A BRUXA DA MONTANHA
Era uma vez um
soldadinho do rei que exercia o cargo de tambor do regimento.
Chamavam-lhe, por isso, o “Tamborzinho”. Uma tarde, passeando
junto de um lago, encontrou sobre a relva três pedacinhos de
cambraia.
— Que linda cambraia!
— disse consigo.
E pondo os três
pedacinhos no bolso foi-se tranquilamente embora, não pensando mais
em semelhante achado até que se deitou.
Ora, quando ele se
estava ajeitando na cama para dormir, pressentiu alguém perto de si,
pronunciar brandamente o seu nome. apurando bem o ouvido, escutou uma
voz quase indistinta, balbuciar-lhe à cabeceira: “Acorda,
Tamborzinho, acorda!”
A escuridão da noite
era tão cerrada que ele não podia enxergar nem o seu próprio
nariz. Mas pareceu-lhe que alguém ou alguma coisa flutuava agora
dele aos pés da cama.
— Quem está aí? —
perguntou.
— Dá-me o vestido
que apanhaste ao passar perto do lago. É meu!
— Darei, — disse o
Tamborzinho, — se me declarares quem és.
— Ah! — replicou a
voz. Sou a filha mais nova do rei, mas estou em poder de uma bruxa
que me tem há três anos prisioneira na Montanha de Vidro, onde ela
habita. Venho todos os dias banhar-me ao lago com minhas duas irmãs,
porém sem meu vestidinho não poderei voar para ir embora. Minhas
irmãs já se foram e eu tive de ficar. Tamborzinho, Tamborzinho!
Dá-me o vestido!
— Calma princesinha.
Calma! Não vos aflijas. Vou dar-vos o vestido.
Levantando-se, tirou a
cambraia do bolso e entregou-lha. A princesinha agarrou-a avidamente
e ia-se afastando toda alegre.
— Espere, senhora —
disse o Tamborzinho. Esperai! Talvez que eu possa ajudar em vosso
infortúnio.
— Só me poderias
ajudar escalando a Montanha de Vidro e libertando-me da feiticeira.
Isso, porém, é tarefa superior às tuas forças. Ainda que por
sorte conseguisses lá chegar, nunca te seria possível escala-la.
— Querer é poder! Eu
vos amo (perdoai-me confessa-lo) e não tenho medo de nada. Qual o
caminho para se chegar à Montanha de Vidro?
— A Montanha de Vidro
fica além do Pais dos Gigantes. Terás de caminhar muitas mil
léguas! — informou a princesa.
E foi-se embora voando.
Ao romper do dia o
soldadinho pegou no seu tambor e embrenhou-se destemidamente pela
grande floresta do País dos Gigantes. Depois de ter caminhado um bom
pedaço, olhou em volta e não viu gigante algum.
— Ainda estão a
dormir, os preguiçosos! — murmurou consigo. Pois vou acorda-los.
E entrou a ruflar no
tambor com toda a força.
Rataplan! Rataplan!
Rataplan-plan-plan!
Rrrplan! Plan!
Plan-prrrran!
As aves começaram a
esvoaçar assustadas, e dentro de poucos minutos um formidável
gigante que estava dormindo sobre a relva ergue-se terrivelmente
(tina mais de vinte metros de altura!) para bradar, encarando-o cheio
de raiva:
— Ó meu velhaco! Meu
tratante! Como te atreves a rufar no teu tambor e a acordar-me no
meio do meu belo sono?
— Estou rufando no
meu tambor para indicar o caminho de cem mil homens que vem aí atrás
de mim.
— Cem mil homens? E
que querem eles fazer na minha floresta, esse bandidos?
— Pouca coisa. Querem
apenas matar-te, a ti e a todos os gigantes que encontrarem.
— Ah, pois é isso!
Esmagá-los-ei como formigas!
— Isso dizes tu
porque és muito bobo! — retrucou audaciosamente o Tamborzinho com
um sorriso de escárnio. Não sabes com quem estás metido!
Experimenta! Experimenta lutar! Se acaso te abaixares para apanhar um
dos nossos, ele esconde-se imediatamente e ficas de boca aberta. Aí,
vinte mil homens pula das árvores, trinta mil vem dos lados, outros
tantos surgem como que por debaixo da terra, e zás-trás! Era uma
vez um gigante com a cabeça cortada e feita em picadinho!
O gigante ficou meio
macambúzio, e pensou consigo: “é muito difícil, realmente,
vencer esta raçazinha de gente astuciosa, só com onças, tigres,
leões, ou jacarés, ainda a coisa vai bem. Mas estes vermezinhos da
terra são muito mais perigosos e levam sempre a melhor”.
— Escuta! — disse
em voz alta ao bravo Tamborzinho. Eu podia matar-te já de repente e
mais aos cem mil que vem aí atrás, porem não quero. Afinal, não
sou tão mau como pareço. Para dar-te prova da minha generosidade,
prometo poupar-vos as vidas , — a tua e a deles, — e, se possuís
algum desejo que eu possa satisfazer, terei muito prazer em ser-te
agradável, satisfazendo-o.
— Bom! — retrucou o
Tamborzinho. Isso são outras falas! Como tens pernas grandes e podes
correr mais do que eu, peço-te que me leves à Montanha de Vidro.
Com um sinal que darei aos meus homens, eles se afastarão e deixarão
vocês todos em paz.
— Nesse caso
aproxima-te. Sentar-te-ei no meu ombro direito e caminharei contigo
em direção a essa montanha.
Em seguida levantou-o,
pô-lo no ombro e ele principiou a tocar o tambor, todo cheio de
alegria. Pensou o gigante que fosse aquele o sinal combinado para os
cem mil homens se afastarem e caminhou satisfeito, a assobiar.
As árvores vergavam
até ao chão com a força de tão formidável assobio!
Depois de uma hora de
jornada, como já estivesse cansado, entregou o Tamborzinho a outro
gigante, que o acomodou numa casa do paletó e foi andando. O
Tamborzinho segurou-se ao botão, que era do tamanho de uma roda de
automóvel, e continuou tranquilamente à vontade.
Decorrida mais uma
hora, outro gigante apareceu que pegou o Tamborzinho e o pôs na aba
do chapéu. Aí nessas alturas, ele pôde, alongando a vista,
descortinar ao longe a Montanha de Vidro. Em poucos passos o gigante
a alcançou.
— Agora leva-me lá
acima, — reclamou o Tamborzinho.
O gigante fingiu não
escutar, murmurou qualquer coisa e foi-se embora, embrenhando-se na
floresta.
E aí ficou o nosso
Tamborzinho em frente da montanha, que era muito alta, muito alta, e,
além disso, muito lisa como um espelho de cristal. Não sabia o que
fazer. tentou subir, mas em vão, pois sempre escorregava por não
ter onde segurar-se.
Estava já desanimado,
pensando que jamais atingiria o cume, quando viu a pouca distância
dois homens brigando por causa de uma cadeira. Aproximou-se e
interveio:
— Vocês parecem
loucos! Cessem a briga! Para que é que serve uma cadeira aqui onde
não há coisa alguma e onde vocês se podem sentar perfeitamente na
relva?
— Esta cadeira não é
como todas as outras, — explicou um deles. É uma cadeira mágica.
Transporta voando para qualquer lugar a pessoa que estiver sentada
nela. Basta que se diga: “Cadeira! Voa para este ou para aquele
lugar!” que ela voa. Pertence a nós dois, que somos irmãos.
Voamos um de cada vez. Agora, porém, é o meu tempo, e meu irmão
não me quer deixar voar.
— Vou decidir já já
essa disputa, — disse o Tamborzinho.
E espetando uma vara no
chão a cem passos de distância, declarou, voltando para perto do
móvel encantado:
— Aquele de vocês
que chegar primeiro à vara, terá direito a ser o primeiro a voar.
Ambos partiram
correndo. Então ele, sentando-se na cadeira, disse: “Cadeira!
Leva-me ao cimo da Montanha de Vidro!” e num instante ela o
transportou ao cimo da montanha.
Havia lá no alto uma
casa toda feita de umas só pedra e em frente dela um tanque
enormíssimo onde nadavam peixes. Por trás, estendia-se a perder de
vista uma densíssima floresta. Nenhum sinal de ser vivente. Quebrava
apenas o silêncio o brando farfalhar das árvores. E as nuvens eram
baixas e negras, a poucos metros de altura.
O Tamborzinho bateu à
porta da casa. Não tinha dado ainda a terceira pancada, quando uma
velha muito velha com os olhos esbugalhados, abriu uma janela e o
mediu de alto a baixo com os óculos na ponta do nariz. Perguntou-lhe
o que queria ali. Ele pediu-lhe um pouco de alimento e abrigo para
passar a noite.
— Dar-te-ei cama e
comida se fizeres três trabalhos que eu te mandar fazer. Aceitas?
— De muito bom grado.
Trabalho nunca me meteu medo.
A velha então mandou-o
entrar, serviu-lhe uma esplêndida ceia e conduziu-o em seguida a um
quarto muito confortável, para que passasse a noite à vontade.
De manhã, logo ao
romper do dia, tirou um dedal do dedo e entregou-lho dizendo:
— Toma este dedal e
esvazia com ele o tanque fronteiro à minha casa, até que fique bem
seco, sem uma só gotinha de água. O trabalho deve estar pronto
antes da noite e os peixes arranjados em cima de um banco, de acordo
com a sua qualidade e tamanho.
— Um serviço muito
curioso, esse! — disse consigo o Tamborzinho.
E foi, com o dedal da
bruxa, baldear a água do tanque. Trabalhou toda a manhã. Mas que
porção de água se pode esvaziar com um dedal? Para secar o tanque
ser-lhe-iam precisos mil anos, pelo menos.
Quando chegou a hora de
jantar, parou de trabalhar, exclamando: “Não vale a pena! Tirar
água com balde tão pequeno, e não tirar é tudo a mesma coisa!”
Surgiu, então, à
porta da casa da feiticeira uma donzela, que veio ter com ele, e
perguntou:
— Por que estás
triste? O que há contigo?
O Tamborzinho reparou
nela e viu que era muito bonita.
— Pobre de mim! A
bruxa mandou-me fazer um trabalho impossível. E disse que me daria
ainda mais dois outros... ora, se não sou capaz de levar este a
cabo, que é o primeiro, como será com os restantes? Eu vim aqui em
busca de uma princesa, mas não a encontrei.
— Não te aflijas, —
disse a moça. Vou ajudar-te. Tu estás cansado. Deita-te no meu
regaço, e quando acordares tudo estará feito.
Contam os livros (e eu
não duvido) que foi grande o encanto do Tamborzinho em obedecer a
ordem tão amável.
Assim que ele
adormeceu, a moça rodou no dedo seu anelzinho de condão, e
exclamou:
— Água, desaparece!
Peixes, arrumem-se no banco!
Imediatamente a água
se levantou como um baço nevoeiro e desapareceu logo no ar, enquanto
os peixes saltavam todos para o banco e se arrumavam, direitinhos,
segundo a sua qualidade e tamanho.
— Um dos peixes não
está com os seus iguais. Está separado. Quando a velha vier de
noite ver o teu trabalho, perguntar-te-á com toda a certeza: “Para
que deixaste aqui este peixe?” e tu responderás, atirando-lho à
cara: “Deixei-o para você, velha feiticeira!”
Realmente, à noite,
aconteceu o que a moça tinha predito. O Tamborzinho arremessou o
peixe à cara da feiticeira, e ela ficou tranqüila, sorrindo como se
tivesse recebido um cumprimento. Apenas os seus olhos piscaram
maldosamente.
No dia seguinte
observou-lhe:
— Não foi grande
vantagem fazeres o trabalho que te dei ontem, pois era um trabalhinho
bem à-toa. Hoje vou dar-te a fazer coisa mais interessante. Hás de
cortar todas as árvores da floresta e racha-las em achas iguais, de
forma a que, à noite, tudo esteja pronto.
E entregou-lhe para
isso um machado, duas machadinhas e três serras, mas tudo de chumbo.
O tamborzinho está
perplexo, sem saber como tirar-se de tamanha dificuldade, quando e
tarde a moça da véspera chegou com o jantar e disse:
— Descansa a tua
cabeça no meu regaço e quando acordares tudo está pronto.
Ele adormeceu, e ela
girando no dedo o seu anel de condão, mandou que a floresta se
abatesse. E as árvores caíram com pavoroso estrondo, como se
milhares de invisíveis gigantes as houvessem num momento derrubado.
Quando ele acordou a
moça avisou-o:
— Todos os troncos
estão abatidos e feitos em achas. E todas as achas estão arrumadas,
menos uma. Quando a velha, ao cair da noite, vier examinar o teu
trabalho, perguntar-te-á com toda a certeza: “Para que ficou de
lado esta acha? E tu responderás, atirando-lhe à cara: “Para eu
te dar com ela, velha feiticeira!”
A noite a feiticeira
veio, e as coisas se passaram como a boa moça tinha predito. O
Tamborzinho arremessou-lhe á cara a acha que estava separada, e a
velha não se incomodou nem fez caso; sorriu, apenas, maldosamente.
— Amanhã, — disse
— juntarás tudo isto e farás uma grande fogueira.
Ao romper do dia
principiou ele a juntar a lenha. Mas como poderia um homem só reunir
as achas de uma floresta? Ainda bem que a moça bonita veio em seu
auxílio. Trouxe-lhe o jantar e mandou-o dormir no seu regaço depois
de comer. Ao acordar, ele viu com espanto que tudo estava feito. A
pilha de lenha era tão grande que varava as nuvens.
— Escuta! Disse-lhe a
moça. Toma bem sentido nas minhas palavras. A feiticeira vai chegar
aqui e mandar-te fazer qualquer coisa. Obedece-lhe cegamente e sem
medo de espécie alguma, de maneira que ela não possa ter de ti mo
menor motivo de queixa. Se porventura te atemorizares, um só
instante que seja, ela ficará com o direito de te lançar na
fogueira. Depois que cumprires as suas ordens. Podes agarra-la e
atira-la às chamas. Logo que a moça partiu, a feiticeira chegou
toda tremente.
— Fogo!fogo! que bom!
eu estou gelada! Estou gelada. Felizmente que tenho aqui bastante
calor par aquecer meus velhos ossos. Mas... que vejo? Há bem no
centro da fogueira uma acha que não quer arder... vai busca-la. Se
fores capaz de a ir buscar ficarás livre de mim para todo o sempre.
O Tamborzinho não
hesitou um instante pulou para dentro da fogueira enorme. Aí, correu
até ao centro, apanhou a tal acha que não ardia e veio embora. As
chamas eram fantásticas, porém, nem sequer chamuscaram um fio de
cabelo. Quando chegou junto da bruxa atirou a acha em terra e ela
transformou-se na bonita jovem que sempre o auxiliara. O Tamborzinho
reconheceu logo sem dificuldades que se tratava de uma princesa,
pelas vestes riquíssimas e pelas jóias que trazia.
A feiticeira soltou uma
grande gargalhada, que retiniu sinistramente na amplidão.
— Pensas talvez, —
chasqueou ela, dirigindo-se ao rapaz, — que a libertaste e a vais
levar contigo?
E ia precipitar-se
sobre a princesa, rangendo os dentes e escumando de raiva, quando o
jovem a segurou e levantando-a no ar, a atirou para o meio do fogo.
A bruxa quis fugir mas não pôde. Morreu queimada.
Reparando então melhor
no Tamborzinho, a princesa achou-o bonito e considerou que era
preciso ele sentir muito amor para ter, tão bravamente, arriscado a
vida por ela.
— Tudo aventuraste
por mim! — disse. Prometa-me fidelidade no teu afeto e eu me
casarei contigo.
O Tamborzinho prometeu
que lhe seria sempre fiel. Muito alegre com isso, a princesa
conduziu-o à casa da bruxa e mostrou-lhe as grandes arcas mais os
armários cheios de tesouros que a velha acumulara.
Pondo de parte a prata
e o ouro, carregaram ambos tantas pedras preciosas quantas puderam e,
como não desejassem permanecer por mais tempo na Montanha de Vidro,
deliberaram partir.
— Bastará que eu
volte no dedo o meu anel de condão, para te poder levar comigo a
qualquer parte, seja onde for.
— Então, — disse o
Tamborzinho, — espera-me aqui um instante enquanto vou à casa ver
os meus velhos, pois devem estar aflitos com a minha ausência tão
longa.
— Ah! Tamborzinho!
Tem cuidado! Se acaso beijares teu pai ou tua mãe na face direita,
imediatamente te esquecerás de tudo o sucedeu e nunca mais te
lembrarás de mim!
— Ora! Como me será
possível esquecer-te?
E prometendo que breve
tornaria, despediu-se para visitar seus velhos pais. Quando chegou à
casa ninguém o reconheceu, pois os três dias que passara na
Montanha de Vidro tinham sido na realidade três longos anos. Estava
muito mais crescido do que ao partir, e as feições haviam-lhe
transformado por completo.
Quando disse quem era,
os pais abraçaram-no comovido, e ele, no auge do contentamento,
beijou-os em ambas as faces. Foi bastante para que a imagem da
princesa se lhe desvanecesse instantaneamente da memória. Passados
os cumprimentos, esvaziou os bolsos que vinham cheios de pérolas e
diamantes de alto preço, e os pais ficaram assombrados de tanta
riqueza.
Algum tempo decorrido,
mandou o tamborzinho construir um soberbo castelo cercado de jardins
e parques principescos, e foi habita-lo em companhia dos seus. Um dia
a mãe disse-lhe:
— Meu filho! Está um
homem e precisas de te casar. Eu, pensando nisso, arranjei-te uma
noiva muito formosa, que espero seja do teu agrado. Se concordares, o
casamento terá lugar na próxima semana.
O Tamborzinho
concordou.
Ora, a pobre princesa
havia esperado longo tempo às portas da cidade. Quando a noite veio
e o seu amado não voltou, convenceu-se de que, distraidamente, ele
beijara o pai ou a mãe na face direita e, por conseguinte, a
esquecera. Ficou tão triste, tão triste, que apeteceu mais uma
choupana em um bosque do que o palácio de el-rei seu pai. Entrou na
cidade, alugou um quarto numa casa humilde, e decidiu ir todas as
tardes passear em frente da cada de Tamborzinho, que avia sem
conhecê-la. Certo dia escutando dizer que ele ia casar-se, deliberou
tentar um derradeiro esforço para de novo o conquistar. No primeiro
ia dos festejos anteriores ao casamento ela fez girar no dedo o seu
anelzinho de condão e disse:
— Quero um vestido
que brilhe como o sol.
Surgiu no mesmo
instante diante dela um vestido que parecia feito de raios solares.
Quando os convivas estavam reunidos no jardim, ela entrou com o seu
precioso traje e todos ficaram assombrados, — especialmente a
noiva, que tinha a paixão das roupas bonitas. Encaminhou-se logo
para a princesa e perguntou-lhe se queria vender aquele vestido tão
rico.
— Não por dinheiro,
— foi a resposta. Mas se a senhora consente que eu passe a noite à
porta do quarto do seu noivo, dar-lhe-ei com todo o prazer este
vestido.
A noiva não pôde
resistir e aceitou a transação. Mas, antes de o Tamborzinho se
deitar, deu-lhe um cálice de vinho com poderoso narcótico, de forma
que ele, mal caiu na cama, adormeceu profundamente.
A princesa, de noite,
quando viu que todos estavam dormindo, abriu um pouquinho a porta do
quarto e disse cantando, com a voz cortada de lágrimas:
Ó
Tamborzinho, Tamborzinho!
Em
sorte má ninguém me ganha!
Por
que me foste conquista
À
feiticeira da montanha?
Daquele
amor que me juraste
Não
te recordas com certeza!
Antes
ser pobre e ser feliz,
Que
ser como eu, princesa!
Mas o Tamborzinho não
acordou. E de manhã, triste pelo seu insucesso, a princesinha foi-se
embora chorando.
No segundo dia ela
rodou o anel no dedo e pediu um vestido prateado como a lua.
Quando, de tarde, se
apresentou diante dos convidados com aquele vestido que parecia feito
de luar, a noiva pediu-lhe e ela consentiu em dar-lho desde que
deixasse dormir outra noite à porta do quarto do noivo. Mas ainda
esta vez o Tamborzinho não acordou, pois a bebida que a noiva lhe
dera antes de ele se retirar para o quarto, o lançara num
pesadíssimo sono.
Aconteceu, porém, que
alguns criados do castelo, tendo visto a princesa e ouvido no
silêncio da noite os seus estranhos lamentos, foram contar o caso ao
Tamborzinho.
— É muito curioso!
Eu não escutei coisa alguma!
— Pois foi à porta
do seu quarto que ela esteve. Só uma pessoa narcotizada ou morta é
que a não escutaria!
No terceiro dia da
festa a princesa girou o anel e desejou um vestido que cintilasse
como as estrelas. Ao aparecer com ele diante da noiva, esta não se
conteve que lho não pedisse.
— Dá-lo-ei nas
mesmas condições anteriores.
— Aceito.
Desta vez, porém, o
Tamborzinho, fingindo beber o narcótico oferecido pela noiva,
atirou-o pela janela fora.
E, quando tudo estava
em silêncio, escutou a voz branda e macia, que cantava chorando:
Ó Tamborzinho!
Tamborzinho!
Em sorte má ninguém
me ganha!
Por que me foste
conquistar
À feiticeira da
montanha?
Daquele amor que me
juraste,
Não te recordas com
certeza!
Antes ser pobre e ser
feliz,
Que ser como eu, e ser
princesa!
Voltou-lhe, súbito, a
memória.
— Ah! — bradou.
Como tenho sido infiel e desumano! Foi realmente lamentável que, no
auge da minha alegria, eu beijara meus pais na face direita.
Nisto pulou da cama,
vestiu-se e, ajoelhando-se aos pés da princesa, pediu-lhe perdão.
Depois, levando-a à presença de seus pais, declarou:
— Esta é que é
minha verdadeira noiva! Se eu me casasse com outra cometeria grave
erro.
E as festas do noivado
recomeçaram. O Tamborzinho casou-se com a sua princesa, e a outra
noiva foi-se embora toda contente com os três vestidos que tinha
ganhado.
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