AS AVENTURAS DE UM GALO
Numa floresta viviam em
suave amizade dois amigos: um menino chamado Armínio e um galo que
tinha o nome de Meia- noite.
Nenhum dos dois era
feliz: o rapazinho porque a sua madrasta batia-lhe sem piedade
durante quase todos os dias, e o galo porque... era um bicho e todo o
seu desejo era ser homem.
— Meu galinho, dizia
uma vez Armínio ao seu companheiro, andas sempre a gemer. Eu invejo
a tua sorte; não tens madrasta e comes à vontade.
— Sim, respondeu o
galo,mas não sou gente e quando me lembro de que sou mesmo um
animal, fico... suportaria dez madrastas, passaria fome, não
cantaria à meia noite em ponto, com a condição pertencer ao sexo
masculino. Olha... não te rias. Ainda há dias encontrei um
astrólogo e nigromante
na floresta a quem pedi que me fizesse gente. Ele riu muito mas
afinal me disse sério, muito sério: —“Se tu achares um homem
que queira trocar contigo eu prometo realizar a troca”.
— Pois eu quero
trocar, disse Armínio, e já já.
— Deixa-me continuar,
acrescentou o galo; ele ainda disse: “Ao homem que trocar e ficar
sendo galo eu concedo ainda um dom: basta que sacuda as asas e grite:
“Pela minha crista e pelo esporão” que verá realizar todos os
desejos que quiser, mesmo os mais extravagantes”.
— Tanto melhor, disse
Armínio. Troquemos.
Como o principal era a
boa vontade ambos a troca se fez logo. Como por encanto, surgiu do
solo um anãozinho que bateu com uma varinha de ébano e cristal na
crista do galo e na cabeça de Armínio e logo Armínio virou galo e
o galo fico sendo Armínio.
Mas bem certo é ditado
que ninguém fica contente com a sorte que tem. Armínio fugiu da
madrasta e foi correr aventuras e o Meia-noite, esse foi apanhado
pela tal madrasta que foi vender no mercado da cidade próxima.
O pobrezinho ia com os
pés amarrados, as asas atadas e de cabeça para baixo, suspenso ao
pulso da madrasta; o bicho gemia, piava tanto , que uma gentil
criança que passava pela estrada, numa carruagem dourada e com
postilhão
de libré azul e prata, mandou parar o coche e comprou o galo. Era a
filha do Marques de Sete Estrelas que passeava com o governante.
Daí em diante a vida
de Meia-noite foi uma série de prazeres e ele bendizia a hora em que
trocara de pele.
No quintal nada lhe
faltava e a própria marquesinha Colo (abreviatura de Clotilde) era
quem lhe trazia o melhor milho, grão de arroz e alpiste e hortaliças
fresquinhas que o hortelão cuidadosamente escolhia. Passava o galo
uma vida divertida com as galinhas e frangas, bebendo água
cristalina no ribeirão próximo e comendo frutos delicados. Ele que
noutros tempos cantava infalivelmente à meia noite estava até com a
ociosidade e a fartura, bastante preguiçoso. Já dia, com o sol é
que lembra de abrir o bico para, com o seu coco-ricô lembrar à dona
o milho da manhã.
Mas o tempo ia passando
e a marquesinha, já moça, era quase diariamente pedida em
casamento. O galo Meia-noite via, com verdadeiro pesar, que mais dia,
menos dia, ela casar-se-ia... e então qual seria a sorte, o destino
dele, galo privilegiado, mas afinal... galo?
Certa manhã, ele
acordou em sobressalto pois no galinheiro havia uma enorme algazarra.
Pensou que fossem ladrões com sacos borrifados de cal que estivessem
carregando os voláteis. Viu depois que era a cozinheira mor e o
primeiro lavador de pratos que pegavam as aves, tomavam-lhe o peso e
metiam as mais gordas em grandes cestos.
O lavador de pratos
agarrou o Meia-noite, mas a cozinheira acudiu logo:
— Larga, larga...
esse não; é o galo da Senhora Marquesinha. Que diria ela? Seríamos
posto na rua... olha, pega aquela perua... o capão também....
— Desta vez então
ela se vai casar? Perguntou o criado. Com quem?
— Dizem que com o rei
da Enxúndia que é rico, muito rico, e parece ser muito bonito pelo
retrato que ela nos mostrou. Mas vamos. Nada de perder tempo. Só
matar e depenar tudo isto!...
Devem-se imaginar como
não ficou o galo Meia-noite ouvindo esta conversa. Caíram-lhe
amolecidas as asas e a crista. Deixou de beber e comer e ficou-se a
um canto, empoleirado e jururu.
Mas à tarde, indo até
o ribeirão teve ocasião de ver o rei da Enxúndia que na verdade
não era feio e tinha um ar gentil, usando com elegância uma linda
espada de copos de ouro e pedras raras.
Nessa ocasião teve ele
o mais cruel desengano a respeito das intenções do pretendente.
Conversando com o conde de Pica-Pau ele assim manifestou os próprios
sentimentos:
— Ela é bonita, meu
caro primo, mas não é o amor que me impele a esta união. Como
sabes, estou com o tesouro arruinado e o meu povo geme cheio de
impostos. Ora, o marquês é riquíssimo e tem barris com ouro
amoedado que trouxe das cruzadas. Com essas riquezas não faltarão
torneios, danças, amores... Os tais besante
de ouro servirão para restaurar as finanças do país e as...
minhas, meu caro primo.
O conde de Pica-Pau
despediu-se, talvez aborrecido com a franqueza do rei e este ia
voltar quando o bicho se lhe pos por adiante. O galo bate as asas e o
rei estupefato ouve-o gritar:
— Pela minha crista e
meu esporão venha já uma bolsa cheia de besante, debaixo do meu pé.
Logo apareceu a bolsa
que o rei quis segurar, ma o galo, deu-lhe tremenda bicada no rosto.
— Os besantes de ouro
serão teus com a condição de te ires embora para o teu reino.
Queres? Perguntou o galo.
— Aceito, disse o
avarento rei, tu és feiticeiro mas teu ouro é bom.
Pouco depois a
marquesinha viu o galo e falou:
— Sabes que vou casar
e daqui a seis meses serei rainha?
O galo não respondeu.
— Meu marido te dará
figos, uvas, amoras. Não queres ir comigo?
O galo, alegre cantava
porque o rei fora embora.
Tendo rebentado uma
grande guerra, para ela partiu o marques; o galo, aproveitando a
ausência convenceu a moça que o devia acompanhar até as terras do
rei da Enxúndia. Queria o esperto que a marquesa ouvisse, ela mesma,
o que dizia o povo do pérfido monarca.
Resolvida a viagem
partiram os dois, sem mais ninguém. Qualquer coisa que precisassem o
galo pediria pela crista e pelo esporão.
Por isso apenas se
acharam na estrada o galo fez vir um coche encantado em que ela
embarcou ao lado de uma pequenina fada que servia de condutor. O galo
disfarçou-se de silfo e a acompanhou alegremente.
Pelo caminho o galo
achou bons companheiros que ele adormeceu e pôs no fundo do coche
alado. Levou consigo um lobo faminto; uma raposa também esfomeada,
um riacho que ele cristalizou em um lindo brilhante e uma colméia de
abelhas. Estas porém iam trabalhando porque a marquesinha, gostava
muito de mel.
Por toda parte a
marquesinha só ouvia dizer mal do seu noivo e assim se convenceu de
quanto ele era odiado pelo povo. Eis o que diziam:
— Maldito! Vendeu as
oliveiras e limoeiros para fazer dinheiro, dizia um.
— É um bruxo que faz
moedas falsas, gritava uma velha.
— Não crê em Deus!
É um herege, quer nos vender aos mouros, acrescentava um eremita.
— Protege os piratas
e os salteadores, exclamou um viajante que fora roubado.
— Faz prender os
mercadores ricos e queima os Judeus, clamava uma jovem.
E como estas, ouviam
muitas queixas; afinal chegaram às portas do palácio.
O galo retomou o seu
aspecto, e Marquesinha transformou-se em andorinha e o primeiro bateu
na janela do rei com o bico, cantando: — co-co-ricô!
— Aí vem o maldito
cobrar-me os cem besantes de ouro, murmurou o rei. Eu já o arranjo.
Cornelia! Cornelia!
A cozinheira real
apareceu de touca e avental.
— Olha. Pega esse
galo e sangra-o já. Quero-o de molho pardo.
— Eu não mato nada.
Já me deve quatro meses de ordenado. Ele que espere.
O galo já estava longe
e fora buscar os seus companheiros de viagem, dando-lhes serviços.
No dia seguinte o lobo
tinha feito uma devastação nos rebanhos e a ira do povo se voltava
contra o rei. No fim de uma semana os campônios estavam planejando
uma revolta.
A raposa não deixava
os galinheiros sossegados e era enorme a mortalidade.
Para maior mal apareceu
uma fonte no palácio que inundou tudo até os campos. Era o rio que
Meia-noite trouxera e que estivera cristalizado como diamante.
A vida tornou-se má, e
criados do palácio, guardas, etc., se revoltaram contra o rei que
respondia afinal pelo que tinha feito e também pelo que não
praticara.
O palácio foi cercado
pelo povo e nessa ocasião o pai da marquesinha, que partira para a
guerra chegava à cidade para visitar o seu futuro genro.
O galo que o vira
chegar fez com que a filha lhe fosse ao encontro e o marques ficou
admirado.
Ela contou então o que
se estava passando e ele entrou no palácio com a filha.
Vira o rei escondido e
a tremer embaixo de uma cama.
— Sai, dizia o galo.
— Não, não,
respondia o rei.
Nisto um enxame de
abelhas (as que tinham viajado) entrou no quarto e o rei não teve
remédio senão fugir.
— Na verdade, minha
filha este homem não é digno de ti. É um medroso e...
As suas palavras foram
interrompidas por clamores; era a população que arrombara as portas
do palácio.
— Viva o galo! Dizia
o povo, vendo Meia-noite e as abelhas que perseguiram o mísero rei.
Depois o galo, indo a
uma janela, gritou:
— Por minha crista e
meu esporão, o ouro todo está no porão.
Nisto um pobre criado,
soluçando, veio ao encontro do galo, dizendo:
— Ai de mim, ai de
mim, se tu quisesses trocar outra vez...
Meia-noite reconheceu
Armínio, que continuou:
— Não quero mais ser
homem, casei-me com uma mulher que me bate todos os dias...
— E eu quero voltar a
ser o que era. Anda cá.
Foram ambos ter à sala
do trono onde estavam a marquesinha e o pai; este intercedera pelo
rei, mas o povo o levou e meteu-o na prisão.
Chegando à sala com
Armínio, que se apresentava em completo desânimo, o galo batendo as
asas pediu:
— Venha já o meu
protetor!
A porta abriu-se como
se fosse impelida pelo vento e apareceu um anãozinho, vestido de
casaca verde e amarela que cumprimentou o marquês e a filha.
Depois bateu com a
varinha na crista do galo e na cabeça de Armínio. O primeiro se foi
alongando e transformando em um belo príncipe enquanto o outro se
transformava em galo.
— O príncipe que eu
vi em sonhos, meu pai! Exclamava a marquesinha. Deixai-me casar com
ele.
— Seja feita vossa
vontade, filha, pois o noivo também me agrada.
Partiram todos e foram
casar-se em suas terras, tendo havido festas esplêndidas.
O verdadeiro galo
Meia-noite passou a vida regalada com seus patrões. Morreu de velho.
O lobo foi mandado para
terras distantes e lá foi morto por um caçador.
A raposa encontrou na
floresta um corvo a quem ela, por enganoso ardil, roubou um queijo.
Certa vez que voltava, ferida, de um quintal onde levara alguns bagos
de chumbo grosso, o corvo se vingou, beliscando-a e comendo-a por
completo.
O riacho continuou a
corre e a irrigar os campos e as abelhas dão ainda hoje um mel
delicioso.
Quanto ao rei da
Enxúndia, conseguiu fugir da prisão; ajuntou companheiros,
apossou-se de um navio negreiro e não só roubava como vendia
escravos.
Um belo dia o agarraram
e o infeliz foi pendurado na forca como se fosse o último dos
patifes, com grande aplauso do povo da Enxúndia.
Todas estas coisas se
passaram no tempo em que se amarravam cachorro com grossas lingüiças
ou chouriços de fumeiro.
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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