terça-feira, 29 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO II - A CRUZ DA ESTRADA


A CRUZ DA ESTRADA
Castro Alves

Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz, dormir na solidão.

Que vale o ramo de alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vai espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.

É de escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz:
Deixa-o dormir no leito de verdura
Que o Senhor, entre as relvas, lhe compôs.

Não precisa de ti. O gaturamo
Geme por ele à tarde no sertão:
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.

Entre os braços da cruz, a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu;
Chora orvalhos a grama, que palpita,
E acende o vaga-lume o facho seu.

Quando à noite o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus...
Prende-se a voz na boca das cascatas
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

Caminheiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.

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