OS MÚSICOS DE BREMEN
OU OS QUATRO COMPANHEIROS DE VIAGEM
Era noite.
Atrás da cavalariça
dois homens conversavam. Era Valentino que combinava com outro, matar
Pinga-fogo e tirar-lhe a pele para vende-la a um seleiro. Pinga-fogo,
ouvindo aquela sinistra combinação, entristeceu-se pensando:
— Ora! Tantos anos
trabalhei para meu amo! Tantas vezes puxei o arado que revirou
aterra, tornando-a fecunda! Tantas vezes fui à cidade com as
vasilhas de leite! Agora que envelheci, já cansado, sem forças para
pegar o trabalho como dantes, meu amo me trata assim!
E o burro, triste e
abatido, esperou a madrugada para fugir. Havia de encontrar trabalho
mais fácil, e quem sabe se não seria no coro de Bremen? Ah! Era
isto o que lhe servia. Tinha boa voz e havia de ser bom músico.
E Pinga-fogo partiu. Ia
triste, cabisbaixo, quando viu um cão atravessar a estrada numa
carreira louca.
— Aonde vai você,
amigo cão?
O cão, arfando de
cansaço, não pôde responder logo ao burro. Depois, contou sua
triste história.
— Ah! Já não valho
mais nada. Trabalhei anos a fio, acompanhando meu amo à caça. Era
eu quem surpreendia sempre a presa e a perseguia par ao meu dono.
Agora, porque não tenho mais aquela agilidade de outros tempos, meu
amo quer matar-me.
— Ora, venha comigo.
Você há-de arranjar também um lugar no coro. Vou ser músico em
Bremen.
O cachorro alegrou-se
com aquelas palavras e partiu com Pinga-fogo.
Adiante, bem adiante,
ouviram um miado triste, triste de cortar o coração. O burro e o
cão procuraram por ali o gato e o encontraram estirado numa moita.
— Que tem você,
amigo que está tão triste? Perguntou o burro.
— Ah! Como posso
estar alegre? Estou ficando velho, não posso dar conta dos ratos,
que são muitos, na despensa de meu dono, por isso escaramuçaram-me
e, agora, aonde ir?
— Ora, vamos para
Bremen. Você é entendido em música noturna. Há-de arranjar lugar
no coro, como eu e o nosso amigo cão.
O gato mais animado,
acompanhou o burro e o cão.
E lá foram os três,
estrada afora. Ao passarem por uma fazenda, eis que ouvem os gritos
ensurdecedores de um galo.
— Você está fazendo
um barulhão, amigo galo, que aconteceu?
— Ah! Meus amigos! eu
estava cantando a beleza da tarde. A patroa e a cozinheira acharam
que eu era muito barulhento e, resolveram assar-me para o almoço.
Desculpas!
— Oh! Venha conosco!
Nós vamos cantar em Bremen. O timbre de sua voz faz falta ao coro.
E lá se foram o galo,
o cão, o gato e o burro a caminho de Bremen.
A noite surpreendeu os
quatro companheiros em plena mata, o que os fez para continuar viagem
no dia seguinte. Cada um procurou a melhor maneira de se acomodar
para passar a noite.
O burro e o cão
puseram-se debaixo de um arbusto.
O gato trepou num
galho, e o galo foi acomodar-se no galho mais alto de uma árvore,
para ficar em segurança.
Circunvagando o olhar
pelas redondezas, o galo avistou um luzinha longe e disse aos
companheiros que devia haver casa na vizinhança. Disse-lhes, então,
Pinga-fogo:
— É bom irmos até
lá. Nunca é seguro dormir em plena mata, como nos achamos.
Concordaram todos,
seguindo para o ponto de onde partia luz.
Dentro em pouco,
chegaram a um casarão iluminado de onde partiam gargalhadas e
barulho de copos e talheres. Eram ladrões que naquela hora se
banqueteavam. O burro que era o mais alto, espichou o pescoço e
olhou para dentro, pelo vidro da janela e disse a seus companheiros:
— Escutem! Estou
vendo ladrões sentados ao redor de uma mesa enorme, banqueteando-se.
Vamos traçar um plano para afugentar os bandidos e ficar com a casa.
O burro teve logo uma
idéia. E executou-a. pôs as patas na frente em cima da janela. O
cachorro trepou nas suas costas. O Gato pulou para as costas do
cachorro. O galo voou para as costas do gato.
A um sinal, todos
começaram juntos a música. O burro pôs-se a zurrar, o cão a
ladrar, a ganir e a latir, o gato a miar e o galo a cantar
có-có-ró-có e o qui-qui-ri-qui em todos os tons. Ao mesmo tempo
avançaram quebrando os vidros. Pularam na sala e apagaram as luzes.
Os ladros, ouvindo
aquela barulhada e às escuras, levantaram-se em sobressalto, e
fugiram, pensando que fossem os fantasmas da floresta que os
perseguiam. Os quatro companheiros sentaram-se, então, ao redor da
mesa e comeram os restos do banquete, senhores da esplendia moradia.
Depois, cada um procurou o melhor lugar para dormir. O burro
acomodou-se em cima de umas palhas no quintal. O cachorro deitou-se
em cima do tapete, pero da porta. O gato enroscou-se num cantinho do
fogão, ao lado da cinza quente. O galo empoleirou-se na bandeira de
uma janela. Como estivessem muito cansados da longa caminhada,
dormiram logo.
Pela meia-noite, os
ladrões voltaram para espiar a casa, arrependidos de a terem
abandonado tão depressa. Viram as luzes apagadas e tudo quieto. Um
deles, que era o mais corajoso, entrou. Correu a casa, cômodo pro
cômodo. Tudo estava no mais completo silêncio. foi, então, à
cozinha buscar a caixa de fósforos para acender uma vela. O gato
acordou. Seus olhos brilhavam como fogo. O ladrão, nervoso com a
escuridão, confundiu os olhos do gato com a brasa do fogão,
tentando acender neles o fósforo. O gato avançou furioso,
arranhando-o todo. O ladrão, assustado, correu para a porta, mas o
cachorro avançou contra ele, mordendo-lhe a perna. Ao atravessar o
quintal, Pinga-fogo deu-lhe uns coices e o galo cantou com toda a usa
força:
— Qui-qui-ri-qui!
Có-có-ró-có!
O ladrão fugiu
horrorizado e informou o chefe:
— Depressa! Fujamos!
Bruxas e fantasmas infestaram a casa. No chão, no teto, até
pairando no ar, há fantasmas malfeitores. Veja! Veja estes sinais
das garras de uma Horrível bruxa de cujos olhos saíam chispas que
iluminavam a sala. Minha perna sangra ainda do chuço de um gênio
horrendo. O pior é que ouvi gritar numa língua estranha: —
Tragam-no, aqui, que eu o levarei à mó, à mó, à mó! Vamos!
Podem alcançar-nos e quem sabe se não nos passarão pela mó! O
monstro preto parecia ter asas assim, enormes. Para que? Sabemos nós?
Diante de tão terrível
narrativa, os bandidos resolveram mudar-se para bem longe, pois
tinham a certeza de que as piores bruxas ali se reuniam para tramarem
seus malefícios.
Quanto aos quatro
companheiros, dizem que se esqueceram de ir a Bremen e, ali, passaram
o resto de seus dias.
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