sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 6


AS AVENTURAS DE UM GALO

Numa floresta viviam em suave amizade dois amigos: um menino chamado Armínio e um galo que tinha o nome de Meia- noite.
Nenhum dos dois era feliz: o rapazinho porque a sua madrasta batia-lhe sem piedade durante quase todos os dias, e o galo porque... era um bicho e todo o seu desejo era ser homem.
— Meu galinho, dizia uma vez Armínio ao seu companheiro, andas sempre a gemer. Eu invejo a tua sorte; não tens madrasta e comes à vontade.
— Sim, respondeu o galo,mas não sou gente e quando me lembro de que sou mesmo um animal, fico... suportaria dez madrastas, passaria fome, não cantaria à meia noite em ponto, com a condição pertencer ao sexo masculino. Olha... não te rias. Ainda há dias encontrei um astrólogo e nigromante na floresta a quem pedi que me fizesse gente. Ele riu muito mas afinal me disse sério, muito sério: —“Se tu achares um homem que queira trocar contigo eu prometo realizar a troca”.
— Pois eu quero trocar, disse Armínio, e já já.
— Deixa-me continuar, acrescentou o galo; ele ainda disse: “Ao homem que trocar e ficar sendo galo eu concedo ainda um dom: basta que sacuda as asas e grite: “Pela minha crista e pelo esporão” que verá realizar todos os desejos que quiser, mesmo os mais extravagantes”.
— Tanto melhor, disse Armínio. Troquemos.
Como o principal era a boa vontade ambos a troca se fez logo. Como por encanto, surgiu do solo um anãozinho que bateu com uma varinha de ébano e cristal na crista do galo e na cabeça de Armínio e logo Armínio virou galo e o galo fico sendo Armínio.
Mas bem certo é ditado que ninguém fica contente com a sorte que tem. Armínio fugiu da madrasta e foi correr aventuras e o Meia-noite, esse foi apanhado pela tal madrasta que foi vender no mercado da cidade próxima.
O pobrezinho ia com os pés amarrados, as asas atadas e de cabeça para baixo, suspenso ao pulso da madrasta; o bicho gemia, piava tanto , que uma gentil criança que passava pela estrada, numa carruagem dourada e com postilhão de libré azul e prata, mandou parar o coche e comprou o galo. Era a filha do Marques de Sete Estrelas que passeava com o governante.
Daí em diante a vida de Meia-noite foi uma série de prazeres e ele bendizia a hora em que trocara de pele.
No quintal nada lhe faltava e a própria marquesinha Colo (abreviatura de Clotilde) era quem lhe trazia o melhor milho, grão de arroz e alpiste e hortaliças fresquinhas que o hortelão cuidadosamente escolhia. Passava o galo uma vida divertida com as galinhas e frangas, bebendo água cristalina no ribeirão próximo e comendo frutos delicados. Ele que noutros tempos cantava infalivelmente à meia noite estava até com a ociosidade e a fartura, bastante preguiçoso. Já dia, com o sol é que lembra de abrir o bico para, com o seu coco-ricô lembrar à dona o milho da manhã.
Mas o tempo ia passando e a marquesinha, já moça, era quase diariamente pedida em casamento. O galo Meia-noite via, com verdadeiro pesar, que mais dia, menos dia, ela casar-se-ia... e então qual seria a sorte, o destino dele, galo privilegiado, mas afinal... galo?
Certa manhã, ele acordou em sobressalto pois no galinheiro havia uma enorme algazarra. Pensou que fossem ladrões com sacos borrifados de cal que estivessem carregando os voláteis. Viu depois que era a cozinheira mor e o primeiro lavador de pratos que pegavam as aves, tomavam-lhe o peso e metiam as mais gordas em grandes cestos.
O lavador de pratos agarrou o Meia-noite, mas a cozinheira acudiu logo:
— Larga, larga... esse não; é o galo da Senhora Marquesinha. Que diria ela? Seríamos posto na rua... olha, pega aquela perua... o capão também....
— Desta vez então ela se vai casar? Perguntou o criado. Com quem?
— Dizem que com o rei da Enxúndia que é rico, muito rico, e parece ser muito bonito pelo retrato que ela nos mostrou. Mas vamos. Nada de perder tempo. Só matar e depenar tudo isto!...
Devem-se imaginar como não ficou o galo Meia-noite ouvindo esta conversa. Caíram-lhe amolecidas as asas e a crista. Deixou de beber e comer e ficou-se a um canto, empoleirado e jururu.
Mas à tarde, indo até o ribeirão teve ocasião de ver o rei da Enxúndia que na verdade não era feio e tinha um ar gentil, usando com elegância uma linda espada de copos de ouro e pedras raras.
Nessa ocasião teve ele o mais cruel desengano a respeito das intenções do pretendente. Conversando com o conde de Pica-Pau ele assim manifestou os próprios sentimentos:
— Ela é bonita, meu caro primo, mas não é o amor que me impele a esta união. Como sabes, estou com o tesouro arruinado e o meu povo geme cheio de impostos. Ora, o marquês é riquíssimo e tem barris com ouro amoedado que trouxe das cruzadas. Com essas riquezas não faltarão torneios, danças, amores... Os tais besante de ouro servirão para restaurar as finanças do país e as... minhas, meu caro primo.
O conde de Pica-Pau despediu-se, talvez aborrecido com a franqueza do rei e este ia voltar quando o bicho se lhe pos por adiante. O galo bate as asas e o rei estupefato ouve-o gritar:
— Pela minha crista e meu esporão venha já uma bolsa cheia de besante, debaixo do meu pé.
Logo apareceu a bolsa que o rei quis segurar, ma o galo, deu-lhe tremenda bicada no rosto.
— Os besantes de ouro serão teus com a condição de te ires embora para o teu reino. Queres? Perguntou o galo.
— Aceito, disse o avarento rei, tu és feiticeiro mas teu ouro é bom.
Pouco depois a marquesinha viu o galo e falou:
— Sabes que vou casar e daqui a seis meses serei rainha?
O galo não respondeu.
— Meu marido te dará figos, uvas, amoras. Não queres ir comigo?
O galo, alegre cantava porque o rei fora embora.
Tendo rebentado uma grande guerra, para ela partiu o marques; o galo, aproveitando a ausência convenceu a moça que o devia acompanhar até as terras do rei da Enxúndia. Queria o esperto que a marquesa ouvisse, ela mesma, o que dizia o povo do pérfido monarca.
Resolvida a viagem partiram os dois, sem mais ninguém. Qualquer coisa que precisassem o galo pediria pela crista e pelo esporão.
Por isso apenas se acharam na estrada o galo fez vir um coche encantado em que ela embarcou ao lado de uma pequenina fada que servia de condutor. O galo disfarçou-se de silfo e a acompanhou alegremente.
Pelo caminho o galo achou bons companheiros que ele adormeceu e pôs no fundo do coche alado. Levou consigo um lobo faminto; uma raposa também esfomeada, um riacho que ele cristalizou em um lindo brilhante e uma colméia de abelhas. Estas porém iam trabalhando porque a marquesinha, gostava muito de mel.
Por toda parte a marquesinha só ouvia dizer mal do seu noivo e assim se convenceu de quanto ele era odiado pelo povo. Eis o que diziam:
— Maldito! Vendeu as oliveiras e limoeiros para fazer dinheiro, dizia um.
— É um bruxo que faz moedas falsas, gritava uma velha.
— Não crê em Deus! É um herege, quer nos vender aos mouros, acrescentava um eremita.
— Protege os piratas e os salteadores, exclamou um viajante que fora roubado.
— Faz prender os mercadores ricos e queima os Judeus, clamava uma jovem.
E como estas, ouviam muitas queixas; afinal chegaram às portas do palácio.
O galo retomou o seu aspecto, e Marquesinha transformou-se em andorinha e o primeiro bateu na janela do rei com o bico, cantando: — co-co-ricô!
— Aí vem o maldito cobrar-me os cem besantes de ouro, murmurou o rei. Eu já o arranjo. Cornelia! Cornelia!
A cozinheira real apareceu de touca e avental.
— Olha. Pega esse galo e sangra-o já. Quero-o de molho pardo.
— Eu não mato nada. Já me deve quatro meses de ordenado. Ele que espere.
O galo já estava longe e fora buscar os seus companheiros de viagem, dando-lhes serviços.
No dia seguinte o lobo tinha feito uma devastação nos rebanhos e a ira do povo se voltava contra o rei. No fim de uma semana os campônios estavam planejando uma revolta.
A raposa não deixava os galinheiros sossegados e era enorme a mortalidade.
Para maior mal apareceu uma fonte no palácio que inundou tudo até os campos. Era o rio que Meia-noite trouxera e que estivera cristalizado como diamante.
A vida tornou-se má, e criados do palácio, guardas, etc., se revoltaram contra o rei que respondia afinal pelo que tinha feito e também pelo que não praticara.
O palácio foi cercado pelo povo e nessa ocasião o pai da marquesinha, que partira para a guerra chegava à cidade para visitar o seu futuro genro.
O galo que o vira chegar fez com que a filha lhe fosse ao encontro e o marques ficou admirado.
Ela contou então o que se estava passando e ele entrou no palácio com a filha.
Vira o rei escondido e a tremer embaixo de uma cama.
— Sai, dizia o galo.
— Não, não, respondia o rei.
Nisto um enxame de abelhas (as que tinham viajado) entrou no quarto e o rei não teve remédio senão fugir.
— Na verdade, minha filha este homem não é digno de ti. É um medroso e...
As suas palavras foram interrompidas por clamores; era a população que arrombara as portas do palácio.
— Viva o galo! Dizia o povo, vendo Meia-noite e as abelhas que perseguiram o mísero rei.
Depois o galo, indo a uma janela, gritou:
— Por minha crista e meu esporão, o ouro todo está no porão.
Nisto um pobre criado, soluçando, veio ao encontro do galo, dizendo:
— Ai de mim, ai de mim, se tu quisesses trocar outra vez...
Meia-noite reconheceu Armínio, que continuou:
— Não quero mais ser homem, casei-me com uma mulher que me bate todos os dias...
— E eu quero voltar a ser o que era. Anda cá.
Foram ambos ter à sala do trono onde estavam a marquesinha e o pai; este intercedera pelo rei, mas o povo o levou e meteu-o na prisão.
Chegando à sala com Armínio, que se apresentava em completo desânimo, o galo batendo as asas pediu:
— Venha já o meu protetor!
A porta abriu-se como se fosse impelida pelo vento e apareceu um anãozinho, vestido de casaca verde e amarela que cumprimentou o marquês e a filha.
Depois bateu com a varinha na crista do galo e na cabeça de Armínio. O primeiro se foi alongando e transformando em um belo príncipe enquanto o outro se transformava em galo.
— O príncipe que eu vi em sonhos, meu pai! Exclamava a marquesinha. Deixai-me casar com ele.
— Seja feita vossa vontade, filha, pois o noivo também me agrada.
Partiram todos e foram casar-se em suas terras, tendo havido festas esplêndidas.
O verdadeiro galo Meia-noite passou a vida regalada com seus patrões. Morreu de velho.
O lobo foi mandado para terras distantes e lá foi morto por um caçador.
A raposa encontrou na floresta um corvo a quem ela, por enganoso ardil, roubou um queijo. Certa vez que voltava, ferida, de um quintal onde levara alguns bagos de chumbo grosso, o corvo se vingou, beliscando-a e comendo-a por completo.
O riacho continuou a corre e a irrigar os campos e as abelhas dão ainda hoje um mel delicioso.
Quanto ao rei da Enxúndia, conseguiu fugir da prisão; ajuntou companheiros, apossou-se de um navio negreiro e não só roubava como vendia escravos.
Um belo dia o agarraram e o infeliz foi pendurado na forca como se fosse o último dos patifes, com grande aplauso do povo da Enxúndia.
Todas estas coisas se passaram no tempo em que se amarravam cachorro com grossas lingüiças ou chouriços de fumeiro.






O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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