AS TRÊS PALMEIRAS
Mustafá era um pobre
árabe, um beduíno do deserto. Era bom e simples, incapaz de más
ações.
Morava ele no princípio
do grande deserto de areia, entre um oásis e uma cidade, numa
humilde cabana.
No oásis, verdadeira
ilha verdejante num mar de areia, brotava a fonte onde Mustafá ia
buscar água cristalina para vender na cidade.
A choupana de Mustafá
fora construída por ele mesmo e mais parecia um curral de cabras,
Tinha uma só peça um grabato por leito, os odres suspenso de dois
ganchos e um banco tosco. Uma porta única abalada em gonzos
ferrugentos, era voltada para o oeste donde soprava à noite vento
menos esbrazeado que o “simun” do deserto.
À frente da casa se
erguiam três palmeiras, raquíticas e com quatro ou cinco folhas
mirradas apenas, agitando-se, dilaceradas, como bandeira de guerra
depois de cruenta batalha. Nenhuma árvore crescia, por ali, naquele
solo adusto e estéril. O sol de dia as castigava com os dardos
flamejantes, e à noite o orvalho lhes crestava os leques.
Mustafá era crente e
como bom árabe fazia suas orações. Logo de madrugada se levantava.
Pegava os odres, suspendia-os a uma vara, dois de cada lado e punha a
balança ao ombro. Ia enche-los à fonte e leva-los à cidade.
Vendia água por um
preço ínfimo e ao regressar à choupana tinha apenas algumas moedas
para o sustento do dia seguinte. Voltava com os pés sangrando, comia
um pouco de cuscus que é o alimento dos pobres e, às vezes, algumas
tâmaras. Bebia água fresca, orava agradecendo a Deus e ia no dia
seguinte recomeçar tão fadigosa existência.
Certa vez, voltou mais
cansado do trabalho; já era noite e as estrelas cintilavam. Mustafá
fechou a porta da cabana e deitou-se.
Pela primeira vez
achava que estava só, sem afeiçoes, nem família. Adormeceu, porém,
como sempre, com o sono tranqüilo de quem não pratica o mal.
Perto da meia-noite
despertou e pareceu-lhe ouvir um rumor; deveria ser o vento que
fizera ranger a porta da cabana. A questão é que Mustafá não pôde
mais dormir.
Sentiu calor e bebeu
água fresca, recostando-se no grabato. Estava já dormitando quando
julgou ouvir vozes.
— Desta vez não me
enganei, pensou ele; falam junto da porta e são vozes diversas;
talvez mercadores transviados de alguma caravana.
Como o “Koran” não
proíbe escutar, Mustafá foi pé ante pé, até à porta. Por uma
larga fresta espreitou. Não havia pessoa alguma junto à casa.
— Estou nervoso,
murmurou ele. Ia deitar-se de novo quando sentiu que as vozes vinham
do alto das palmeiras. Parecia que em cada uma estava alguém...
Prestou atenção e
ouviu. A palmeira mais alta dizia:
— Qual! Ele não se
importa conosco senão não estaríamos neste abandono há tanto
tempo.
A mais baixa palmeira
retorquiu:
— É que vem cansado,
deita-se e dorme. Como se vai lembra de nós, mirradas palmeiras do
deserto?
A terceira palmeira
falava com voz triste:
— Vocês ainda podem
salvar-se, mas eu sinto que a vida se me esvai e no entanto com um
pouco de água mataria a sede que me devora...
— É ingrato, tornou
a primeira. Enfeitamos-lhe a cabana.
— Ou indiferente,
retrucou a mais raquítica. O pouco caso é pior que o ódio.
— Paciência, ajuntou
a do meio. Se ele não nos valer, nem do céu cair água, morreremos
à míngua.
E as três suspiraram,
agitando as ressequidas folhas.
O árabe escutara
atento e maravilhado. As palmeiras falavam e se queixavam!!
E quem? Dele. Só então
se lembrou que na labuta da vida rude, nem sequer olhava para as
palmeiras junto às quais edificara o seu rústico abrigo.
É que o trabalho
ímprobo absorvia toda a sua existência.
Foi à bilha e bebeu.
Sentia um calor asfixiante. Razão tinha as palmeiras para lamentos e
recriminações. Tomo os odres. Estavam vazios e disse para si:
— Vou à fonte. Elas
não se queixarão mais.
As palmeiras ouvindo
rumor dentro de casa se haviam calado; viram-no sair e tomar a
direção do oásis.
Decorreu uma hora.
Pouco depois o beduíno
voltava da fonte, tropeçando às vezes e curvado ao peso de quatro
odres, completamente cheios.
Arriou-se em frente à
porta da cabana que deixara aberta. Tomou um odre e devagar foi
derramando a água toda no tronco da palmeira mais elevada.
O solo quente chupava o
líquido como se tivesse garganta sedenta. O segundo odre coube à
palmeira do meio.
Do chão vinha o cheiro
da terra há muito seca, e que de súbito recebe água da chuva.
Com a palmeira mais
raquítica o árabe foi mais compassivo: derramou-lhe odre e meio ao
redor das raízes e dividiu a metade da água restante pelas duas
outras.
— Não têm mais
motivos de queixa, murmurou. Tinham razão estas pobres plantas. Eu
cuidarei delas.
Dormiu sossegado e pela
madrugada quando saiu para o trabalho notou que os leques das
palmeiras farfalhavam. No entanto reinava profunda calma.
— É que estão
contentes, disse ele.
À tarde, quando
regressou da cidade, fez um rodeio e voltou da fonte com os odres
cheios. Não havia aragem, mas ao avistarem-no os leques das
palmeiras se agitaram.
O árabe derramou-lhes
a água que trouxera e foi dormir satisfeito até a outra manhã.
E assim todos os dias,
ao voltar do trabalho, as plantas tinham a sua ração de água.
Cansado embora, ele as regava.
Por fim, Mustafá já
as amava como se fossem criaturas. Estavam esbeltas, com leques novos
e verdejantes e cobriam de doce sombra a choupana do beduíno.
Nas horas mais quentes
quando nenhum vento refrescava a planície ardente, elas se agitavam,
enchendo de frescura o refúgio do seu benfeitor.
Em breve a fama da
beleza das três plantas chegava à cidade e todos vinham
admirar-lhes o viço e o frescor que se gozava à sua sombra.
Tal fama chegou aos
ouvidos do grão-vizir, favorito do sultão e que tinha um palácio
na rua principal.
Seguido de sua comitiva
foi também ver as formosas palmeiras. Apreciou tanto essas rainhas
do deserto que resolveu edificar ali mesmo um palácio.
Mandou chamar Mustafá
e perguntou-lhe:
É tua esta cabana?
— Sim, fui eu que a
construí.
— Queres vender-ma?
— Oh! Não, senhor. É
a minha casa. Tenho-lhe amizade, muita amizade.
— Pois há de ser
minha. Resolvi edificar aqui o meu palácio de verão: a cidade é
uma brasa, e quero gozar o frescor destas lindas palmeiras.
— Fui eu quem as
tratou e delas cuido como se minhas filhas fossem; não mas tireis,
grão-vizir! Eu vos suplico!
— Por que não? Que
direitos tens tu?
— Queixar-me-ei ao
sultão, exclamou o guadeiro.
— Ele não te
acreditará nem eu te consinto. Olá, guardas, levai preso este
homem! metei-o no cárcere.
Mustafá foi agarrado;
um relâmpago de energia faiscou no seu olhar sempre tranqüilo.
Conteve-se.
De súbito, ajoelhou-se
chorando:
— Não sejais mau,
senhor, nada tenho e sou um mísero beduíno sem pai, sem mãe, sem
amigos; amo a minha choupana e as palmeiras de que cuido todos os
dias. Tende misericórdia, grão-vizir, eu vos rogo!
— Deixa-te de
lamúrias. Amanhã a tua casa será arrasada.
— Oh! O Sultão não
há de consentir nessa violência.
— Ele não te
atenderá.
— Pois se tu não me
queres ouvir, se o sultão não me atender, ainda tenho a quem me
queixar!
— A quem, mísero
verme?
— A Deus que te
punirá.
— Maldito! Punido
serás tu!
Voltou-se, furioso,
para o seu carrasco:
— Entrego-te este
infiel.
Rápido como um raio, o
alfanje do executor decepou a cabeça de Mustafá. Ela foi rolando
até o troco de uma das palmeiras, embebendo o solo de sangue.
O bárbaro vizir
retirou-se com a comitiva e o corpo de Mustafá ficou inerte, junto
dos odres cheios de água que ele destinava às palmeiras.
Alta madrugada dois
mercadores da cidade, amigos de Mustafá, vieram buscar-lhe o corpo,
às ocultas, com receio de serem punidos pelo vizir.
Embrulharam o tronco e
a cabeça e enterraram os despojos mortais nas proximidades da fonte
onde o beduíno ia buscar água.
Entretanto, a morada de
Mustafá foi logo demolida e centenas de obreiros levantavam, no
local, amplo e bem construído palácio. Três meses depois estava
pronto, com magníficas colunas de mármore e terraços mouriscos.
Fora construído de modo que as três palmeiras ficavam fronteiras
aos aposentos do grão-vizir. Elas estavam lindas, com as frondes
virentes e balouçantes.
Logo que ficou
preparado o palácio, resolveu o ministro do sultão inaugura-lo com
grande pompa. Houve larga distribuição de convites e a festa foi
esplêndida. Música, danças e opíparo banquete resumiam o festim.
Afinal, alta madrugada,
os convidados se retiraram e o vizir ficou com os seus servos, indo
dormir na sua luxuosa câmara.
As palmeiras
farfalhavam ainda quando o sono fechou-lhe as pálpebras...
No dia seguinte
emissários do sultão e os mercadores da cidade se achavam em pleno
deserto, atônitos e em pasmo.
No local onde estivera
a cabana de Mustafá e onde na véspera, o palácio do vizir se
erguera, nada mais existia. O palácio desaparecera.
E as palmeiras?
Essas, uma mulher que
fora à fonte, as vira.
Estavam eretas, belas
como dantes, junto à cova, onde jaziam o corpo mutilado e a cabeça
decepada do pobre Mustafá! Elas abriam os leques à brisa da manhã
e cobriam de fresca sombra a tumba de seu benfeitor.
O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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