terça-feira, 6 de maio de 2014

MERECE SER LEMBRADO III -- SUGNA MURGA


SUGNA MURGA

Era uma vez um imperador cognominado o “Imperador Branco”, pai de três filhas, cada qual mais sedutora. Guardava-as, porém, num castelo de bronze, com medo que os gênios as roubassem.
Tinha ele por vizinho outro imperador, chamado “Imperador Vermelho”, pai de três filhos também muito bonitos. João, o primogênito, de natureza tímida e fraca, apaixonou-se pela mais velha das princesas, Ileana. O segundo, Valdo mais valente e mais forte que João, amava a princesa do meio, cujo nome era Diana. E o terceiro Sucna Murga, o mais formoso e bravo dos irmãos, enamorara-se da princesinha mais nova, chamada Mariana.
Um dia o príncipe João pediu ao pai de Ileana que o deixasse ir passear com ela no jardim do palácio. O imperador, temeroso dos gênios, negou a principio. Mas o moço tanto pediu, tanto pediu, que ele afinal disse que sim.
Vocês não imaginam que preciosidade de jardim era aquele! Um parque maravilhoso, cheio de lindas flores e de árvores de mil qualidades, umas frutíferas, outras apenas decorativas, outras copadas e altas, — só para oferecerem no estio a sombra acolhedora dos seus ramos. Quantas vezes descansei debaixo delas!
Vinha gente de todo o mundo para admirar. Que jardim! Era tão grande, tão grande que mil jardineiros não bastavam para o tratar convenientemente como o imperador queria que ele fosse tratado.
Algum tempo Ileana e João foram passeando alegremente de mãos dadas. Súbito, o príncipe viu ao longe uma rosa muito bonita, e correu a apanhá-la, abandonando a mão da sua querida.
Imediatamente surgiu no céu uma nuvem escura, que veio descendo, descendo, descendo, envolveu a princesa e a levou.
Tudo isto se deu num abrir e fechar de olhos.
Quando o príncipe voltou, sorridente, com a rosa na mão para a oferecer a Ileana, debalde a procurou por toda parte. Desaparecera. Triste e vexado, regressou sozinho ao palácio, e o imperador só faltou morrer de desgosto ao saber o que tinha acontecido.
Algum tempo depois o príncipe Valdo pediu o pai de Diana que a deixasse ir passear com ele no jardim. Recordando-se do que sucedera á filha mais velha, ele a princípio disse que não, porém, diante da porfiada insistência do príncipe, cujo coração não se sentia disposta a conformar-se com a recusa, acabou anuindo.
Grande foi o contentamento da jovem quando se viu ao ar livre na companhia do seu amado. Oh! Como o tempo voava! Iam passeando muito absorvidos um no outro, quando de repente o príncipe viu uma linda flor num canteiro distante, e foi colhê-la, abandonando por um momento a sua princesa.
Logo uma nuvem baixou do céu, carregada e negra, e levou instantaneamente em seu bojo a formosa Diana.
Por mais que o príncipe depois a procurasse, não pode infelizmente encontrá-la. E de novo no palácio do imperador houve lamentações e lágrimas.
Passados alguns dias, Sucna Murga, o príncipe mais moço, rogou ao imperador que lhe permitisse ir passear no jardim com a sua bem-amada, a princesinha Mariana.
A começo, o imperador não quis ouvi-lo.
— Não! O destino de minhas duas filhas mais velhas ensinou-me a ter mais cuidado com a terceira. Para minha eterna mágua, basta que eu as tenha perdido a ambas.
Todavia, Sucna Murga foi tão insistente, pediu tanto, implorou de tal forma, que o imperador, afinal consentiu, embora com o coração oprimido e angustiado.
Foram os dois para o jardim e entretiveram-se longo tempo a cortar flores e arremessa-las — quando, súbito, havendo-se ambos casualmente afastado um do outro, desceu uma nuvem negra, faiscante, que envolveu a princesa e a levou embora consigo.
Instantes depois, o jovem buscou sua companheira e não a encontrou. Supôs, a princípio que ela estivesse brincando de esconder, e andou-a procurando por toda parte. Afinal, vendo que, sem dúvida, havia sido roubada pelos gênios, não teve remédio senão contar o caso ao imperador.
Vocês agora imaginem, se podem, a amargura que reinou, tanto naquele palácio como no do imperador Vermelho. Ambos decretaram luto por dez anos, e foi proibido que durante esse longo tempo qualquer pessoa tocasse música ou se risse. Havia apenas tristeza e desolação nas ruas!
Passados, porém, três meses e um dia, Sucna Murga e os irmãos resolveram a ir libertar as princesas ao Reino dos Gênios do Ar.
Foi assim:
Uma tarde, Sucna Murga, o mais novo dos três (que era, como já disse, o mais forte) matou uma pulga. Vocês naturalmente não ignoram que as pulgas tinham naquele tempo dez metros de altura, usavam sapatos de ferro pesando centenas de toneladas, e davam cada pulo que chegavam às nuvens ou atravessavam os mares. As viagens que hoje se fazem de aeroplanos, faziam-se então a cavalo em pulgas domesticadas.
Ora, com os sapatos de ferro da pulga mandou Sucna Murga fabricar uma corrente que chegasse da terra ao céu, e propôs em seguida a seus irmãos:
— Vamos juntos procurar as nossas princesas?
— Vamos.
Carregando então a corrente às costas, Sucna Murga atravessou com eles todos os reinos da terra, até chegar ao fim do mundo, onde o céu também acaba e é tão baixo que quase se toca na crista dos montes.
Aí disse ao irmão mais velho que atirasse uma ponta da corrente ao beiral do céu. o irmão mais velho atirou, mas não com suficiente força para que ela chegasse lá.
Convidou, em seguida, o irmão do meio. O irmão do meio atirou e a corrente foi mais longe do que tinha ido primeiro, mas não chegou ao beiral do céu.
Então Sucna Murga pegou a corrente, arremessou-a com toda força e ela ficou presa, bem presa em cima.
Depois de puxar e ver que estava segura, pediu a João que subisse. João subiu até ao meio, porém, quando olhou para baixo e quase não avistou os irmãos, ficou trêmulo de pavor e desceu a toda pressa.
Valdo subiu até além do meio, mas também não teve coragem de prosseguir. Desceu também.
Então Sucna Murga abraçou-os e disse-lhes:
— Agora vou eu. Vocês não saiam deste lugar. Esperem que eu agite a corrente. Será o sinal de que matei os gênios e libertei nossas amadas.
Subiu.
Quando chegou ao céu, encontrou-se numa larguíssima estada que conduzia ao Reino dos Gênios do Ar. Foi seguindo por ela afora, até que deu diante de si com um fortíssimo palácio. Entrou, e qual o seu espanto ao deparar com a princesa Ileana!
Ela mal pôde acreditar no que via, e nem teve ânimo de escutar como tinha ele conseguido chegar ali.
— Vou lutar com o gênio que vos tem presa e libertar-vosada que conduzia ao Reino dos Genios a, bem presae da terro ao centenas de toneladas, e dav.
— Ai de vós! Ides morrer, Sucna Murga. É um gênio forte, muito forte!
— Deixai isso por minha conta. Eu só quero saber o que é que ele come por dia.
— Ele come cinco bois assados e cinco fornadas de pão. Bebe cinco pipas de vinho. Às vezes, mais... E quando bate à porta é preciso que tudo esteja pronto, a mesa posta, e a comida nem quente, nem fria.
A última palavra já ele a não ouviu, pois soou nesse instante uma tremenda pancada no portão do jardim que fez abalar todo o palácio.
Sucna Murga perguntou:
— Onde me posso esconder para o poder atacar de improviso?
— Debaixo da ponte de cobre, — respondeu Ileana. — Ele terá que atravessa-la para entrar em casa, e aí podereis ataca-lo de improviso.
Sucna Murga escondeu-se e breve escutou um barulho semelhante ao ribombar de dez trovões. Era o gênio regressando.
Quando o cavalo em que vinha montado chegou junto da ponte, empinou-se e principiou a relinchar assustado, sem querer passar avante.
— De que tens medo? — inquiriu o gênio.
— Tenho medo de Sucna Murga, — respondeu o cavalo.
— Ora que tolice! Nenhum vento trouxe ainda a esta parte do mundo um cabelo sequer da sua cabeça.
A estas palavras, Sucna Murga, de um salto, postou-se em frente do gênio e gritou:
— Mentes, cachorro! Não só o meu cabelo, mas todo o meu corpo está aqui. Eu vim brigar contigo!
Por um momento ficou o gênio aterrado, mas em breve readquiriu o sangue frio, e perguntou:
— De que maneira queres que briguemos? Correndo um atrás do outro, jogando a espada ou lutando corpo a corpo?
— Das três maneiras! — respondeu Sucna Murga.
O gênio começou a correr, mas o cavalo, amedrontado, caiu por baixo dele. Então puxou a espada, mas Sucna Murga arrancou-lha e quebrou-lha. Ai atracaram-se um ao outro.
Passado um momento, o príncipe levantou-o com força e atirou-o violentamente ao chão, obrigando-o a ajoelhar-se. Mas o gênio pulou pegou em Sucna Murga e fê-lo, por sua vez, ajoelhar-se no chão. Sucna Murga endireitou-se e, segurando no pescoço do gênio, estendeu-o por terra. então, mais do que depressa, desembainhou a espada, cortou-lhe a cabeça e arremessou-lhe o cadáver para debaixo da ponte. Em seguida entrou no palácio, anunciou a Ileana o seu bom êxito e, após haver descansado algum tempo, comeu e bebeu à vontade, com grande alegria da princesa agora para sempre liberta.
No dia imediato continuou o seu caminho e foi ao palácio onde a princesa Diana estava encarcerada, palácio ainda maior e mais lindo que o primeiro.
Tal como sua irmã, Diana mal pôde acreditar no que via. Sentiu-se, contudo, um pouco animada quando ele lhe contou que matara o carcereiro de Ileana, irmão gêmeo do que a tinha presa o do que roubara a princesa mais nova.
— Este, porém, que me guarda, é bem mais forte do que o irmão e tem duas cabeças.
— Deixai isso por minha conta. Eu só quero saber o que é que ele come por dia.
— Ele come dez bois assados e dez fornadas de pão. Bebe dez pipas de vinho. Às vezes mais... e quando bate à porta é preciso que tudo esteja pronto, a mesa posta e a comida nem quente nem fria.
Ecoou nesse momento uma horrível pancada no portão do jardim que fez estremecer a casa inteira. Era o gênio que chegava.
— Onde posso esconder-me para o atacar de improviso?
— Debaixo da ponte de prata — respondeu Diana. — Ele terá que atravessa-la para entrar em casa.
Sucna Murga escondeu-se, e breve escutou um barulho semelhante ao retumbar de vinte trovões. O gênio aproximou-se, mas o cavalo em que vinha montado começou a relinchar transido de susto e não quis mais avançar um palmo.
— De que tens medo?
— Tenho medo de Sucna Murga.
— Ora que tolice! Nenhuma ave trouxe, ainda um cabelo sequer da sua cabeça para esta parte do mundo.
Ouvindo isto Sucna Murga pulou de sob a ponte e, enfrentando o gênio, disse:
— Mentes, cachorro! Eis não só o meu cabelo como todo o meu corpo diante de ti. aqui estou para brigar contigo.
O gênio ficou surpreendido um instante, mas, depois, recuperando o ânimo, indagou:
— De que maneira queres que briguemos? Correndo um atrás do outro, jogando a espada ou lutando corpo a corpo?
— Das três maneiras.
O gênio desatou a correr ma só cavalo caiu morto debaixo dele. Então arrancou da espada. Sucna Murga partiu-a. Aí pegaram a corpo a corpo. Sucna Murga achou a luta mais difícil do que a primeira, mas ainda assim pode forçá-lo a ajoelhar-se no chão. O gênio, porém, ergue-se e fez pior a Sucna Murga: abaixou-o a seus pés até à cintura. Sucna Murga viu-se atrapalhado mas não desanimou. Recobrando a energia, atirou-se desesperadamente o adversário e estatelou-o no chão. Rápido, sem perder um momento, sacou da espada e matou-o cortando-lhe os pescoços. Depois atirou-lhe o cadáver para debaixo da ponte, dirigiu-se à princesa Diana e disse, beijando-lhe a mão:
— Estais livre, senhora!
Em seguida entrou no palácio, comeu, bebeu e descansou durante vários dias.
Ao despedir-se da princesa que tudo fizera por lhe ser agradável durante essa curta permanência, declarou-lhe que ia libertar Mariana, sua noiva muito querida.
Continuou de jornada e encontrou, passadas algumas horas, um palácio maior e mais belo que os outros dois. Entretanto, viu chorosa a um canto de uma sala a sua princesinha, que pensou estar vendo num sonho quando ele a foi cumprimentar e lhe contou as suas anteriores aventuras:
— Ah! Meu amor! Este gênio que me guarda é muito mais forte do que os seus outros dois irmãos e tem três cabeças.
— Não vos dê esse cuidado. Dizei-me apenas o que é que come por dia.
— Ele come quinze bois assados e quinze fornadas de pão. Bebe quinze pipas de vinho. Às vezes mais... e quando bate à porta é preciso que tudo esteja pronto, a mesa posta e a comida nem quente nem fria.
Ma acabara de proferir estas palavras e eis que se escuta uma pancada violentíssima na porta do jardim.
Todo o palácio tremeu.
— É o gênio.
— Onde me posso esconder para o atacar de improviso?
— Esconde-te debaixo da ponte de ouro?
— Sucna Murga assim fez, e dentro em pouco ouviu um barulho semelhante a reboar de trinta trovões. O gênio veio-se chegando, mas o cavalo deu um espantoso relincho e aprumou-se todo tremente.
— De que tens medo?
— Tenho medo de Sucna Murga.
— Ora que tolice! Nenhum vento, nenhuma brisa trouxe ainda a esta parte do mundo um ´só fio de cabelo de sua cabeça.
— Mentes, cachorro! — disse Sucna Murga, pulando para a frente dele. Não só o meu cabelo, mas todo o meu corpo está aqui. Vim aqui brigar contigo libertar minha princesa.
Embora forte como era, o gênio atemorizou-se diante do aspecto irado de Sucna Murga. Mas recuperando em breve o sangue frio, redargüiu:
— Bem! Assim seja! de que maneira queres tu que briguemos? Correndo um atrás do outro, jogando a espada ou lutando corpo a corpo?
— Das três maneiras.
O gênio lançou o cavalo a galope, mas o cavalo caiu debaixo dele. Em seguida, puxou da espada. Sucna Murga tirou-lhe e quebrou-a. atracaram-se então corpo a corpo.
A luta foi tremenda! Eu estava de longe espiando. Ah! Nem me quero lembrar dos sustos que passei naquele dia, pensando que o gênio fosse capaz de matar o meu bom amigo Sucna Murga! Os osso de um e de outro chegavam a estalar no furor do combate, e os olhos parece que lhes saiam das órbitas, injetados, raiados de sangue. Depois de um quarto de hora de luta, o gênio pegou em Sucna Murga e fê-lo vergar de joelhos, mas Sucna Murga levantou-se depressa e fez também vergar os joelhos do gênio. Aí o gênio, desembaraçando-se do valente mancebo, segurou-o com força e pelo meio do corpo e ele quase tombou por terra: o seu peito chegou a tocar no chão!
Eu arregalei os olhos, e gritei, fora de mim:
— Coragem, Sucna Murga!
Num instante ele aprumou-se de novo, e desta vez foi o peito do gênio que beijo a terra. havia em derredor tal nuvem de poeira levantada que eu mal os podia enxergar.
— Águias amigas! — disse por sua vez Sucna Murga. Ide molhar as vossas asas e vinde umedecer a minha língua, pois se sair ganhando nesta luta dar-vos-ei três cadáveres em vez de um só.
A estas palavras as águias foram depressa molhar as asas e vieram umedecer a língua de Sucna Murga. Assim refrescando, a sua força voltou-lhe e, com um desesperado, último arranco, atirou o gênio por terra e cortou-lhe as três cabeças num relance. Depois deu às águias os três corpos dos que mataram e voltou para o palácio de Mariana, onde passou com ela dias alegres e descanso, dias que eles desejavam não acabassem nunca mais.
Era forçoso, todavia, regressar à terra e entregar as três princesas ao Imperador seu pai.
Partiu. Quando chegou ao sítio em que estava acorrente, balançou-a e os irmãos, em baixo, souberam por esse sinal que ele fora bem sucedido em sua empresa.
Desceu as jovens uma após outra, e elas, com grande espanto, em vez de caírem nos braços dos príncipes, foram cair nos de um bando de ciganos que, há muito, vendo aquela enorme corrente, se tinha posto de emboscada e manietaram, minutos antes, os dois irmãos de Sucna Murga.
O chefe dos ciganos ordenou aos seus homens que prendessem os dois príncipes numa gruta, puxando toda a corrente para terra a fim de impedir que Sucna Murga de descer do céu, afastou-se sozinho com as três irmãs em direção à corte do Imperador Branco.
No caminho advertiu as princesas:
— Se disseres a vosso pai uma só palavra que me desminta, os dois príncipes serão imediatamente assassinados pelos do meu bando. Se não, se ficardes caladas, eu os porei em liberdade. Vou-me casar com a mais nova de vocês.
— Comigo! — replicou Mariana. Comigo? nunca!
— Nunca? Pensas talvez que Sucna Murga há de voltar? Jamais! E se não te quiseres casar comigo eu da mesma forma cortarei a cabeça dos dois irmãos dele que tenho sob meu poder.
Vendo-se sozinho no alto, sem esperança de voltar à terra, pois a corrente havia sido tirada, Sucna Murga vagueou ao acaso por lá, desgostoso com o que ele supunha ter sido ingratidão dos príncipes seus manos. Finalmente, não sabendo o que fazer, visitou de novo os palácios dos gênios onde encontrou as coroas que as três princesas aí tinham deixado por esquecimento, e saiu tristonho a passear no campo. Andou, andou, andou. Depois, fatigado, parou sob uma árvore enorme e deitou-se tranquilamente a dormir.
Não dormiu, porém, muitos minutos, pois, mal pegara no sono, um grande rumor ao longe o despertou. Era uma nuvem escura que se aproximava relampejando pelos lados. Ao chegar perto de Sucna Murga, saiu de dentro dela uma bruxa de duas cabeças negra, chispando fogo pelas narinas, com os cabelos crespos em desalinho, semelhante a um furioso demônio.
Sucna Murga não se moveu. Fingiu que estava dormindo, mas imperceptivelmente, lançou a mão ao punho da espada.
— Como lamento que estejas morto, bandido! — urrou a bruxa. Eu queria vingar em ti a morte de meus irmãos.
Ia para retirar-se; refletindo, porém, voltou para junto do príncipe e murmurou rangendo os dentes:
— Este miserável talvez não esteja morto — quem sabe? Vou colar à sua boca o meu ouvido, para ver se ele respira ou se morreu.
Era o que Sucna Murga esperava. Num abrir e fechar de olho sacou da espada e cortou-lhe uma das cabeças, e atirando-a ao chão, pôs-lhe um joelho no peito para a acabar de matar.
Sentindo-se perdida, ela implorou:
— Perdoa-me! Já destruíste a minha família inteira e já cortasse uma das minhas lindas cabeças. Perdoa-me!
— Perdoar-te-ei — disse — quando me revelares o meio de eu regressar à terra
— Vai ao jardim do meu irmão mais velho, o de três cabeças, e procura de dentro do tanque das serpentes um crânio de cavalo que lá está. Tira-o de longe com uma vara para que as serpentes não te mordam, e bate-lhe sete vezes com um chicote. Logo se transformará num belo cavalo branco. Pede-lhe o que quiseres que tudo ele fará.
Sucna Murga largou-a e agradeceu-lhe.
Mas, em vez de se ir embora, a bruxa, logo que se viu livre das mãos do príncipe, virou-se num tigre e avançou ferozmente contra ele. Então Sucna Murga puxou da espada, lutou com a fera e matou-a, decepando-lhe a cabeça.
Foi depois ao palácio que ela tinha indicado, tirou do tanque das serpentes o crânio de cavalo que lá estava, deu-lhe sete vezes com um chicote e imediatamente surgiu diante de si um cavalo muito branco e muito lindo que lhe disse:
— Meu senhor! Eis-me pronto a obedecer às vossas ordens. Antes de mais nada, porém, ponde a mão na minha orelha direita e aí entrareis vestes riquíssimas dignas de príncipe tão valoroso como sois. Tirai em seguida, de minha orelha esquerda, uma sela e um bridão todo de outro. Ajaezai-me cuidadosamente e montai.
— E onde me levarás?
— Fechai os olhos logo que montardes e vereis depois.
Ele assim fez. Fechou os olhos um instante, e logo que os abriu estava no reino de seu pai.
Perguntou, então, ao cavalo:
— Onde se encontram meus irmãos?
O cavalo contou-lhe tudo o que tinha acontecido, e levou-o num momento à gruta da Pedra Negra, onde eles se encontravam, presos à ordem do chefe dos ciganos que roubaram as três infantas.
Sucna Murga libertou-os, desbaratando os bandidos que os guardavam, e, montados todos os três no cavalo mágico, partiram para o reino do Imperador Branco. Lá, souberam que a princesa mais nova se ia casar dento de poucos dias com um cigano, o qual afirmava ter vencido os gênios do ar que a retinham em seu poder, bem como os que se haviam outrora apoderado das outras princesas, igualmente conduzidas por ele à corte do Império.
Faziam-se grandes preparativos para a festa nupcial, e todas as ruas já estavam belamente embandeiradas.
Como as três princesas tinham deixado no Reino dos Gênios do Ar as suas coroas, o Imperador lançara pregoes por toda parte oferecendo grande recompensa a quem fosse capaz de lhes fazer três diademas iguais aos que dantes possuíam.
Sabendo desse pregão, Sucna Murga e os dois irmãos alugaram uma oficina de ourives, disfarçaram-se em operários e mandaram dizer ao Imperador que fariam trás coroas perfeitamente iguais às que as princesas tinham dantes.
O Imperador despachou logo um emissário à oficina com algumas barras de ouro a fim de que fabricassem o mais rapidamente possível a coroa da princesa mais velha.
— Volte amanhã busca-la, — disse Sucna Murga.
Ao outro dia ele foi, e Sucna Murga deu-lhe a coroa de Ileana que trouxera consigo do Reino dos Gênios do Ar. Ileana pensou reconhece-la quando a pôs na cabeça, mas logo lhe veio ao pensamento que só Sucna Murga a poderia ter trazido do palácio do Gênio, e — e isso era impossível, pois o cigano retirara a corrente, único meio de descida.
No dia seguinte outro emissário do Imperador levou mais barras de ouro para que os três ourives fabricassem a coroa da princesa Diana.
— Volte amanhã busca-la.
No outro dia, quando o emissário voltou, Sucna Murga, fingindo ter terminado o trabalho naquele momento, deu-lhe a coroa esquecida pela princesa no palácio do gênio que aroubara.
Ela julgou reconhece-la, mas, pensando como Ileana que jamais Sucna Murga poderia ter regressado à terra, suspirou apenas e não disse nada.
Chegou a vez de ir o cigano encomendar a coroa da princesa Mariana. Foi e, diante dos ourives (que ele nem por sombra desconfiou serem os três príncipes disfarçados) gabou-se de ter matado os gênios e de ter libertado as princesas.
— O senhor não viu por lá ninguém da terra?
— Ninguém.
— Nem Sucna Murga?
— Sucna Murga foi assassinado pelos gênios. Não cheguei a tempo de o salvar. Era um covarde e um fracalhão. Os irmãos dele também foram mortos, coitados! Bem... deixemos estas conversas, porque eu só gosto de falar a príncipes e reis, e não a reles oficiais de ourives como tu. quando estará pronta a coroa de minha noiva?
— Amanhã, senhor.
O cigano voltou no dia seguinte e levou a coroa. Mas a pôs na cabeça, a princesa Mariana viu imediatamente que era aquele o seu diadema antigo. Deu então uma gostosa gargalhada, toda satisfeita com a idéia de que Sucna Murga estava por perto e que o cigano iria receber o seu pago muito em breve.
Ora, como a princesa Mariana jamais se rira desde que fora capturada pelo cigano, ele, muito naturalmente, ficou espantando com semelhante gargalhada, e perguntou-lhe:
— Por que estais alegres?
— Porque me vou casar a meu gosto.
O cigano ficou todo babado, — não sabendo que com aquilo ela queria unicamente dizer que Sucna Murga havia de chegar e então se casaria a seu gosto, casando-se com ele.
Não se enganava.
No dia marcado para o casamento, veio a toda a pressa um arauto anunciar ao Imperador que estava às portas da cidade um grande rei, chegado do Reino dos Diamantes Negros a fim de assistir às bodas da princesa.
O Imperador mandou-o convidar para o jantar e ele foi. Deram-lhe logo à mesa o lugar de honra, tão imponente e tão bem trajado ele vinha, montado num soberbo cavalo cor de neve, com arreios todos recamados de ouro e pedrarias. Ninguém reconhecera Sucna Murga a não ser Mariana, que lhe sorrira em silêncio,, a transbordar de contentamento. Ele trazia uma cabeleira postiça, e falava num tom de voz diferente, para que não descobrissem.
Quando o cigano se estava gabando de ter vencido os três gênios, Sucna Murga atalhou-o:
— Já que você é assim tão forte, estenda o braço e veja até onde é capaz de me levar na palma da mão.
— Aqui estou eu que sou capaz!
E estendendo o braço convidou o cigano a pôr-se em pé na palma de sua mão.
O cigano assim o fez, cuidando que ele não agüentasse, mas, com grande espanto de todos, o suposto rei manteve o braço estendido, sem arrear. Depois segurou fortemente o bandido pelas pernas, caminhou até a janela e atirou-o à rua, onde ele se estatelou e morreu despedaçado.
— Bravo, Sucna Murga! — exclamou a princesa Mariana. Bravo!
Sucna Murga tirou então a cabeleira postiça, deu-se a conhecer aos presentes, e contou, com aplauso e testemunho das três princesas, tudo o que se havia passado desde que saíra a libertá-las.
Os dois irmãos, que o esperavam em baixo, subiram nesse momento ao salão do banquete, onde eu também me encontrava convidado pelo Imperador Branco, e abraçaram Sucna Murga enaltecendo-lhe publicamente os feitos gloriosos.
O pai dos príncipes, instruído, antecipadamente de tudo, tinha entrado junto com seus dois filhos mais velhos.
A alegria dos dois imperadores foi enorme, e houve bailes e festas publicas em ambos os paises, durante seis meses contados.
Sucna Murga, que sempre foi e ainda é muito meu amigo, pediu-me o ano passado que contasse a vocês a sua história, para que vocês aprendessem também a ser bravos, generosos, leais, e anão ter medo de coisa alguma a não ser de praticar ações indignas. Eu, que me habituei com ele a manter a minha palavra, prometi-lhe escrever as suas aventuras e cumpri agora a minha palavra.











MERECE SER LEMBRADO III -- RUMPLETISTEQUIM


RUMPLETISTEQUIM


Era uma vez um moleiro que tinha uma filha formosíssima, inteligente e sagaz. O pai nunca se cansava de elogiá-la a propósito de tudo o que ela sabia.
Um dia, tendo ido ao palácio do rei, declarou mentirosamente que ela era capaz de fiar e transformar em fios de ouro, no pequeno espaço de uma ou duas noites, qualquer monte de palha, embora grande.
Ora, o rei andava muito necessitado de ouro. Quando ouviu tamanha gabolice do moleiro, ordenou-lhe que trouxesse imediatamente a filha à sua presença.
Ao estudar semelhante ordem, o pobre moleiro arrependeu-se do que tinha dito, mas era tarde. Teve de trazer a filha à presença do rei. O rei levou-a a um quarto onde havia grande quantidade de palha amontoada no chão, deu-lhe uma roca de fiar e disse:
— Toda esta palha deverá ser transformada em fios de ouro até amanha de manhã; quando não, mandar-te-ei enforcar.
A infeliz menina sentou-se a um canto e principiou chorando que fazia dó. De repente, porém, a porta do quarto abriu-se e um extravagante anãozinho entrou, cumprimentando a sorrir:
— Bons dias, pequena! Por que estás chorando assim?
— Ai! — respondeu a moça. O rei mandou-me que transformasse toda esta palha em fios de ouro e eu não sei como começar...
— O que é que tu me darás se eu fiar tudo como o rei deseja?
— O meu colarzinho! Dou-te o meu colarzinho que é muito bonito!
O anão aceitou, guardou o colar e, sentando-se no chão, fiou toda a palha que estava no quarto. E a palha ficou transformada em fios de ouro.
Alegrou-se o rei, e grandemente se surpreendeu ao ver aquilo. Mas, ambicioso como era, encerrou a filha do moleiro num quarto maior e mais cheio de palha, dizendo:
— Ou me fias tudo isto em ouro ou te mando enforcar amanhã!
A moça desatou outra vez num grande choro, supondo que jamais poderia escapar à forca, porém, o mesmo anãozinho abriu a porta e perguntou:
— Que me dás se eu fizer o que o rei te mandou fazer?
— Dou-te o meu anel de brilhante!
O anão aceitou e, como da vez primeira, transformou toda aquela palha em fios de ouro.
O rei ficou muitíssimo alegre ao ver tão grande riqueza, mas não se sentiu ainda satisfeito, conduziu a filha do moleiro a outro quarto ainda maior, todo cheio de palha até ao teto, e assim falou:
— Se transformares toda esta palha em fios de ouro casar-me-ei contigo; se não mandar-te-ei enforcar amanhã.
Mal o rei saiu, entrou o anãozinho e perguntou:
— Que me darás tu, se eu te fiar toda esta palha e a transformar em ouro?
— Nada mais possuo que te possa dar, respondeu a moça.
— Então, promete-=me que me darás o teu primeiro filho quando fores rainha.
A moça prometeu, pensando consigo que era grande bobagem isso de ela chegar a ser rainha. E o anãozinho transformou toda a palha em fios de ouro.
O rei veio na manhã do dia seguinte e, vendo que a filha do moleiro tinha dado conta da tarefa, casou-se com ela conforme prometera, porque palavra de rei não volta atrás.
Daí a um ano a rainha teve o seu primeiro filho, e ficou muito alegre, muito alegre, não se lembrando mais da promessa que outrora tinha feito ao anãozinho que t4res vezes a ajudara.
Mas, se ela se esquecera , o anãozinho não. Apareceu um dia no palácio e foi ao quarto da rainha reclamar o seu lindo bebê.
— Você me prometeu. Tem de mo entregar!
Ela, coitada! Ficou feito morta. E tanto chorou, tanto chorou, que o anãozinho, por fim, condoído do seu pranto, disse:
— Dou-te três dias. Se no fim de três dias você adivinhar como eu me chamo, consentirei em que fique com a criança.
A rainha despachou logo mensageiros por todos os reinos da terra e do mar, a fim de procurarem saber todos os nomes do mundo, pois um deles seria certamente o do anãozinho. Eu, que era um desses mensageiro, dirigi-me ao Reino das Montanhas Brancas, montado num cavalo que à noite voava como o vento e de dia como o pensamento.
O anãozinho veio no dia seguinte e eu ainda não tinha chegado de volta. a rainha perguntou-lhe se ele se chamava Timóteo, Benjamim, Jeremias, Nicolau, e todos os nomes de que se lembrava, mas ele, a cada pergunta, respondia apenas, secamente:
— Não. Não é esse o meu nome!
No segundo dia eu ainda não tinha chegado de volta. a rainha perguntou-lhe se ele se chamava Pafúncio, Anastácio, Brederodes e todos os nomes engraçados de que se lembrou. Ele respondia sempre:
— Não. Não é esse o meu nome!
No dia seguinte eu cheguei logo de manha cedo no meu cavalo que de noite andava como o vento e de dia como o pensamento. A rainha logo me mandou chamar e eu, curvando-me numa grande reverência, disse:
— Real Senhora! Ontem de tarde, estando a mil milhões de léguas daqui, no Reino das Montanhas Brancas, já desanimado, depois de dois dias de pesquisas infrutíferas, pois não encontrara até então pessoa alguma que não tivesse nome bastante vulgar, — enxerguei no cimo de um monte chamado o Monte dos Feitiços, uma cabana toda coberta de palha e guardada por duas serpentes voadoras. Aproximei-me devagarinho, para ver, escondido, quem é, que morava ali, quando saiu de dentro dela um anão muito extravagante, que principiou a dançar, batendo as palmas e cantando:
Eu ganharei lindo menino
Lindo menino ganharei;
Pois que ninguém sabe o meu nome
E eu a ninguém nunca direi!

Eu não me chamo Benedito,
Nem Januário, nem Joaquim!
Meu nome é muito mais bonito
Meu nome é Rumpletistequim!

Mal ouviu isto, a rainha pulou de contente e presenteou-me como cavalo em que eu tinha feito a maravilhas viagem, cavalo que ainda hoje possuo e que me leva muitas vezes ao pais encantado dos gênios e das fadas.
— Você chama Benedito?
— Não. Não é esse o meu nome!
— Chama-se Januário?
— Não. Não é esse o meu nome!
— Chama-se Joaquim!
— Não. Não é esse o meu nome!
— Então como se chama você? Será por acaso Rumpletistequim?
O anão ficou furioso!
— Foi algum feiticeiro que te disse o meu nome. Foi! Foi um feiticeiro que te disse o meu nome! Foi! Foi um feiticeiro que te disse o meu nome!
E bateu o pé no chão com tanta força que rompeu o soalho e se afundou para debaixo da terra, cheio de raiva, desesperado, rangendo os dentes.
Depois disso, nunca mais apareceu à rainha.


MERECE SER LEMBRADO III -- O JARDINEIRO DO REI


O JARDINEIRO DO REI



Era uma vez um rei viúvo que se tornou a casar. Tinha da primeira mulher um filho muito querido. A nova rainha, porém, não o amava, e intentava por todos os meios perde-lo no coração do rei. Como este a não escutasse, ela vivia cheia de despeito, decidida a desembaraçar-se do príncipe, fosse de que maneira fosse.
Ora, um dia em que o rei tinha ido caçar onças na Montanha Negra, ela pegou na taça de ouro por onde ele costuma beber, encheu-a de hidromel e pingou dentro algumas gostas de veneno.
À noite o rei chegou mal humorado, porque uma onça estripara o seu cavalo favorito. Disse-lhe então a rainha, mostrando-lhe a taca de ouro sobre a mesa:
— Reparai no que fez vosso filho ingrato. Vos que o defendeis sempre, defendê-lo-eis também agora? Espiando pelo buraco da fechadura, eu o surpreendi pondo veneno em vosso hidromel.
— Senhora, isso é impossível!
— Se não me acreditais, daí esse hidromel ao cachorro e vereis o que sucede.
— Bem, — disse o rei. Vou fazer isso.
E misturou o hidromel na comida do cachorro. Logo que o pobre animal começou a beber, caiu rígido, com as quatro patas no ar, o ventre inchado — morto!
— Menti? — perguntou a rainha.
— Ah, senhora! — exclamou o rei ébrio de dor e de cólera. Por que vos não quis ouvir antes?
O príncipe, em vão protestou sua inocência. Desta vez o rei acreditou na madrasta.
— Levai-o ao mais denso da floresta, — ordenou aos soldados — e cortai-lhe a cabeça.
Para assegurar-se de que a ordem seria fielmente executada, acrescentou:
— E trazei-me o seu coração e a sua língua.
Começaram os soldados a caminhar com o príncipe no meio deles, e atravessaram assim toda a capital do reino. Por toda parte o povo se amontoava para o ver e lhe beijar as mãos, pois ele era muito querido.
— Meus amigos, — dizia o príncipe, — acreditais que sou culpado?
— Não, não! — respondia o povo.
Naquele reino, todo o mundo chorava.
Os soldados tinham também o coração oprimido. Mas que podiam eles fazer? uma ordem é uma ordem. Em vão lhes rogava o príncipe que o deixassem com vida, garantido-lhes que ninguém saberia de coisa alguma pois ele iria para muito longe, muito longe, e não regressaria nunca mais.
— Pobre de nós! — respondiam eles. De muito boa vontade vos pouparíamos a vida, porém, o rei exige que lhe levemos o vosso coração e a vossa língua. Se não lhe obedecermos seremos enforcados.
O príncipe teve então uma idéia:
— Apanhai um cachorro, degolai-o em meu lugar e levai ao rei o seu coração e a sua língua. Fazei isto por mim! Eu estou inocente. Foi de certo minha madrasta quem, para me perder, derramou veneno na taça de ouro de meu pai.
Os soldados, contentes por evitar assim um crime que de antemão lhes pesava nas consciências, seguiram o conselho do príncipe, e deixaram-no ficar sozinho no meio da floresta, não sem lhes suplicar que jamais voltasse à capital do reino.
— Ide tranqüilos, — disse o príncipe. Não sofrereis nunca por me haverdes dado a liberdade.
Quando os homens de armas apresentaram ao rei a suposta língua e o suposto coração do filho, ele voltou a cabeça e afastou-se sem dizer palavra.
O príncipe internou-se pela floresta e foi andando, foi andando, até que chegou ao término dela. Atravessou em seguida outra selva, e mais outra, — e encontrou-se afinal em um país desconhecido. Caminhou errante por espaços de muitos dias sem encontrar alma vivente, quando, uma tarde, bem ao cair da noite, esbarrou com um ancião que lhe propôs entrar ao seu serviço.
— Com muito gosto, — disse o príncipe, pois estava cansado e cheio de fome.
O velho conduziu-o à casa, levou-a à cavalariça, onde havia apenas uma égua, e confiou-lhe o cuidado de a tratar.
— Penteia-lhe as crinas, prende-a bem à manjedoura e da-lhe de comer duas vezes por dia.
E — coisa surpreendente! — acrescentou:
— Sobretudo, não lhe poupes pancada. Bate-lhe com um pau sempre que possas e até ficares cansado de bater.
Depois, apontando-lhe um poço, a curta distância, coberto de um todo espesso, disse:
— Vês aquele poço?
— Vejo.
— Pois bem, — advertiu-lhe o ancião, — guarda-te de espiar o que nele existe. Arrepender-te-ás se o fizeres.
O príncipe servia muitos anos em casa do velho. Nunca foi ver o que havia dentro do poço. Tratava da égua, mas não lhe batia, porque gostava dos animais. O velho, também, nunca vinha à cavalariça, — naturalmente porque era pouco curioso. Lá de vez em quando perguntava:
— Deste uma boa coça na égua?
— Bati-lhe a valer. Está com o lombo todo ensangüentado!
— Muito bem, meu rapaz! Continua.
Um dia o ancião saiu de viagem, e o príncipe, tendo ficado só, sentiu um desejo irresistível de saber o que havia dentro do poço misterioso. Não quis tirar o toldo, com receio de não saber depois coloca-lo direito no seu lugar, o que, infalivelmente, o denunciaria. Limitou-se, portanto, a levantar um pouco uma das extremidades da coberta e a meter dentro do poço o dedo mindinho da mão direita. Quando retirou a mão, — oh, surpresa! — tinha o dedo dourado. Intentou limpa-lo, esfregou, lavou-o, mas em vão! Trabalho perdido! O dedo ficava sempre dourado, por mais que ele o ensaboasse e raspasse. Compreendeu então que o velho era um mago. Temendo a sua cólera, envolveu o dedo num lenço fino.
— Assim, — pensou, — ele não dará conta da minha desobediência.
Engano! Quando o mago regressou e lhe viu o dedo embrulhado, soube imediatamente o que tinha acontecido mas, fingindo que não sabia, perguntou-lhe se se tinha machucado.
— Foi um rato que estava num saco de aveia e me mordeu quando eu ida dar de comer à égua.
— Um rato? Estás certo de que foi um rato? Parece-me que o rato foste tu, que quiseste ver o que havia no meu poço e ficaste pegado. Perdôo-te por esta vez, mas não repitas a aventura.
Outro dia em que o mago saíra de viagem, o príncipe, estando a limpar a cavalariça, ouviu, com grande espanto, que a égua o chamava pelo nome. voltou-se a ela disse-lhe:
— Nunca me bateste porque és bom. vou recompensar-te.
— Como?
— Vai ao poço, tira o toldo que o recobre, lava a cara na sua água e verás...
Seguiu o príncipe o conselho, e os seus cabelos se converteram em fios de ouro, leves e tênues como seda.
— Agora, — disse a égua, — desata-me, pula sobre mim e fujamos!
Correram com a rapidez do vento, — do vento minuano cuja carreira vertiginosa coisa alguma pode deter.
O mago persegui-os, mas não lhes pôde fazer mal, porque em poucas horas a égua transpôs a fronteira do país, onde o poder dele terminava.
Chegaram a outro reino distante. O príncipe desceu da égua, cujas narinas fumegavam, deitou-se no chão e, cansado com estava por aquela correria louca, adormeceu profundamente. Ao despertar volveu a montar na égua, que também tinha dormido, e saiu trotando ligeiramente pela estrada. Dentro de poucas horas chegaram à vista de um castelo, residência do velho monarca daquele país. Então a égua tomou outra vez a palavra e disse-lhe:
— Precisas de arranjar modo de vida. quanto a mim a coisa é simples, vou para o campo. Em todo lugar há erva com que me sustente. O teu caso é mais difícil. Dirige-te ao castelo do rei. Ele tem falta de jardineiro, e talvez tu consigas agradar-lhe. antes de mais nada, porém, envolve a tua cabeça num pano para que ninguém suspeite que são de ouro os teus cabelos. Além disso, finge-te de mudo.
— Por que, égua?
— Não queiras saber por que. Segue os meus conselhos e verás.
— Compreendido.
— Bem. Agora, adeus! Vem ver-me de quando em quando, e se te encontrares em dificuldades pensa em mim.
Dito isto, a égua trotou para um bosque que havia perto e o jovem seguiu caminho do castelo. O rei gostou dele e contratou-o como jardineiro.
Este rei tinha três filhas. E todas três se sentiram desgostosas ao ver que seu pai havia tomado como jardineiro um homem de cabeça vendada, e mudo ainda por cima. Achando-o muito feio, batizaram-no com o nome de Mudo-Espanto e foram se queixar ao monarca.
— Bom, minha filhas! Não se aflijam por causa do jardineiro. Arranjarei outro, quando aparecer. Por agora, todavia, conservarei Mudo-Espanto.
O príncipe tratou de fazer o serviço da melhor maneira possível! Quando não sabia qualquer coisa ia em busca da égua, que sempre lhe dava ótimos conselhos. Tão bem se desempenhou da sua tarefa, que dentro em breve o rei se convenceu da excelente escolha que fizera. Nunca tivera em seu jardim rosas tão belas e árvores tão bem tratadas como agora!
— Afinal de contas, — disse um dia, um jardineiro não precisa de ser formoso.
E decidiu que não tomaria outro.
Quando as princesas encontravam Mudo-Espanto nas avenidas do parque, voltavam-lhe a cabeça com enfado, — à exceção da mais nova, que era muito bondosa e tomava sempre a defesa do jardineiro se as outras falavam mal dele. As irmãs reprovavam-lhe aqueles gostos vulgares, mas ela não fazia caso.
Um dia em que o príncipe se julgava sozinho, tirou o pano da cabeça e começou a pentear os seus cabelos dourados. Precisamente nessa ocasião a princesinha mais nova, que era um tanto curiosa, estava espiando por uma fresta do muro. Imaginai a surpresa dela quando viu serem de ouro puro os cabelos de Mudo-Espanto! Não disse nada a ninguém, mas tomou daí por diante, com maior afinco, a defesa do jardineiro. As irmãs tratavam-na de louca!
Passaram-se muitos meses. Um belo dia o rei do país declarou guerra ao da nação vizinha. Mudo-Espanto deixou a pá e a enxada, e foi procurar a égua.
— Bons dias, égua!
— Bons dias, amigo. Sei perfeitamente o que te traz aqui.
Havia no chão, junto dela, uma armadura de ouro.
— Veste essa armadura, — disse a égua ao príncipe, — monta em mim e vamos pelejar.
O príncipe vestiu a armadura, montou na égua, que já estava perfeitamente ajaezada, e foi para a guerra marchando a todo galope. Quando chegou ao campo de batalha o exército inimigo estava quase vencedor e o rei olhava desesperadamente para os seus soldados sem ânimo, que começava a empreender a fuga em debandada. Já os “cornetas” iam tocar a retirada, quando Mudo-Espanto surgiu e mandou que se calassem. Avançou sem medo contra o inimigo, precipitou-se no mais acesso da peleja e levou os soldados à vitória. A sua coragem causava admiração até aos próprios adversários, que em menos de uma hora se renderam e se confessaram vencidos.
O rei, naturalmente, ficou satisfeitíssimo e quis, depois do combate, recompensar o esforçado guerreiro. O príncipe, porém, tinha-se apressado em regressar ao bosque, e o monarca teve de voltar para o castelo sem saber o nome do seu misterioso salvador.
Vestido novamente de jardineiro, — ninguém suspeitou que fosse Mudo-Espanto o famoso cavaleiro misterioso. Ele trabalhava de manhã à noite, nunca se esquecendo, todavia, de mandar todas as tardes um soberbo buquê de rosas à princesinha mais nova, que se convertera em escárnio das irmãs e de alguns cortesãos desejosos de agradar às duas.
Pela segunda vez estalou a guerra. O jardineiro tornou ao bosque, onde já encontrou a égua toda ajaezada de prata.
— Bons dias, égua! Sabes ao que venho?
— Já te esperava. Põe em esta armadura branca, monta em mim e marcharemos.
Quando chegaram ao local do combate a situação do rei era desesperada. Cercados por todos os lados, os soldados batiam-se ao acaso e feriram-se uns aos outros. Os chefes estavam decididos a render-se. A derrota era inevitável!
Eis, porém, que Mudo-Espanto surge na vanguarda das tropas, e avança, de espada erguida contra o formidável exército inimigo. Reanimam-se os soldados ao reconhecer o cavaleiro misterioso que da outra vez os salvara, e marcham entusiasmados sob o seu comando, dispostos a morrer ou a vencer. Em poucos minutos a sorte da batalha muda por completo, e o adversário tem de fugir por fim.
O rei, jubiloso em extremo, queria a todo custo agradecer a quem pela segunda vez o salvara. Mudo-Espanto, porém, abriu caminho por entre a multidão entusiasta que o aclamava, e foi de novo trata do seu jardim.
Contrariado pelo que sucedera, o monarca regressou triste ao castelo, e muito tempo ficou aborrecido por ter feito, embora involuntariamente, o feio papel de homem ingrato.
Durante seis semanas não se falou no reino de outra coisa senão no cavaleiro de armas brancas. O rei, entretanto, procurava por todas as formas achar um meio de descobrir o seu misterioso salvador. E eis o que resolveu:
Com pretexto de festejar a vitória, organizou um grande baile ao qual todos os súditos do reino seriam obrigados a comparecer, sob pena de terrível castigo. As princesas também assistiriam, do balcão do castelo real. E cada uma delas teria na mão uma pelota de ouro que, a um sinal dado, lançariam no ar. Aquele sobre quem a pelota caísse poderia escolher para esposa uma das três. Eram pelotas mágicas, oferecidas ao rei por um grande feiticeiro seu amigo. Ele supunha que o bravo cavaleiro viesse.
No dia designado para o baile todos os súditos se juntaram no parque do palácio, que era formidavelmente grande. Quando o rei surgiu no balcão com as três filhas, fez-se imediatamente em todo o parque um silêncio enorme. A um sinal do monarca a princesa mais velha arremessou a sua pelota, que deu três voltas no ar e foi cair suavemente sobre a cabeça de Mudo-Espanto.
— O meu jardineiro! Resmungou o rei. Ter-me-ia enganado o feiticeiro?
— Não! Não! — gemeu a princesa, desfazendo-se em pranto. Não quero semelhante marido!
— Tem toda razão! — gritaram os cortesãos indignados.
Um mocinho bobo e pretensioso que se queria casar com ela, fazia mais barulho que ninguém e repetia com voz de falsete:
— Tem toda razão! Tem toda razão!
Decidiu-se repetir a prova.
Desta vez a princesa arremessou a pelota para o lado oposto àquele em que se encontrava o jardineiro. A bola, porém, voltou no ar, e ia outra vez tombar-lhe na cabeça, quando ele, abaixando-se de repente, e fez cair em cheio sobre o nariz do mocinho gritador. A princesa regozijou-se porque ele era o seu namorado.
A pelota da segunda princesa caiu também na cabeça do jardineiro. O rei indignou-se, a menina chorou, a multidão, gritou, e a prova foi repetida. Como da vez primeira, o jardineiro abaixou-se e a bola caiu na boca de uma fidalgo barrigudo que namorava aquela filha do rei.
Chegou a vez da princesinha mais nova. Adiantou-se com a sua pelota e arremessou-a. ela deu três voltas no ar e foi cair no rosto do jardineiro.
— Isso já é demais — bradou o rei.
— Que repita! — gritou a multidão.
— Não! — disse a princesa. — Eu aceito o jardineiro por esposo. Sorte é sorte.
Começaram todos a protestar, o soberano ficou roxo de cólera, mas em vão! A princesinha manteve a sua palavra.
— Senhora! — disse o jardineiro, aproximando-se dela. — achais-me muito feio?
— Não, Mudo-Espanto!
— Tendes vergonha de vir a possuir um marido como eu?
— Não, Mudo-Espanto!
Anuncio-se o casamento, com grande escândalo da corte. Para mitigar a má impressão que daria com toda certeza o noivo-jardineiro caminhando ao lado da princesinha na festa nupcial, decidiu o rei que as três se casassem no mesmo dia. E esse dia finalmente chegou. Todos os convidados se reuniram na grande sala de recepções do castelo. Eram onze horas da manhã. Os dois primeiros noivos estavam já muito ocupados em fazer corte às suas duas prometidas. Só o jardineiro tardava.
Procuraram-no por toda parte e não o encontraram. Ninguém sabia o que pensar de semelhante desaparição...
— Certamente fugiu, — disse o rei. Talvez se tenha envergonhado à última hora.
Estava todo satisfeito por isso. E os cortesãos também. A princesinha, — coitada!! — com o coração cheio de angústia, não se atrevia sequer a chorar, pois sentia pousados sobre ela os olhares escarnecedores de toda a corte de seu pai.
Subitamente, ao dar do meio-dia, ressoou um toque vibrante de clarim! Os convidados correram às janelas e viram, pela avenida de palmeiras que conduzia à porta principal do castelo, avançar, magnificamente montado, o cavaleiro de armas brancas que duas vezes salvaram o reino.
— Oh! Meu príncipe! Perdoai-me! Há muito tempo que eu ansiava, como rei deste país, apresentar-vos os meus respeitos.
— Majestade! Sou o filho de um poderoso monarca e venho buscar a minha prometida.
— Vossa prometida? Príncipe! Que contratempo! Que infelicidade não terdes vindo alguns dias antes! As minhas filhas já escolheram noivos. A mais nova decidiu casar-se com o meu jardineiro, um joão-ninguém que só sabe cavar e regar as plantas. Parece-me, porém, que ele fugiu. Se assim foi, podeis casar-vos com ela.
— Majestade! — eu sou o jardineiro de quem falais. Tive de esconder a minha cabeça porque os meus cabelos são de ouro, e guarde silêncio para vos ensinar a julgar as pessoas, não pelo que dizem, mas pelo que fazem.
— Ah! Príncipe! Se eu soubesse...
O rei ficou deslumbrado por ter semelhante genro, e a princesinha pulava de contente. As duas maiores estavam muito despeitadas, e olhavam de revés, — uma para o seu fidalgo barrigudo, outra para o seu mocinho bobo de com voz de falsete.
As bodas foram esplêndidas. Depois do banquete o príncipe foi à cavalariça agradecer à égua, — disse-lhe ela — trataste-me bem quando eras criado do feiticeiro. Paguei-te dando-te bons conselhos e servindo-te. Achas que fui alguma vez má para contigo?
— Nunca! Nunca! Sempre foste boa.
— Pois agora, — príncipe, — sabes tu quem sou eu ?
— Não, égua! Não sei.
— Sou tua madrasta. Fui eu quem te caluniou ao rei teu pai. Na mesma noite do meu crime fui transformada em égua e condenada a expiar as minhas faltas na cavalariça daquele feiticeiro a quem foste servir. Só poderia ficar livre quando te devolvesse em bem todo o mal que te causara. Terminei por fazer-te! Tu perdoas-me, príncipe?
— Oh! Senhora! — disse o príncipe, beijando-a.
— Se me perdoaste, corta-me a cabeça!
— Isso nunca!
— Não deixes de me fazer este favor. Só assim ficarei totalmente liberta.
O príncipe sacou então a espada e cortou a cabeça da égua, que imediatamente se transformou em nuvem e desapareceu no ar. Tinha acabado o seu castigo.
Decorrido os tempos das festas conduziu o príncipe a sua linda mulherzinha à corte do rei seu pai, que ainda vivia e passava as noites lamentando a ordem cruel que outrora havia dado. Não se imagina a alegria que ele sentiu ao ver novamente o filho que supunha morto, e ao sabe-lo casado com a filha de um dos grandes monarcas seus vizinhos.
Houve bailes públicos e banquetes de regozijos durante três meses e três dias. Eu não estive lá para assistir, mas minha avó, que esteve, contou-me que nunca vira um casal mais bonito e festas mais suntuosas que aquelas!





MERECE SER LEMBRADO III -- O CONDOR ENCANTADO


O CONDOR ENCANTADO


Em tempos muito remotos, quando os ratos comiam os gatos e os anões venciam os gigantes (isto é o que diz a história e eu sei mesmo que é verdade) — aconteceu que o Rei dos Pássaros foi a um descampado e espalho no chão cinco alqueires de grãozinhos de milho. Depois, tocou uma buzina, reuniu todas as aves, e disse-lhes que apanhassem o milho espalhado e o dividissem irmãmente entre si. Quando os pássaro escutaram o toque da buzina, vieram de todas as partes do mundo e dividiram entre si o milho, tal como o rei tinha ordenado.
Mas depois de o haverem dividido (Francamente! Sei como isto sucedeu!) ficou sobrando o grãozinho mais pequenino. Voaram todos para apanhar. Primeiro, um exigiu-o. outro, em seguida, afirmou que lhe pertencia. Correu logo um terceiro e gritou que o dono era ele: que fazia parte do seu quinhão. E palavra puxa palavra, — ao fim de cinco minutos já ninguém mais se entendia e pegaram todos furiosamente a brigar.
Tamanho barulho fizeram e tanto brigaram, que afinal os que escaparam vivos da batalha viram-se com as asas ou as pernas quebradas, para não se poderem rir dos que jaziam mortos no chão. Todo aquele lugar ficou coberto de penas, de sangue, e de aves moribundas ou sem vida.
O Condor Encantado, que viera de além do mar e tomara parte no conflito, teve partida a asa direita. Quando se viu assim com a asa direita partida, retirou-se tão depressa quanto possível, voando devagar, devagar, até atingir uma densa floresta onde as árvores eram tão grandes que nem dez homens podiam abraçar o troco delas, e tão altas que ninguém lhes podia avistar o cimo, ainda que tivesse seis olhos em vez de dois. Ali pousou mansamente, sobre um dos ramos mais baixos.
Pouco tempo depois de ele pousar, veio-se um homem aproximando com uma espingarda, e fez pontaria para o matar.
— Olá, caçador! Não me mate. Tira-me daqui para baixo, devagarinho, e leva-me para tua casa até eu ficar bom quem sabe cedo ou tarde eu te prestarei bons serviços?
Quando o caçador ouviu o pássaro falar com voz humana, baixou a espingarda e esperou que ele acabasse.
Depois, levantou novamente a espingarda e mirou.
— Espera um pouco, bom homem! baixa a espingarda! Tu deves compreender que não te estou ameaçando. Eu sou amigo. Sou camarada!
E o pássaro foi dizendo uma coisa atrás de outra, para o convencer a não atirar.
A terceira vez o caçador ainda mirou, mas resolvido por fim a poupa-lo, tirou-o para baixo e levou-o embora devagarinho, pensando:
— Quem sabe? Talvez que este curioso pássaro me traga sorte, pois fala com voz humana.
Quando chegou à casa pôs emplastro na asa direita do condor e experimentou uma porção de remédios. Decorridos sete dias, pediu-lhe o pássaro que matasse uma vaca, visto necessitar de comer alguma coisa. E comeu a vaca inteira.
No dia seguinte voltou a pedir-lhe que matasse outra vaca, declarando-se cheio de fome.
— Está tudo muito bem, Condor amigo! — replicou o homem, — mas se isto for sempre assim, fico a pedir esmola...
— Pouco importa, disse o Condor. Eu sei o que estou fazendo. Deixa-te guiar por mim e não te apoquentes. Pensa só que se não cumprires as minhas ordens não te poderei valer.
— Bem, mas...
O homem lá foi pensativo. “Escuta agora! Por quanto tempo poderei eu ir matando vacas? Enfim, vamos ver o que sucede...”
O caso é que deu todos os dias ao Condor uma vaca a comer, até ficar sem nenhuma.
No dia em que matou a última rês, disse-lhe o Condor que espetasse uma vara de trinta pés de altura no meio do chão, mas que a enterrasse apenas um bocadinho.
O homem assim fez.
Logo depois, o Condor Encantado arrancou a vara, e agarrando-a com as unhas voou para longe, — tão longe, tão longe que ficou a perder de vista. Quando já não avistava, o homem — coitado! — murmurou chorando:
— Ora vejam! Tolo que eu fui. O Condor comeu as minhas vacas e agora fugiu.
E começou coçando a cabeça, desapontado. Enquanto estava assim coçando a cabeça e lamentando, com sua mulher, a desgraçada sorte que tinha — ouviu ao longe um rumor de asas. Voltou-se, e viu o Condor Encantado baixando veloz como um relâmpago lá das alturas do céu. desceu, desceu e arremessou a vara ao chão. Depois atirou-a para mais longe, com a asa que estivera ferida. Então, fitando o homem, disse:
— Isto foi só para experimentar a minha força. Agora vamos partir. Eu levo-te nas minhas costas.
E partiram.
Quando eles já estavam muito, muito alto, perto do Reino das Tempestades, o Condor sacudiu o homem das costas e deixou-o cair, mas logo o tornou a segurar com as garras. Por três vezes o tornou a apanhar, colocando-o novamente nas costas. Depois, disse ao homem:
— Tu meteste-me igual susto quando por três vezes me quiseste matar com a espingarda. Paguei-te na mesma moeda!
Passando isto, continuaram voando por bastante tempo, até que chegaram a um palácio radiante de luz. Luz tão forte, que uma pessoa poderia mais facilmente fitar o Sol ao meio-dia, sem pestanejar, do que olhar para tal palácio.
O Condor Encantado disse-lhe:
— Este é o palácio de minha irmã, que me julga morto. Vai pedir-lhe humildemente uma esmola. e pede-lhe também uma noz azul que está debaixo do seu travesseiro. Quando ela te der a esmola, diz assim: Nosso Senhor vos abençoe! que esta dádiva seja em beneficio de qualquer alma que disso tenha necessidade. E oxalá que o Condor Encantado viva feliz onde porventura estiver.
— Muito bem, — conveio o homem. — Assim farei.
E lá foi.
Quando chegou ao palácio da irmã do Condor e recebeu a esmola, disse:
— Deus vos abençoe. possa esta esmola beneficiar qualquer alma que disso preciso. E oxalá que o Condor Encantado viva feliz onde quer que se encontre!
— Como? Ele ainda vive? — perguntou a irmã do Condor cheia de alegria. Se assim é, por que me não vem ver? por onde é que ele anda?
— Creio que vem vindo para aqui, — retrucou o homem. dai-me a noz azul que está debaixo do vosso travesseiro, que ele vira com certeza dentro em pouco. Ele necessita de fazer não sei o que com essa noz.
— Isso são palavras. Nada mais. Palavras, leva-as o vento. Eu já não vejo meu irmão há muitíssimo tempo e duvido que o torne a ver. mas mesmo que não torne, a noz azul é que não darei.
Quando ouvir esta recusa, o homem voltou ao lugar onde deixara o Condor e contou-lhe tudo qual como tinha acontecido.
— Bom! — fez o Condor. Monta nas minhas costas e vamos ao palácio do meu irmão.
Partiram novamente voando. Ao atingirem a casa do irmão do Condor (mais bonita ainda que a da irmã), o homem desmontou das costas do pássaro e foi, como da vez anterior, pedir-lhe uma esmola e a noz azul que estava debaixo do travesseiro.
— Eu já não vejo meu irmão há muitíssimo tempo e não creia que possa tornar a vê-lo. Mas ainda que pudesse não te ia agora dar a noz azul que está debaixo do meu travesseiro.
Vendo o Condor Encantado que o irmão também se negava a dar-lhe o que pedia, foi ao palácio de sua mulher, muito mais rico e maior do que qualquer dos primeiros.
Junto do palácio havia um poço muito fundo. Disse o Condor ao homem:
— Vai e puxa a corda da roldana do poço, até que ela chie. Escutarão lá dentro o barulho e virão perguntar-te quem és. Dirás que és uma pessoa a mando do Condor Encantado.
O homem foi, puxou a corda, e logo a roldana chiou. Ouviu-se, então, de dentro, noz azul que estava debaixo do travesseirontecido.
palacio. o torno uma voz de mulher perguntar:
— Quem está aí? Olha que eu tenho um cão com unhas e dentes de aço, e se o solto ele far-te-á em pedaços.
— Sou um pobre mensageiro do Condor Encantado.
Quando a mulher ouviu falar em Condor Encantado, veio imediatamente à porta, convidou-o a entrar, e pôs a mesa e deu-lhe de comer e de beber. Depois perguntou-lhe que notícias trazia do seu marido.
— Felizmente, trago boas novas. Ele está bom e forte. Ficou doente uma vez, com uma asa quebrada, mas breve sarou, e agora mandou-me aqui pedir-vos a noz azul que está debaixo do vosso travesseiro. Ele precisa dessa noz para qualquer coisa que eu ignoro.
— Dar-te-ei a noz azul. Até a vida eu daria, se acaso ele precisasse dela.
E entregou a noz ao homem, que se despediu agradecendo a bela recepção e o modo por que tinha sido tratado, e a foi imediatamente ao Condor, todo cheio de alegria.
Recebida a noz, o Condor mandou o homem montar-lhe de novo nas costas, pois desejava transporta-lo à casa. E assim partiram de jornada.
Quando chegaram perto da casa, o homem saiu das costas do Condor, e este lhe disse:
— Toma esta noz azul que te ofereço. Ao sentires desejos ou necessidade de recursos, abre-a cuidadosamente com a ponta do teu canivete, e dela sairão pássaros, bois, rebanhos de carneiros, etc. vende o que quiseres, mata os que quiseres, e torna a colocar o resto dentro da noz, estalando este pequeno chicote. Adeus!
Logo que o Condor Encantado partiu, o homem pos a noz no bolso e o chicote no saco, e seguiu descansadamente o seu caminho. Pouco tempo depois chegou a uma linda floresta, enorme e sombria, com altas árvores e verdes matos. Cansado como estava de ter viajado muito, sentou-se à sombra de uma grande mangueira e adormeceu para recuperar as forças perdidas. Pegou no sono e só acordou à tardinha, quando já era sol-posto.
Sentindo-se, então, muito impaciente por ver o que poderia sair da pequenina noz azul, não quis esperar até chegar à casa; tomou o canivete e abriu-a.
Que aconteceu?
Parecia que todas as manadas e rebanhos do mundo estavam dentro da noz, pois dela saíram animais em tal número que breve encheram aquele lugar, alastrando-se e cobrindo completamente uma légua em derredor. Não havia somente vacas e bois com chifres de um metro de comprido; gordos carneiros com lã semelhante a seda; fogosos cavalos; mulas e burros; mas também lebres, veados, corças, cabras, porcos, — toda espécie de animais úteis para comer.
Quando o homem viu toda esta riqueza, alegrou-se em extremo e esfregou os olhos pensando estar ainda a dormir. Não esta. Era, pois verdade. Ei-lo rico de um momento para o outro. Rico! Fabulosamente rico! E pôs-se a dançar feito maluco, até que deliberou pegar no chicote e fazê-lo estalar, a fim de recolher novamente todos os animais na noz quebrada.
Mas, para pegar numa coisa, pé preciso encontra-la.
Olhou aqui, olhou, ali, para cima, para baixo, por toda a parte, — porém o saco estava vazio e o chicote havia desaparecido.
Coitado! Enquanto ele estivera dormindo, viera um ladrão para roubar e, não lhe encontrando dinheiro na bolsa, levara-lhe o chicote como consolação. Que infelicidade!
E agora?
O que iria fazer agora o pobre homem com todos aqueles animais? Conduzi-los e leva-los para casa, não era bem pensado. Será possível levar toda aquela porção de animais para casa? Alguns já se tinha espalhado pela floresta.
Sentou-se, então, num tronco de árvore e, chorando desesperadamente, amaldiçoou a hora em que havia adormecido.
Chorava ainda o infeliz, quando desse se aproximou Tartacó, — anão de palmo e meio de altura, com uma barba de um metro de comprimento, montado num coelho cor de cinza e coxo de uma perna. Aproximou-se e disse-lhe:
— Bom homem! sei o que te incomoda. Eu possa reunir todos os teus animais e mete-los na noz quebrada. Farei isso com a condição de me dares a esperança da tua casa.
— Como sou desgraçado! Ninguém me deixou esperança em casa quando, há algumas horas, parti com o Condor Encantado.
— Não te importes com isso. Promete-me só o que te peço, e porei todos os animais dentro da noz.
— Se assim é, — disse o homem — aceito.
— Muito bem, — declarou Tartacó. Estamos então de pleno acordo.
E tirando do meio da barba um pequeno chicote, não tão grande como o dedo mindinho, fê-lo estalar três vezes.
Logo todos os animais entraram apressadamente para a noz. O homem, fechando-a, colocou-a no bolso, e Tartacó deu-lhe o chicote, a fim de que o usasse quando dele tivesse necessidade. Depois desapareceu, e o homem continuou a jornada para casa. No caminho, perto de um poço, encontrou um jovem muito forte com um saco às costas.
— O meu nome é Tudor. Vou para onde meu pai me mandou. Ele deu-me ao anão Tartacó que tem uma barba de um metro de comprimento e anda montado num coelho coxo.
E continuou o seu caminho.
Lembrou-se, então, o pobre homem que, ao sair de casa, despedindo-se de sua mulher, lhe tinha ela prometido uma criança. provavelmente nascera essa criança depois que ele partira.
Ah! Era então o seu filho, a sua esperança, a vida da sua vida que Tartacó lhe tinha levado! E chorou com amargura.
Também, quem lhe diria que a sua viagem fora tão longa? Parece que partira a algumas horas apenas, e já lá iam mais de quinze anos.
Tristemente, com o coração magoado, foi o bom homem para casa, onde sua mulher o esperava tão desolada e tão aflita como ele.
Tudor andou um ano e um dia antes de chegar à casa de Tartacó. O anão mostrou-lhe quais eram os seus deveres, e como o rapaz era hábil e forte, depressa aprendeu. Tartacó ganhou-lhe amor e tratava-o muito bem, fazendo tudo para lhe agradar.
Ora, perto do reino de Tartacó havia o estado de Drago, rei feiticeiro, que tinha uma filha de olhos pretos e brilhantes, boca pequena, faces rosadas, e bonita como ninguém. Não se parecia nada com o pai. Certamente
a mãe fora boa criatura. Mas pouco nos importa o que a mãe tenha sido; para nós é suficiente saber que Tudor se enamorou dela, e tão profundamente que, quando não via, sentia-se completamente perdido.
A moça, rodeada como estava de todas as espécies de horríveis duendes e feiticeiros, tão feios como é possível imaginar-se, — enamorou-se também de Tudor. Sabendo, porém, que o velho Drago não consentiria nunca no casamento, decidiram fugir e, certa noite, Tudor montou num cavalo que Tartacó lhe dera e abriu caminho com a moça na garupa.
Logo de manhã cedo, a velha mãe de Drago sentiu que eles tinham desaparecido, e mandou o filho rapidamente em sua perseguição. Quando ele os estava quase alcançando, a moça (que sabia perfeitamente todas as artes mágicas), notou que qualquer coisa de mau se passava e mandou o moço olhar para traz e dizer o que via. Depois de ter voltado a cabeça, Tudor gritou:
— Vem aí um corvo preto atrás de nós!
— É o meu terrível pai! Vou já mudar-me numa igreja e tu mudas-te num frade em pé na minha frente.
Transformaram-se num abrir e fechar de olhos, e o corvo preto foi voando sempre, olhando de revés para a igreja, pois nenhum feiticeiro pode passar por uma igreja e olhar para ela direito. Depois de ter voado um pouco mais, perdeu-os de vista e tornou para casa. Tudor e a moça voltaram então à forma humana e continuaram a jornada.
Quando Drago chegou à casa e disse à mãe não haver encontrado vestígios do par fugido, tendo visto somente uma pequena igreja e um padre, — a velha deu-lhe tal murro nos ouvidos que os miolos sacudiram dentro da cabeça.
Eu sei que isto foi assim, porque entre feiticeiros as mulheres são piores do que os homens, e quando estão de mau humor nenhum valente pode com elas.
— O que tu viste eram eles mesmo. Tu nunca fazes nada de jeito! Levanta-te, corre atrás deles e agarra-os. Por que esperas? Trá-los cá, e eu lhe s ensinarei o que é fugir.
Drago voltou a persegui-los. ao chegar perto deles, a moça disse outra vez a Tudor:
— Olha agora para trás e vê o que vem.
— Vem uma galha preta ardente!
— Muda-te já num guarda floresta e eu em floresta!
O mágico passou novamente por eles, e não soube que o guarda da floresta e a própria floresta eram o moço e a moça. Drago não compreendia tão bem estas coisas como sua mãe. Voltou para casa sem sucesso.
Quando a velha bruxa o escutou, ficou tão furiosa que lhe cuspiu no rosto. Depois, embrulhou-se na sua grande capa negra, montou num cabo de vassoura, bateu nele três vezes com uma pena de galo preto, e imediatamente voou trinta léguas, — aproximando-se muito dos fugitivos.
Vendo a moça que a avó (cuja capacidade e esperteza ela conhecia) voava em sua perseguição ficou deveras um tanto amedrontada. Mas, depois de pensar um momento, transformou-se num lago com três pés de lodo no fundo e o moço transformou-se num pato nadando à tona d’água.
Quando a bruxa deu com o logo e o pato, logo soube que um era a moça e o outro o moço. O pato mantinha-se no meio do lago. Ela não o podia apanhar, porque a moça recomendara a Tudor que de forma alguma chegasse à beira do lago, ou abrisse os olhos, — até a velha desaparecer.
A mãe de Drago tentou seduzir o rapaz por muitas maneiras, ofereceu-lhe bons biscoitos para comer, belos pratos para esgaravatar, mas o pato não se moveu: conservou-se sempre no seu lugar.
Percebendo que não havia meio de induzir o pato a vir à beira do lago, — o que foi que ela fez, o diabo da velha? Como bruxa malvada que era, virou-se repentinamente para ele, e disse:
— Vou matar agora mesma a minha neta. Olha!
Tudor, aflito, pensou que fosse verdade e abriu os olhos. Foi o que ela quis, arrancou-lhos e, deixando-o cego, fugiu.
Assim que ela se foi, Tudor e a moça voltaram à forma humana.
— E agora? — perguntou a moça. Eu bem te recomendei que não abrisse os olhos. Tu deixaste-te enganar pela velha e por causa disso estás cego. Contudo, espero em breve remediar esse mal. Fica um instante aqui. Vou tentar apoderar-me dos teus olhos.
A mãe de Drago, cansada da jornada, tinha-se deitado na floresta à sombra das árvores e caído em sono profundo. Chegando ali e vendo-a dormir, a moça abriu a mão, onde ela conservava os olhos de Tudor, tirou-lhos e colocou no seu lugar dois pedaços de lodo. Quando a velha acordo, pos as pernas por cima dos ombros e vi-se embora voando no seu cabo de vassoura. Ao entrar em casa, o filho perguntou-lhe:
— Então o que é que você fez? Que sucesso teve?
— Eu não sou uma idiota como tu. Arranquei os olhos do rapaz. Aqui estão eles. Repara!
Mas ao abrir a mão para mostrar os olhos, viu que trouxera apenas duas bolas de lama.
— É esse o sucesso de que você se ufana? — escarneceu o filho.
A feiticeira ficou de boca aberta. Drago, então, avançou para ela e deu-lhe tal murro nos ouvidos que os olhos lhe saltaram do rosto e caíram no fogo. Ela ficou cega e estourou de raiva. Pum!
Quando o jovem para se achou livre e salvo de tantas perseguições, encaminhou-se para a casa do pai de Tudor, o qual ainda conservava a noz azul que o Condor Encantado lhe dera. Tornara-se com a sua posse o homem mais rico do país, e vivia com a mulher num grande palácio. A única tristeza dos dois era a falta do filho querido.
Tudor casou-se com a moça. Todos a acharam lindíssima e de coração bondoso. Tiveram muitos filhos, e foram felizes até morrer.
Houve grandes festas e muita alegria.
Sabem vocês quem veio ao casamento deles?
Tartacó montando no seu coelho coxo e cor de cinza.
O presente que ofereceu foi o melhor de todos, pois o anão era inimigo de Drago e tinha grande amizade a Tudor. Deu-lhe um palácio mais lindo e mais suntuoso do que o palácio do rei. E ficou sendo uma das suas visitas mais assíduas. Quem diria que Tartacó era tão generoso?
E o Condor Encantado? O que foi feito dele?
Depois de deixar o homem que o tinha salvo e aquém tornara tão rico dando-lhe a noz da abundancia, — voou pelo mundo afora durante muito tempo a fim de conhecer todas as terras. Passados alguns meses, sentindo-se cheio de saudades de sua mulher, resolveu fazer-lhe uma surpresa e ir visita-la. Bateu as asas e foi.
Ora, a mulher do Condor costumava estar sempre à janela do palácio o dia inteiro, esperando que em qualquer ocasião ele voltasse. Assim, quando o enxergou ao longe, estendeu-lhe os braços, louca de alegria. E ao vê-lo perto de si, beijou-o muito comovida, chorando de tanta satisfação.
Logo, porém, ao dar-lhe o primeiro abraço, o Condor voltou à forma humana e transformou-se num príncipe lindíssimo, tal como era antes de ser encantado. É que nesse momento morria no reino de Drago a velha bruxa, e quebrava-se o encanto que ela lhe pusera e que o trouxera longos anos feito pássaro. A mãe de Drago quisera-se casar outrora com o formoso príncipe, apesar de ter então duzentos anos e ele apenas quinze. O príncipe negara-se (está claro) e ela, por vingança, transformara-o em Condor no dia do seu casamento com a filha do rei do País das Esmeraldas.
O regozijo no palácio foi enorme. Houve festa um ano inteiro. O irmão e a irmã do príncipe vieram pedir-lhe desculpa de não haver outrora dado a noz azul ao mensageiro que ele lhes mandara. O príncipe perdoou, e ficaram todos muito amigos.