga a não ser Mariana, que
lhe sorrira em silêncio,, a transbordar de contentamento. Ele trazia
uma cabeleira postiça, e falava num tom de voz diferente, para que
não descobrissem.
Quando o cigano se
estava gabando de ter vencido os três gênios, Sucna Murga
atalhou-o:
— Já que você é
assim tão forte, estenda o braço e veja até onde é capaz de me
levar na palma da mão.
— Aqui estou eu que
sou capaz!
E estendendo o braço
convidou o cigano a pôr-se em pé na palma de sua mão.
O cigano assim o fez,
cuidando que ele não agüentasse, mas, com grande espanto de todos,
o suposto rei manteve o braço estendido, sem arrear. Depois segurou
fortemente o bandido pelas pernas, caminhou até a janela e atirou-o
à rua, onde ele se estatelou e morreu despedaçado.
— Bravo, Sucna Murga!
— exclamou a princesa Mariana. Bravo!
Sucna Murga tirou então
a cabeleira postiça, deu-se a conhecer aos presentes, e contou, com
aplauso e testemunho das três princesas, tudo o que se havia passado
desde que saíra a libertá-las.
Os dois irmãos, que o
esperavam em baixo, subiram nesse momento ao salão do banquete, onde
eu também me encontrava convidado pelo Imperador Branco, e abraçaram
Sucna Murga enaltecendo-lhe publicamente os feitos gloriosos.
O pai dos príncipes,
instruído, antecipadamente de tudo, tinha entrado junto com seus
dois filhos mais velhos.
A alegria dos dois
imperadores foi enorme, e houve bailes e festas publicas em ambos os
paises, durante seis meses contados.
Sucna Murga, que sempre
foi e ainda é muito meu amigo, pediu-me o ano passado que contasse a
vocês a sua história, para que vocês aprendessem também a ser
bravos, generosos, leais, e anão ter medo de coisa alguma a não
ser de praticar ações indignas. Eu, que me habituei com ele a
manter a minha palavra, prometi-lhe escrever as suas aventuras e
cumpri agora a minha palavra.
lutou
com a fera e matou-a, decepando-lhe a cabeça., chispando fogo pelas
narinas, com os cabelos c