sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 3


A FOGUEIRA DE S. JOÃO

Há muitos anos vivia na antiga província de Minas, numa povoação das montanhas, um lenhador chamado Mateus. Ia todo dia fazer lenha para vender na cidade próxima, sita no vale. À tardinha voltava para a humilde casa que o abrigava, à mulher e a sete filhos pequenos.
A mulher era moça e trabalhadeira e os filhos bonitos e fortes; eram bons e alegres como passarinhos; tudo pois indicava que Mateus era feliz, mas este andava triste.
O ano fora mau para ele; as raposas e gatos do mato tinham devastado a criação embora perseguisse com afinco os temíveis bichos e ele também adoecera várias vezes com reumatismos agudos que, durante muitos dias, impediam que trabalhasse.
Tinha vontade de deixar a montanha onde sentia frio e vir para a planície onde se desse melhor, mas aquela casa fora legado pelo pai com alguns alqueires de terra e era a única herança dos seus filhos e da Maricota — sua mulher. Resolvera afinal vender só algum terreno próximo.
Outra razão tinha o lenhador para se não desfazer daqueles bens e da casa onde há tantos anos vivia e onde nascera. É que, seu pai, lhe dizia sempre que naquele sítio havia um tesouro escondido. O velho e ele tinham remexido a terra mas infrutiferamente. Depois da morte dele, Mateus, sempre que tinha tempo, escavava o terreno, plantava, ajudado pela mulher e filhos mais velho, mas continuavam a nada encontrar.
Tal tesouro, dissera o pai, fora escondido por um rico colono que ameaçado de prisão, no tempo de D. João V, como conspirador, fugira para o lado de Goiás, tendo antes enterrado ou oculto, a sua fortuna com o intento de, mais tarde, a recuperar. Esta história fora contada pelo avô de Mateus que era serviçal do colono — um antigo fidalgo emigrado.
Muitas vezes, obsecado com a idéia de achar a fortuna do fidalgo, Mateus, com um alviãoou enxada, revolvia a terra freneticamente; tudo era em vão.
Entretanto decorria o mês de junho e a temperatura baixava muito. O frio estava rigoroso e era chegada a as vésperas de S. João tão festejado no Brasil. Mas, se em muitas casa havia bailes e diversões e muitas fogueiras se acendiam ao longe, e viam-se sobre a cidade longínqua surgirem foguetes e balões, no lar de Mateus havia tristeza. Não obstante, os filhos e a mulher o rodearam quando voltou da mata.
— Não te apoquentes, disse ela — temos aipim, carás e boas batatas. Arranjei um pote de melado e faremos uma boa festa. Descança um pouco e vamos depois armar a fogueira.
— E é mesmo preciso que arda durante toda a noite, mamã. Está muito frio.
— Tens razão. Há geada.
No terceiro fronteio a casa, Maricota e os filhos dispunham as achas e toros para uma enorme pira. Sucedera que pela manhã o padeiro da cidade viera com os carros de bois buscar lenha e o terreiro estava vazio; a lenha era pouca e só à beira da floresta é que estava a que Mateus cortara na última semana.
— A lenha é pouca, disse Maricota ao marido. Ah! Escuta, recebeste o dinheiro do padeiro?
— Vai dar-mo amanhã. Esta gente rica ou remediada pensa sempre que os pobres podem esperar...
— Mamã! E a lenha? Perguntou um dos filhos.
— Já vou ver. Trás o machado.
Perto da casa, dando sombra ao galinheiro freqüentado pelos gatos e raposas, havia uma mangueira secular. De tronco grosso e carcomido. Não florescera e minada pelo tempo e cupim a custo a folhagem, falta já de seiva, se mantinha nos ramos.
— Vais derruba-la, Mateus? Indagou Maricota.
— Sim, já morreu. Tenho pena porque à sombra dela eu e meu pai brincamos. Mas chegou-lhe a hora como há de chegar a minha.
E talvez mais comovido do que queria parecer, atirou ao troco anoso o primeiro golpe.
A árvore gemia. As foiçadas e machadadas sucediam-se. O lenhador era auxiliado pelos filhos mais velhos.
Dentro em pouco, com estrondoso fragor ela tombou esmagando a cerca do galinheiro depredado; pelos ramos escaparam gambás e aves noturnas.
Lenha não faltava. S. João ia ser dignamente festejado naquele lar pobre.
— Lá do vale, dizia a Maricota — o vigário há de ver que não esquecemos nossa devoção.
Mateus e os filhos armaram a fogueira defronte da larga porta do quintal pondo na base da pira os toros mais grossos da velha mangueira.
Apesar da geada, todos suavam e sentiam calor, tal o esforço que tinham feito.
João, o menino mais velho acendeu o lume com um tição que trouxe da cozinha. Em breve as labaredas, crepitando, subiam ao céu com grande gáudio da criançada.

Quem não se recorda de uma bela noite de festa, na roça, ao redor de uma gigantesca fogueira? Pois bem, o festejado da família não teve fogos de artifício, foguetes e balões de papel, mas não faltaram batatas doces, aipim, cana assada e magníficos inhames e carás de várias espécies; o próprio Mateus esqueceu as mágoas e se alegrou com a alegria dos filhos, que era preciso conter a cada momento. De vez em quando se ouvia.
— Cuidado, Zoé!
— Quero cará!
— Mais melado, papai!
— Sai da fogueira, menina!
— Não te queimes! Ó João!
De repente a Zôo, uma galante menina perguntou:
— Falta muito para o Natal, papai?
— Ora essa. Até lá não me doam os dentes.
— Que boba, mamãe, disse o João. Pois não sabes que só em dezembro é que se festeja o Natal?
— E S. João não dá festas, mamã?
— Deu-nos saúde, filha. Já são boas e das melhores festas estarem todos bons.
— Mas eu não queria só isso. No Natal vou por meu tamanco para ver se ganho uma boneca.
— E você, Elisa? Perguntou o pai distraído com a conversa.
— Muitos doces e uma caixa de costura.
— Eu, tornou outro, queria muitos sacos de castanhas. Comiam-se muitas e vendiam-se as restantes.
— Pois enquanto não vem as castanhas, tira-me uma cana crioula que está perto do tronco mais grosso, disse o pai.
O Nico, que falara por último, esgravatou as brasas afastando-as e tirou a cana, quase assada.
Nisto viu luzir uma coisa remechendo na cinza, que puxou para si a fim de ver o que tanto brilhava...
Era um disco amarelo. O pequeno tocou-o mais fora com um graveto e pegou-o.
Deu um grito e exclamou:
— Pelei-me.
Com a ponta do jaleco apanhou o objeto brilhante e mostrou-o aos pais.
Todos correm a ver dizendo: — Que é?
— Uma moeda ... e de ouro, falou Mateus com voz trêmula, vamos ver.
Limpou-a e exclamou:
— Um dobrão de ouro!
Nisto o João e o Nico remexiam a cinza e gritavam:
— Papai! Mamãe, tem mais!
De fato, entre a cinza, fulgiam outras moedas de ouro e de prata.
O lenhador puxou com o machado um toro meio carbonizado da mangueira e sob o qual algumas moedas apareciam.
Debaixo dele outras mais havia.
Mateus com a voz embaraçada pela emoção, tomou do machado e depois de afastar os filhos vibrou vigorosa machadada.
O tronco abriu-se ao meio; estava oco em quase toda a extensão e sua cavidade cheia de moedas de Portugal e Espanha!...
Mateus, depois de abraçar-se com a Maricota, pôs-se a dançar com ela.
As crianças pulavam e outras sapecavam os dedos apanhando moedas.
Depois, mais calmo, Mateus bradou:
— Ajoelhemos meus filhos e agradeçamos a Deus e a S.João. estamos livres da miséria!
Depois de orarem fizeram a útil colheita.
Estamos ricos.
Pela madrugada, apagaram a fogueira a baldes d’água e entre as cinzas acharam ainda numerosas moedas.
Razão tivera o avô das crianças; no terreiro havia um tesouro — a fortuna do emigrado. Não estava, porém, no solo, tantas vezes revolvido, mas no tronco oco da vetusta mangueira.
Mateus comprou ricas terras e ele, Maricota e os filhos foram muito felizes.
Quando chegou o dia de Natal, as crianças tiveram tudo o que tinham desejado naquela noite de S. João e mais alguma coisa.
Não esqueceram dos meninos pobres, que ganharam dinheiro, roupas e brinquedos.
Daí por diante, todos os anos, S. João era condignamente lembrado e festejado. Rezava-se de manhã missa por alma do infeliz conspirador que não lograra gozar aquela grande fortuna.
Quando o Mateus contava a aventura daquela noite dizia:
— Quase fiquei louco vendo tanto dinheiro!
E a Maricota acrescentava:
— Pois até se pôs a dançar!


COPIADO DE 

O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.



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