terça-feira, 6 de maio de 2014

MERECE SER LEMBRADO II -- ULISSES NA TERRA DOS CICLOPES


ULISSES NA TERRA DOS CICLOPES


Com sua frota de doze navios, chegou Ulisses ao país dos ciclopes.
À tarde aportou a uma ilha, que lhe ficava mais próxima, e dela avistou os monstros gigantescos, que pastoreavam imensos rebanhos de cabras e carneiros, pelas montanhas verdes e íngremes. Vozes horríveis e estranhas, misturadas com os balidos das cabras e dos carneiros, chegavam aos ouvidos dos marinheiros, aumentando-lhes o pavor.
Ulisses conhecia alguma coisa acerca dos cruéis ciclopes e, entre outras, sabia que ignoravam completamente a arte de navegar. Dessa forma, tranqüilizou seus companheiros, convencendo-os de que poderiam dormir sossegadamente, ainda aquela noite, na ilha, pois os gigantes não poderiam atravessar o mar, para atacá-los.
Exaustos das aventuras passadas, dormiram profundamente.
Ao amanhecer, Ulisses escolheu doze companheiros, dos mais valentes, e disse aos outros:
— Amigos, esperem-nos aqui, enquanto vamos conhecer os ciclopes e os seus costumes. Não abandonem o navio, porque pode ser que tenham de voltar às carreiras e partir na mesma hora. Estejam, pois, vigilantes e com as mãos nos remos.
Tomaram o navio e remaram até a costa. Desembarcaram. Ulisses levava uma clava, os outros levavam às costas um barril de vinho.
Atravessaram uma vereda ensombrada por lindos carvalhos, indo dar à boca de uma caverna. Olharam seu interior: era limpa e vasta.
Entraram cautelosamente. Num canto, pilhas de queijo fresco se enfileiravam, ao lado de potes cheiros de creme. Carneirinhos e cabritinhos de poucos dias, separados pela idade, enchiam a gruta de balidos.
Ulisses e seus companheiros acenderam o fogo, comeram alegremente o queijo fresco e apetitoso e se preparavam para assar um dos cabritos, quando um ciclope apontou no caminho que se abria diante da boca da caverna. Trazia às costas o tronco de um enorme carvalho que, atirado no solo, produziu um ruído semelhante ao trovão. Atrás vinha as cabras e ovelhas, debicando a relva que bordejava o caminho. Foram-se
Ajuntando em frente da caverna, como se aguardassem ordem para entrar.
O ciclope tocou-as para dentro e, depois, fechou a entrada da caverna com um bloco de pedra tão grande que Ulisses com seus doze companheiros não conseguiriam mover do lugar. Sentou-se numa saliência da caverna e ia ordenando as cabras e ovelhas que iam depois amamentar as suas crias. Feito isto, acendeu o fogo, que crepitou logo em chamas altas.
Ulisses e seus companheiros examinaram o ciclope à luz da fogueira.
Parecia o pico de uma montanha enorme. Seus cabelos, anelados e embaraçados, caíam-lhe sobre as espáduas largas. A sua testa era tomada de uma orelha à outra por uma pestana de cílios grandes e pretos, sob a qual brilhava um único olho, vermelho como brasa. O fogo, iluminando a gruta, fez Polifemo — que era o nome do ciclope — perceber Ulisses e seus companheiros que se colaram às paredes da caverna, para não serem vistos.
— Estrangeiros, — lhes disse Polifemo — que desejam aqui?
A voz rouca e terrível desse monstro gelou o coração dos gregos.
Ulisses respondeu-lhe:
— Somos gregos e estamos há muitos anos longe de nossa pátria. Os ventos contrários lançaram-nos aqui. Dê-nos hospitalidade e comida.
— Onde deixaram o navio? — tornou a perguntar o ciclope.
— Netuno quebrou meu navio e os ventos dispersaram seus restos sobre as ondas inquietas do mar, — respondeu-lhe Ulisses.
Sem dizer mais nada, o ciclope com as mãos abertas apanhou dois homens de uma vez. Atirou-os barbaramente ao chão, para quebrar-lhes a cabeça, e os foi comendo, ainda quentes, membro por membro.
Depois de tão farto jantar, bebeu um pode de leite e deitou-se para dormir num canto, entre as cabras.
Ulisses pensou em avançar com sua clava contra o ciclope. Lembrou-se, porém, de que seria inútil, desde que todos juntos não seriam capazes de mover a pedra que fechava a boca da caverna. Angustiados, passaram a noite na gruta de Polifemo.
No dia seguinte, mal raiou a madrugada, Polifemo levantou-se, e, apanhando da mesma maneira da véspera, dois outros companheiros de Ulisses, comeu-os calmamente. Arredou a pedra, soltou o rebanho e saiu, fechando novamente a entrada e deixando os pobres gregos prisioneiros.
Entretanto, Ulisses não desesperava. Não parava de pensar como se havia de salvar. Aproveitou um galho de oliveira, que encontrou num canto da caverna, fez-lhe uma boa ponta e guardou-o com cuidado.
Como os companheiros continuassem aflitos, ele lhes disse:
— Vamos passar o nosso dia o melhor possível. Havemos de nos salvar.
Fizeram fogo, comeram queijo, assaram um cabrito novo, enquanto aguardavam a volt do ciclope.
Já as sombras da noite desciam sobre as serras, quando o ciclope entrou, tocando para dentro seu rebanho. Fez o que fizera no dia anterior. Depois, correndo os olhos sobre Ulisses e seu infelizes companheiros, apanhou mais dois moços e os comeu gostosamente.
Nessa hora, Ulisses encheu um vaso de vinho que ofereceu ao ciclope, dizendo-lhe:
— Beba, ciclope, essa bebida agradável.
Polifemo bebeu de um trago o vinho e pediu a Ulisses:
— Dê-me mais dessa bebida e eu o recompensarei. Qual é o seu nome?
— Meu nome é Ninguém, — respondeu Ulisses, dando-lhe mais vinho.
— Bem, — respondeu ciclope — a recompensa que lhe prometi é a seguinte: eu o comerei por último.
Não tardou muito, e Polifemo, tonto, caiu, ali mesmo, adormecendo profundamente.
Ulisses, sem perder tempo, enfiou na fogueira a ponta do galho que preparara cuidadosamente. Quando se tornou brasa, enfiou no único olho do ciclope. Apoiando o galho com toda a força no seu corpo, Ulisses torceu-o dentro do olho, para esmaga-lo bem. As pestanas do monstro chiavam na órbita vazia, como água na qual se pôs um ferro quente.
Louco de dor e sentindo-se cego, Polifemo pôs-se a gritar de tal maneira que fazia as montanhas estremecerem, como se tremessem de medo. Apalpando aqui, apalpando ali, como um desesperado, Polifemo procurava Ulisses na caverna. Não o encontrando, chamou os ciclopes vizinhos, com grande uivos. Ao ouvi-los, vieram todos acudir-lhe.
— Quem o persegue, para lançar gritos tão aflitivos? — perguntavam-lhe aglomerados à entrada da gruta.
Polifemo respondia-lhes:
— Ninguém! Ninguém!
— Pois, se ninguém o persegue, por que nos chama?
E, julgando que Polifemo estivesse sonâmbulo ou louco, retiraram-se para suas cavernas.
Gemendo sem parar, Polifemo esperou a madrugada. Enquanto isto, Ulisses preparava meios para escaparem.
Aproveitou umas correias de couro de cabra que encontrou num canto e amarrou com elas seus companheiros no entre das ovelhas mais robustas.
Quando a aurora anunciou aos animais a hora de saírem para o pasto, Polifemo arredou um pouco a pedra, de sorte que pudesse sair só um animal de cada vez. Sentou-se na abertura e apalpava cada animal para impedir que saíssem Ulisses e os seus companheiros.
Estes, porque estivessem jeitosamente amarrados, saíram sem que o gigante os percebesse.
Ulisses, por sua vez, meteu-se entre as pernas de uma ovelha e agarrou-se fortemente aso seus pelos espessos, conseguindo escapar também.
Logo que se sentiram longe do alcance de Polifemo, Ulisses soltou-se da ovelha e desamarrou seus companheiros. Apanharam alguns carneirinhos e cabritos bem tenros e desceram em disparada pela vereda que conduzia ao mar. Tomaram o navio, levantaram as âncoras e partiram.
Polifemo percebera o ruído dos passos ligeiros de seus inimigos e logo o barulho das águas agitadas pelo remos, cheio de cólera, arrancou o pico de uma montanha e arremessou-o ao mar na direção do ruído das águas. A rocha quase atingiu a proa do navio e levantou tão grande onda que fez o barco voltar para a praia e encalhar. Ulisses, fazendo de um tronco de árvore uma alavanca, desencalhou o navio, enquanto seus companheiros, podo toda a energia nos remos, puseram o navio fora da barra. Entretanto, o gigante, na sua fúria, atirou outro enorme bloco de pedra sobre o mar e, com tal violência que quase atingiu a popa do navio. Uma onda maior se levantou e empurrou o navio mais para o meio do mar.
Dando aos remos, os bravos marinheiros fizeram o barco ganhar distância, e a ilha dos gigantes de um olho só, em pouco tempo, perdera-se no horizonte azul das águas do mar.

2 comentários: