terça-feira, 6 de maio de 2014

MERECE SER LEMBRADO III -- A BRUXA DA MONTANHA


A BRUXA DA MONTANHA



Era uma vez um soldadinho do rei que exercia o cargo de tambor do regimento. Chamavam-lhe, por isso, o “Tamborzinho”. Uma tarde, passeando junto de um lago, encontrou sobre a relva três pedacinhos de cambraia.
— Que linda cambraia! — disse consigo.
E pondo os três pedacinhos no bolso foi-se tranquilamente embora, não pensando mais em semelhante achado até que se deitou.
Ora, quando ele se estava ajeitando na cama para dormir, pressentiu alguém perto de si, pronunciar brandamente o seu nome. apurando bem o ouvido, escutou uma voz quase indistinta, balbuciar-lhe à cabeceira: “Acorda, Tamborzinho, acorda!”
A escuridão da noite era tão cerrada que ele não podia enxergar nem o seu próprio nariz. Mas pareceu-lhe que alguém ou alguma coisa flutuava agora dele aos pés da cama.
— Quem está aí? — perguntou.
— Dá-me o vestido que apanhaste ao passar perto do lago. É meu!
— Darei, — disse o Tamborzinho, — se me declarares quem és.
— Ah! — replicou a voz. Sou a filha mais nova do rei, mas estou em poder de uma bruxa que me tem há três anos prisioneira na Montanha de Vidro, onde ela habita. Venho todos os dias banhar-me ao lago com minhas duas irmãs, porém sem meu vestidinho não poderei voar para ir embora. Minhas irmãs já se foram e eu tive de ficar. Tamborzinho, Tamborzinho! Dá-me o vestido!
— Calma princesinha. Calma! Não vos aflijas. Vou dar-vos o vestido.
Levantando-se, tirou a cambraia do bolso e entregou-lha. A princesinha agarrou-a avidamente e ia-se afastando toda alegre.
— Espere, senhora — disse o Tamborzinho. Esperai! Talvez que eu possa ajudar em vosso infortúnio.
— Só me poderias ajudar escalando a Montanha de Vidro e libertando-me da feiticeira. Isso, porém, é tarefa superior às tuas forças. Ainda que por sorte conseguisses lá chegar, nunca te seria possível escala-la.
— Querer é poder! Eu vos amo (perdoai-me confessa-lo) e não tenho medo de nada. Qual o caminho para se chegar à Montanha de Vidro?
— A Montanha de Vidro fica além do Pais dos Gigantes. Terás de caminhar muitas mil léguas! — informou a princesa.
E foi-se embora voando.
Ao romper do dia o soldadinho pegou no seu tambor e embrenhou-se destemidamente pela grande floresta do País dos Gigantes. Depois de ter caminhado um bom pedaço, olhou em volta e não viu gigante algum.
— Ainda estão a dormir, os preguiçosos! — murmurou consigo. Pois vou acorda-los.
E entrou a ruflar no tambor com toda a força.
Rataplan! Rataplan! Rataplan-plan-plan!
Rrrplan! Plan! Plan-prrrran!
As aves começaram a esvoaçar assustadas, e dentro de poucos minutos um formidável gigante que estava dormindo sobre a relva ergue-se terrivelmente (tina mais de vinte metros de altura!) para bradar, encarando-o cheio de raiva:
— Ó meu velhaco! Meu tratante! Como te atreves a rufar no teu tambor e a acordar-me no meio do meu belo sono?
— Estou rufando no meu tambor para indicar o caminho de cem mil homens que vem aí atrás de mim.
— Cem mil homens? E que querem eles fazer na minha floresta, esse bandidos?
— Pouca coisa. Querem apenas matar-te, a ti e a todos os gigantes que encontrarem.
— Ah, pois é isso! Esmagá-los-ei como formigas!
— Isso dizes tu porque és muito bobo! — retrucou audaciosamente o Tamborzinho com um sorriso de escárnio. Não sabes com quem estás metido! Experimenta! Experimenta lutar! Se acaso te abaixares para apanhar um dos nossos, ele esconde-se imediatamente e ficas de boca aberta. Aí, vinte mil homens pula das árvores, trinta mil vem dos lados, outros tantos surgem como que por debaixo da terra, e zás-trás! Era uma vez um gigante com a cabeça cortada e feita em picadinho!
O gigante ficou meio macambúzio, e pensou consigo: “é muito difícil, realmente, vencer esta raçazinha de gente astuciosa, só com onças, tigres, leões, ou jacarés, ainda a coisa vai bem. Mas estes vermezinhos da terra são muito mais perigosos e levam sempre a melhor”.
— Escuta! — disse em voz alta ao bravo Tamborzinho. Eu podia matar-te já de repente e mais aos cem mil que vem aí atrás, porem não quero. Afinal, não sou tão mau como pareço. Para dar-te prova da minha generosidade, prometo poupar-vos as vidas , — a tua e a deles, — e, se possuís algum desejo que eu possa satisfazer, terei muito prazer em ser-te agradável, satisfazendo-o.
— Bom! — retrucou o Tamborzinho. Isso são outras falas! Como tens pernas grandes e podes correr mais do que eu, peço-te que me leves à Montanha de Vidro. Com um sinal que darei aos meus homens, eles se afastarão e deixarão vocês todos em paz.
— Nesse caso aproxima-te. Sentar-te-ei no meu ombro direito e caminharei contigo em direção a essa montanha.
Em seguida levantou-o, pô-lo no ombro e ele principiou a tocar o tambor, todo cheio de alegria. Pensou o gigante que fosse aquele o sinal combinado para os cem mil homens se afastarem e caminhou satisfeito, a assobiar.
As árvores vergavam até ao chão com a força de tão formidável assobio!
Depois de uma hora de jornada, como já estivesse cansado, entregou o Tamborzinho a outro gigante, que o acomodou numa casa do paletó e foi andando. O Tamborzinho segurou-se ao botão, que era do tamanho de uma roda de automóvel, e continuou tranquilamente à vontade.
Decorrida mais uma hora, outro gigante apareceu que pegou o Tamborzinho e o pôs na aba do chapéu. Aí nessas alturas, ele pôde, alongando a vista, descortinar ao longe a Montanha de Vidro. Em poucos passos o gigante a alcançou.
— Agora leva-me lá acima, — reclamou o Tamborzinho.
O gigante fingiu não escutar, murmurou qualquer coisa e foi-se embora, embrenhando-se na floresta.
E aí ficou o nosso Tamborzinho em frente da montanha, que era muito alta, muito alta, e, além disso, muito lisa como um espelho de cristal. Não sabia o que fazer. tentou subir, mas em vão, pois sempre escorregava por não ter onde segurar-se.
Estava já desanimado, pensando que jamais atingiria o cume, quando viu a pouca distância dois homens brigando por causa de uma cadeira. Aproximou-se e interveio:
— Vocês parecem loucos! Cessem a briga! Para que é que serve uma cadeira aqui onde não há coisa alguma e onde vocês se podem sentar perfeitamente na relva?
— Esta cadeira não é como todas as outras, — explicou um deles. É uma cadeira mágica. Transporta voando para qualquer lugar a pessoa que estiver sentada nela. Basta que se diga: “Cadeira! Voa para este ou para aquele lugar!” que ela voa. Pertence a nós dois, que somos irmãos. Voamos um de cada vez. Agora, porém, é o meu tempo, e meu irmão não me quer deixar voar.
— Vou decidir já já essa disputa, — disse o Tamborzinho.
E espetando uma vara no chão a cem passos de distância, declarou, voltando para perto do móvel encantado:
— Aquele de vocês que chegar primeiro à vara, terá direito a ser o primeiro a voar.
Ambos partiram correndo. Então ele, sentando-se na cadeira, disse: “Cadeira! Leva-me ao cimo da Montanha de Vidro!” e num instante ela o transportou ao cimo da montanha.
Havia lá no alto uma casa toda feita de umas só pedra e em frente dela um tanque enormíssimo onde nadavam peixes. Por trás, estendia-se a perder de vista uma densíssima floresta. Nenhum sinal de ser vivente. Quebrava apenas o silêncio o brando farfalhar das árvores. E as nuvens eram baixas e negras, a poucos metros de altura.
O Tamborzinho bateu à porta da casa. Não tinha dado ainda a terceira pancada, quando uma velha muito velha com os olhos esbugalhados, abriu uma janela e o mediu de alto a baixo com os óculos na ponta do nariz. Perguntou-lhe o que queria ali. Ele pediu-lhe um pouco de alimento e abrigo para passar a noite.
— Dar-te-ei cama e comida se fizeres três trabalhos que eu te mandar fazer. Aceitas?
— De muito bom grado. Trabalho nunca me meteu medo.
A velha então mandou-o entrar, serviu-lhe uma esplêndida ceia e conduziu-o em seguida a um quarto muito confortável, para que passasse a noite à vontade.
De manhã, logo ao romper do dia, tirou um dedal do dedo e entregou-lho dizendo:
— Toma este dedal e esvazia com ele o tanque fronteiro à minha casa, até que fique bem seco, sem uma só gotinha de água. O trabalho deve estar pronto antes da noite e os peixes arranjados em cima de um banco, de acordo com a sua qualidade e tamanho.
— Um serviço muito curioso, esse! — disse consigo o Tamborzinho.
E foi, com o dedal da bruxa, baldear a água do tanque. Trabalhou toda a manhã. Mas que porção de água se pode esvaziar com um dedal? Para secar o tanque ser-lhe-iam precisos mil anos, pelo menos.
Quando chegou a hora de jantar, parou de trabalhar, exclamando: “Não vale a pena! Tirar água com balde tão pequeno, e não tirar é tudo a mesma coisa!”
Surgiu, então, à porta da casa da feiticeira uma donzela, que veio ter com ele, e perguntou:
— Por que estás triste? O que há contigo?
O Tamborzinho reparou nela e viu que era muito bonita.
— Pobre de mim! A bruxa mandou-me fazer um trabalho impossível. E disse que me daria ainda mais dois outros... ora, se não sou capaz de levar este a cabo, que é o primeiro, como será com os restantes? Eu vim aqui em busca de uma princesa, mas não a encontrei.
— Não te aflijas, — disse a moça. Vou ajudar-te. Tu estás cansado. Deita-te no meu regaço, e quando acordares tudo estará feito.
Contam os livros (e eu não duvido) que foi grande o encanto do Tamborzinho em obedecer a ordem tão amável.
Assim que ele adormeceu, a moça rodou no dedo seu anelzinho de condão, e exclamou:
— Água, desaparece! Peixes, arrumem-se no banco!
Imediatamente a água se levantou como um baço nevoeiro e desapareceu logo no ar, enquanto os peixes saltavam todos para o banco e se arrumavam, direitinhos, segundo a sua qualidade e tamanho.
— Um dos peixes não está com os seus iguais. Está separado. Quando a velha vier de noite ver o teu trabalho, perguntar-te-á com toda a certeza: “Para que deixaste aqui este peixe?” e tu responderás, atirando-lho à cara: “Deixei-o para você, velha feiticeira!”
Realmente, à noite, aconteceu o que a moça tinha predito. O Tamborzinho arremessou o peixe à cara da feiticeira, e ela ficou tranqüila, sorrindo como se tivesse recebido um cumprimento. Apenas os seus olhos piscaram maldosamente.
No dia seguinte observou-lhe:
— Não foi grande vantagem fazeres o trabalho que te dei ontem, pois era um trabalhinho bem à-toa. Hoje vou dar-te a fazer coisa mais interessante. Hás de cortar todas as árvores da floresta e racha-las em achas iguais, de forma a que, à noite, tudo esteja pronto.
E entregou-lhe para isso um machado, duas machadinhas e três serras, mas tudo de chumbo.
O tamborzinho está perplexo, sem saber como tirar-se de tamanha dificuldade, quando e tarde a moça da véspera chegou com o jantar e disse:
— Descansa a tua cabeça no meu regaço e quando acordares tudo está pronto.
Ele adormeceu, e ela girando no dedo o seu anel de condão, mandou que a floresta se abatesse. E as árvores caíram com pavoroso estrondo, como se milhares de invisíveis gigantes as houvessem num momento derrubado.
Quando ele acordou a moça avisou-o:
— Todos os troncos estão abatidos e feitos em achas. E todas as achas estão arrumadas, menos uma. Quando a velha, ao cair da noite, vier examinar o teu trabalho, perguntar-te-á com toda a certeza: “Para que ficou de lado esta acha? E tu responderás, atirando-lhe à cara: “Para eu te dar com ela, velha feiticeira!”
A noite a feiticeira veio, e as coisas se passaram como a boa moça tinha predito. O Tamborzinho arremessou-lhe á cara a acha que estava separada, e a velha não se incomodou nem fez caso; sorriu, apenas, maldosamente.
— Amanhã, — disse — juntarás tudo isto e farás uma grande fogueira.
Ao romper do dia principiou ele a juntar a lenha. Mas como poderia um homem só reunir as achas de uma floresta? Ainda bem que a moça bonita veio em seu auxílio. Trouxe-lhe o jantar e mandou-o dormir no seu regaço depois de comer. Ao acordar, ele viu com espanto que tudo estava feito. A pilha de lenha era tão grande que varava as nuvens.
— Escuta! Disse-lhe a moça. Toma bem sentido nas minhas palavras. A feiticeira vai chegar aqui e mandar-te fazer qualquer coisa. Obedece-lhe cegamente e sem medo de espécie alguma, de maneira que ela não possa ter de ti mo menor motivo de queixa. Se porventura te atemorizares, um só instante que seja, ela ficará com o direito de te lançar na fogueira. Depois que cumprires as suas ordens. Podes agarra-la e atira-la às chamas. Logo que a moça partiu, a feiticeira chegou toda tremente.
— Fogo!fogo! que bom! eu estou gelada! Estou gelada. Felizmente que tenho aqui bastante calor par aquecer meus velhos ossos. Mas... que vejo? Há bem no centro da fogueira uma acha que não quer arder... vai busca-la. Se fores capaz de a ir buscar ficarás livre de mim para todo o sempre.
O Tamborzinho não hesitou um instante pulou para dentro da fogueira enorme. Aí, correu até ao centro, apanhou a tal acha que não ardia e veio embora. As chamas eram fantásticas, porém, nem sequer chamuscaram um fio de cabelo. Quando chegou junto da bruxa atirou a acha em terra e ela transformou-se na bonita jovem que sempre o auxiliara. O Tamborzinho reconheceu logo sem dificuldades que se tratava de uma princesa, pelas vestes riquíssimas e pelas jóias que trazia.
A feiticeira soltou uma grande gargalhada, que retiniu sinistramente na amplidão.
— Pensas talvez, — chasqueou ela, dirigindo-se ao rapaz, — que a libertaste e a vais levar contigo?
E ia precipitar-se sobre a princesa, rangendo os dentes e escumando de raiva, quando o jovem a segurou e levantando-a no ar, a atirou para o meio do fogo. A bruxa quis fugir mas não pôde. Morreu queimada.
Reparando então melhor no Tamborzinho, a princesa achou-o bonito e considerou que era preciso ele sentir muito amor para ter, tão bravamente, arriscado a vida por ela.
— Tudo aventuraste por mim! — disse. Prometa-me fidelidade no teu afeto e eu me casarei contigo.
O Tamborzinho prometeu que lhe seria sempre fiel. Muito alegre com isso, a princesa conduziu-o à casa da bruxa e mostrou-lhe as grandes arcas mais os armários cheios de tesouros que a velha acumulara.
Pondo de parte a prata e o ouro, carregaram ambos tantas pedras preciosas quantas puderam e, como não desejassem permanecer por mais tempo na Montanha de Vidro, deliberaram partir.
— Bastará que eu volte no dedo o meu anel de condão, para te poder levar comigo a qualquer parte, seja onde for.
— Então, — disse o Tamborzinho, — espera-me aqui um instante enquanto vou à casa ver os meus velhos, pois devem estar aflitos com a minha ausência tão longa.
— Ah! Tamborzinho! Tem cuidado! Se acaso beijares teu pai ou tua mãe na face direita, imediatamente te esquecerás de tudo o sucedeu e nunca mais te lembrarás de mim!
— Ora! Como me será possível esquecer-te?
E prometendo que breve tornaria, despediu-se para visitar seus velhos pais. Quando chegou à casa ninguém o reconheceu, pois os três dias que passara na Montanha de Vidro tinham sido na realidade três longos anos. Estava muito mais crescido do que ao partir, e as feições haviam-lhe transformado por completo.
Quando disse quem era, os pais abraçaram-no comovido, e ele, no auge do contentamento, beijou-os em ambas as faces. Foi bastante para que a imagem da princesa se lhe desvanecesse instantaneamente da memória. Passados os cumprimentos, esvaziou os bolsos que vinham cheios de pérolas e diamantes de alto preço, e os pais ficaram assombrados de tanta riqueza.
Algum tempo decorrido, mandou o tamborzinho construir um soberbo castelo cercado de jardins e parques principescos, e foi habita-lo em companhia dos seus. Um dia a mãe disse-lhe:
— Meu filho! Está um homem e precisas de te casar. Eu, pensando nisso, arranjei-te uma noiva muito formosa, que espero seja do teu agrado. Se concordares, o casamento terá lugar na próxima semana.
O Tamborzinho concordou.
Ora, a pobre princesa havia esperado longo tempo às portas da cidade. Quando a noite veio e o seu amado não voltou, convenceu-se de que, distraidamente, ele beijara o pai ou a mãe na face direita e, por conseguinte, a esquecera. Ficou tão triste, tão triste, que apeteceu mais uma choupana em um bosque do que o palácio de el-rei seu pai. Entrou na cidade, alugou um quarto numa casa humilde, e decidiu ir todas as tardes passear em frente da cada de Tamborzinho, que avia sem conhecê-la. Certo dia escutando dizer que ele ia casar-se, deliberou tentar um derradeiro esforço para de novo o conquistar. No primeiro ia dos festejos anteriores ao casamento ela fez girar no dedo o seu anelzinho de condão e disse:
— Quero um vestido que brilhe como o sol.
Surgiu no mesmo instante diante dela um vestido que parecia feito de raios solares. Quando os convivas estavam reunidos no jardim, ela entrou com o seu precioso traje e todos ficaram assombrados, — especialmente a noiva, que tinha a paixão das roupas bonitas. Encaminhou-se logo para a princesa e perguntou-lhe se queria vender aquele vestido tão rico.
— Não por dinheiro, — foi a resposta. Mas se a senhora consente que eu passe a noite à porta do quarto do seu noivo, dar-lhe-ei com todo o prazer este vestido.
A noiva não pôde resistir e aceitou a transação. Mas, antes de o Tamborzinho se deitar, deu-lhe um cálice de vinho com poderoso narcótico, de forma que ele, mal caiu na cama, adormeceu profundamente.
A princesa, de noite, quando viu que todos estavam dormindo, abriu um pouquinho a porta do quarto e disse cantando, com a voz cortada de lágrimas:
Ó Tamborzinho, Tamborzinho!
Em sorte má ninguém me ganha!
Por que me foste conquista
À feiticeira da montanha?

Daquele amor que me juraste
Não te recordas com certeza!
Antes ser pobre e ser feliz,
Que ser como eu, princesa!
Mas o Tamborzinho não acordou. E de manhã, triste pelo seu insucesso, a princesinha foi-se embora chorando.
No segundo dia ela rodou o anel no dedo e pediu um vestido prateado como a lua.
Quando, de tarde, se apresentou diante dos convidados com aquele vestido que parecia feito de luar, a noiva pediu-lhe e ela consentiu em dar-lho desde que deixasse dormir outra noite à porta do quarto do noivo. Mas ainda esta vez o Tamborzinho não acordou, pois a bebida que a noiva lhe dera antes de ele se retirar para o quarto, o lançara num pesadíssimo sono.
Aconteceu, porém, que alguns criados do castelo, tendo visto a princesa e ouvido no silêncio da noite os seus estranhos lamentos, foram contar o caso ao Tamborzinho.
— É muito curioso! Eu não escutei coisa alguma!
— Pois foi à porta do seu quarto que ela esteve. Só uma pessoa narcotizada ou morta é que a não escutaria!
No terceiro dia da festa a princesa girou o anel e desejou um vestido que cintilasse como as estrelas. Ao aparecer com ele diante da noiva, esta não se conteve que lho não pedisse.
— Dá-lo-ei nas mesmas condições anteriores.
— Aceito.
Desta vez, porém, o Tamborzinho, fingindo beber o narcótico oferecido pela noiva, atirou-o pela janela fora.
E, quando tudo estava em silêncio, escutou a voz branda e macia, que cantava chorando:
Ó Tamborzinho! Tamborzinho!
Em sorte má ninguém me ganha!
Por que me foste conquistar
À feiticeira da montanha?

Daquele amor que me juraste,
Não te recordas com certeza!
Antes ser pobre e ser feliz,
Que ser como eu, e ser princesa!

Voltou-lhe, súbito, a memória.
— Ah! — bradou. Como tenho sido infiel e desumano! Foi realmente lamentável que, no auge da minha alegria, eu beijara meus pais na face direita.
Nisto pulou da cama, vestiu-se e, ajoelhando-se aos pés da princesa, pediu-lhe perdão. Depois, levando-a à presença de seus pais, declarou:
— Esta é que é minha verdadeira noiva! Se eu me casasse com outra cometeria grave erro.
E as festas do noivado recomeçaram. O Tamborzinho casou-se com a sua princesa, e a outra noiva foi-se embora toda contente com os três vestidos que tinha ganhado.










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