terça-feira, 6 de maio de 2014

MERECE SER LEMBRADO II -- OS MÚSICOS DE BREMEN


OS MÚSICOS DE BREMEN OU OS QUATRO COMPANHEIROS DE VIAGEM

Era noite.
Atrás da cavalariça dois homens conversavam. Era Valentino que combinava com outro, matar Pinga-fogo e tirar-lhe a pele para vende-la a um seleiro. Pinga-fogo, ouvindo aquela sinistra combinação, entristeceu-se pensando:
— Ora! Tantos anos trabalhei para meu amo! Tantas vezes puxei o arado que revirou aterra, tornando-a fecunda! Tantas vezes fui à cidade com as vasilhas de leite! Agora que envelheci, já cansado, sem forças para pegar o trabalho como dantes, meu amo me trata assim!
E o burro, triste e abatido, esperou a madrugada para fugir. Havia de encontrar trabalho mais fácil, e quem sabe se não seria no coro de Bremen? Ah! Era isto o que lhe servia. Tinha boa voz e havia de ser bom músico.
E Pinga-fogo partiu. Ia triste, cabisbaixo, quando viu um cão atravessar a estrada numa carreira louca.
— Aonde vai você, amigo cão?
O cão, arfando de cansaço, não pôde responder logo ao burro. Depois, contou sua triste história.
— Ah! Já não valho mais nada. Trabalhei anos a fio, acompanhando meu amo à caça. Era eu quem surpreendia sempre a presa e a perseguia par ao meu dono. Agora, porque não tenho mais aquela agilidade de outros tempos, meu amo quer matar-me.
— Ora, venha comigo. Você há-de arranjar também um lugar no coro. Vou ser músico em Bremen.
O cachorro alegrou-se com aquelas palavras e partiu com Pinga-fogo.
Adiante, bem adiante, ouviram um miado triste, triste de cortar o coração. O burro e o cão procuraram por ali o gato e o encontraram estirado numa moita.
— Que tem você, amigo que está tão triste? Perguntou o burro.
— Ah! Como posso estar alegre? Estou ficando velho, não posso dar conta dos ratos, que são muitos, na despensa de meu dono, por isso escaramuçaram-me e, agora, aonde ir?
— Ora, vamos para Bremen. Você é entendido em música noturna. Há-de arranjar lugar no coro, como eu e o nosso amigo cão.
O gato mais animado, acompanhou o burro e o cão.
E lá foram os três, estrada afora. Ao passarem por uma fazenda, eis que ouvem os gritos ensurdecedores de um galo.
— Você está fazendo um barulhão, amigo galo, que aconteceu?
— Ah! Meus amigos! eu estava cantando a beleza da tarde. A patroa e a cozinheira acharam que eu era muito barulhento e, resolveram assar-me para o almoço. Desculpas!
— Oh! Venha conosco! Nós vamos cantar em Bremen. O timbre de sua voz faz falta ao coro.
E lá se foram o galo, o cão, o gato e o burro a caminho de Bremen.
A noite surpreendeu os quatro companheiros em plena mata, o que os fez para continuar viagem no dia seguinte. Cada um procurou a melhor maneira de se acomodar para passar a noite.
O burro e o cão puseram-se debaixo de um arbusto.
O gato trepou num galho, e o galo foi acomodar-se no galho mais alto de uma árvore, para ficar em segurança.
Circunvagando o olhar pelas redondezas, o galo avistou um luzinha longe e disse aos companheiros que devia haver casa na vizinhança. Disse-lhes, então, Pinga-fogo:
— É bom irmos até lá. Nunca é seguro dormir em plena mata, como nos achamos.
Concordaram todos, seguindo para o ponto de onde partia luz.
Dentro em pouco, chegaram a um casarão iluminado de onde partiam gargalhadas e barulho de copos e talheres. Eram ladrões que naquela hora se banqueteavam. O burro que era o mais alto, espichou o pescoço e olhou para dentro, pelo vidro da janela e disse a seus companheiros:
— Escutem! Estou vendo ladrões sentados ao redor de uma mesa enorme, banqueteando-se. Vamos traçar um plano para afugentar os bandidos e ficar com a casa.
O burro teve logo uma idéia. E executou-a. pôs as patas na frente em cima da janela. O cachorro trepou nas suas costas. O Gato pulou para as costas do cachorro. O galo voou para as costas do gato.
A um sinal, todos começaram juntos a música. O burro pôs-se a zurrar, o cão a ladrar, a ganir e a latir, o gato a miar e o galo a cantar có-có-ró-có e o qui-qui-ri-qui em todos os tons. Ao mesmo tempo avançaram quebrando os vidros. Pularam na sala e apagaram as luzes.
Os ladros, ouvindo aquela barulhada e às escuras, levantaram-se em sobressalto, e fugiram, pensando que fossem os fantasmas da floresta que os perseguiam. Os quatro companheiros sentaram-se, então, ao redor da mesa e comeram os restos do banquete, senhores da esplendia moradia. Depois, cada um procurou o melhor lugar para dormir. O burro acomodou-se em cima de umas palhas no quintal. O cachorro deitou-se em cima do tapete, pero da porta. O gato enroscou-se num cantinho do fogão, ao lado da cinza quente. O galo empoleirou-se na bandeira de uma janela. Como estivessem muito cansados da longa caminhada, dormiram logo.
Pela meia-noite, os ladrões voltaram para espiar a casa, arrependidos de a terem abandonado tão depressa. Viram as luzes apagadas e tudo quieto. Um deles, que era o mais corajoso, entrou. Correu a casa, cômodo pro cômodo. Tudo estava no mais completo silêncio. foi, então, à cozinha buscar a caixa de fósforos para acender uma vela. O gato acordou. Seus olhos brilhavam como fogo. O ladrão, nervoso com a escuridão, confundiu os olhos do gato com a brasa do fogão, tentando acender neles o fósforo. O gato avançou furioso, arranhando-o todo. O ladrão, assustado, correu para a porta, mas o cachorro avançou contra ele, mordendo-lhe a perna. Ao atravessar o quintal, Pinga-fogo deu-lhe uns coices e o galo cantou com toda a usa força:
— Qui-qui-ri-qui! Có-có-ró-có!
O ladrão fugiu horrorizado e informou o chefe:
— Depressa! Fujamos! Bruxas e fantasmas infestaram a casa. No chão, no teto, até pairando no ar, há fantasmas malfeitores. Veja! Veja estes sinais das garras de uma Horrível bruxa de cujos olhos saíam chispas que iluminavam a sala. Minha perna sangra ainda do chuço de um gênio horrendo. O pior é que ouvi gritar numa língua estranha: — Tragam-no, aqui, que eu o levarei à mó, à mó, à mó! Vamos! Podem alcançar-nos e quem sabe se não nos passarão pela mó! O monstro preto parecia ter asas assim, enormes. Para que? Sabemos nós?
Diante de tão terrível narrativa, os bandidos resolveram mudar-se para bem longe, pois tinham a certeza de que as piores bruxas ali se reuniam para tramarem seus malefícios.
Quanto aos quatro companheiros, dizem que se esqueceram de ir a Bremen e, ali, passaram o resto de seus dias.






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