terça-feira, 29 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO II - A GALINHA DE TIA MICAELA


A GALINHA DE TIA MICAELA

Era noite de mutirão.
Doze ou quinze homens trabalhavam ao redor de enormes lampiões.
Na cozinha, tia Micaela tirava as primeiras fornadas de broa de fubá, e o cheiro de café enchia as salas até as varandas.
O vozerio dos moços misturavam com o estalido seco das palhinhas dos cestos que as mulheres teciam num canto.
No meio deste movimento, Joaquim Sara levou as mãos ao bolso, apalpou-o, olhou o chão ao redor de si e exclamou:
— Meu relógio! Perdi o meu relógio. Ainda há pouco, uns dez minutos, estava aqui no meu bolso.
Todos se levantaram e puseram-se a procurar no chão, entre as palhinhas, em cima das mesas.
Alguns olhavam para Colatino, conhecido como mentiroso e desonesto. Impossível achar o ladrão!
Mas lá veio tia Micaela com uma galinha sob sua blusa.
Era uma galinha preta, com machas brancas no peito, de olhos vivos e brilhantes que lançavam reflexos vermelhos à luz trêmula dos lampiões.
Tia Micaela pachorrentamente pegou um tamborete e foi assentar-se no canto mais escuro da sala.
Colocando a galinha no colo, pediu que todas as pessoas presentes fizessem fila e que, uma após outra, passassem a mão nas costas da galinha.
Todos, calados, olhavam uns para os outros, como se quisessem indagar por que a galinha havia de apontar o ladrão. Dar-se-ia ocaso de a galinha estar enfeitiçada e de se por a cantar, quando sentisse sobre as suas costas a mão do ladrão?
Começou o desfile.
Cada um, ao pôr a mão sobre a galinha, parava de respirar, com medo de que ela viesse a gritar.
Chegou a vez de Colatino.
Pálido e trêmulo. Colatino fez o mesmo que os outros. Mas nada!
Nem para ele, nem para ninguém a galinha abriu o bico.
Afinal, a tia Micaela pôs a galinha no cestinho pachorrentamente, foi buscar uma candeia.
Voltou e, chamando outra vez um por um, começou a examinar a palma das mãos.
Todas estavam pretas, menos a de Colatino que revelou, assim, sua falta.
Tia Micaela havia passado nas costas da galinha fuligem engordurada, para que cada mão se tornasse preta ao passar sobre ela.
Colatino que não tinha a consciência em paz, fingiu apenas passar a mão, mas não tocou nas penas da galinha.
Ah! Quem pensa que esconde uma falta?



Nenhum comentário:

Postar um comentário