A FOGUEIRA DE S. JOÃO
Há muitos anos vivia
na antiga província de Minas, numa povoação das montanhas, um
lenhador chamado Mateus. Ia todo dia fazer lenha para vender na
cidade próxima, sita no vale. À tardinha voltava para a humilde
casa que o abrigava, à mulher e a sete filhos pequenos.
A mulher era moça e
trabalhadeira e os filhos bonitos e fortes; eram bons e alegres como
passarinhos; tudo pois indicava que Mateus era feliz, mas este andava
triste.
O ano fora mau para
ele; as raposas e gatos do mato tinham devastado a criação embora
perseguisse com afinco os temíveis bichos e ele também adoecera
várias vezes com reumatismos agudos que, durante muitos dias,
impediam que trabalhasse.
Tinha vontade de deixar
a montanha onde sentia frio e vir para a planície onde se desse
melhor, mas aquela casa fora legado pelo pai com alguns alqueires de
terra e era a única herança dos seus filhos e da Maricota — sua
mulher. Resolvera afinal vender só algum terreno próximo.
Outra razão tinha o
lenhador para se não desfazer daqueles bens e da casa onde há
tantos anos vivia e onde nascera. É que, seu pai, lhe dizia sempre
que naquele sítio havia um tesouro escondido. O velho e ele tinham
remexido a terra mas infrutiferamente. Depois da morte dele, Mateus,
sempre que tinha tempo, escavava o terreno, plantava, ajudado pela
mulher e filhos mais velho, mas continuavam a nada encontrar.
Tal tesouro, dissera o
pai, fora escondido por um rico colono que ameaçado de prisão, no
tempo de D. João V, como conspirador, fugira para o lado de Goiás,
tendo antes enterrado ou oculto, a sua fortuna com o intento de, mais
tarde, a recuperar. Esta história fora contada pelo avô de Mateus
que era serviçal do colono — um antigo fidalgo emigrado.
Muitas vezes, obsecado
com a idéia de achar a fortuna do fidalgo, Mateus, com um alviãoou
enxada, revolvia a terra freneticamente; tudo era em vão.
Entretanto decorria o
mês de junho e a temperatura baixava muito. O frio estava rigoroso e
era chegada a as vésperas de S. João tão festejado no Brasil. Mas,
se em muitas casa havia bailes e diversões e muitas fogueiras se
acendiam ao longe, e viam-se sobre a cidade longínqua surgirem
foguetes e balões, no lar de Mateus havia tristeza. Não obstante,
os filhos e a mulher o rodearam quando voltou da mata.
— Não te apoquentes,
disse ela — temos aipim, carás e boas batatas. Arranjei um pote de
melado e faremos uma boa festa. Descança
um pouco e vamos depois armar a fogueira.
— E é mesmo preciso
que arda durante toda a noite, mamã. Está muito frio.
— Tens razão. Há
geada.
No terceiro fronteio a
casa, Maricota e os filhos dispunham as achas e toros para uma enorme
pira. Sucedera que pela manhã o padeiro da cidade viera com os
carros de bois buscar lenha e o terreiro estava vazio; a lenha era
pouca e só à beira da floresta é que estava a que Mateus cortara
na última semana.
— A lenha é pouca,
disse Maricota ao marido. Ah! Escuta, recebeste o dinheiro do
padeiro?
— Vai dar-mo amanhã.
Esta gente rica ou remediada pensa sempre que os pobres podem
esperar...
— Mamã! E a lenha?
Perguntou um dos filhos.
— Já vou ver. Trás
o machado.
Perto da casa, dando
sombra ao galinheiro freqüentado pelos gatos e raposas, havia uma
mangueira secular. De tronco grosso e carcomido. Não florescera e
minada pelo tempo e cupim a custo a folhagem, falta já de seiva, se
mantinha nos ramos.
— Vais derruba-la,
Mateus? Indagou Maricota.
— Sim, já morreu.
Tenho pena porque à sombra dela eu e meu pai brincamos. Mas
chegou-lhe a hora como há de chegar a minha.
E talvez mais comovido
do que queria parecer, atirou ao troco anoso o primeiro golpe.
A árvore gemia. As
foiçadas e machadadas sucediam-se. O lenhador era auxiliado pelos
filhos mais velhos.
Dentro em pouco, com
estrondoso fragor ela tombou esmagando a cerca do galinheiro
depredado; pelos ramos escaparam gambás e aves noturnas.
Lenha não faltava. S.
João ia ser dignamente festejado naquele lar pobre.
— Lá do vale, dizia
a Maricota — o vigário há de ver que não esquecemos nossa
devoção.
Mateus e os filhos
armaram a fogueira defronte da larga porta do quintal pondo na base
da pira os toros mais grossos da velha mangueira.
Apesar da geada, todos
suavam e sentiam calor, tal o esforço que tinham feito.
João, o menino mais
velho acendeu o lume com um tição que trouxe da cozinha. Em breve
as labaredas, crepitando, subiam ao céu com grande gáudio da
criançada.
Quem não se recorda de
uma bela noite de festa, na roça, ao redor de uma gigantesca
fogueira? Pois bem, o festejado da família não teve fogos de
artifício, foguetes e balões de papel, mas não faltaram batatas
doces, aipim, cana assada e magníficos inhames e carás de várias
espécies; o próprio Mateus esqueceu as mágoas e se alegrou com a
alegria dos filhos, que era preciso conter a cada momento. De vez em
quando se ouvia.
— Cuidado, Zoé!
— Quero cará!
— Mais melado, papai!
— Sai da fogueira,
menina!
— Não te queimes! Ó
João!
De repente a Zôo, uma
galante menina perguntou:
— Falta muito para o
Natal, papai?
— Ora essa. Até lá
não me doam os dentes.
— Que boba, mamãe,
disse o João. Pois não sabes que só em dezembro é que se festeja
o Natal?
— E S. João não dá
festas, mamã?
— Deu-nos saúde,
filha. Já são boas e das melhores festas estarem todos bons.
— Mas eu não queria
só isso. No Natal vou por meu tamanco para ver se ganho uma boneca.
— E você, Elisa?
Perguntou o pai distraído com a conversa.
— Muitos doces e uma
caixa de costura.
— Eu, tornou outro,
queria muitos sacos de castanhas. Comiam-se muitas e vendiam-se as
restantes.
— Pois enquanto não
vem as castanhas, tira-me uma cana crioula que está perto do tronco
mais grosso, disse o pai.
O Nico, que falara por
último, esgravatou as brasas afastando-as e tirou a cana, quase
assada.
Nisto viu luzir uma
coisa remechendo
na cinza, que puxou para si a fim de ver o que tanto brilhava...
Era um disco amarelo. O
pequeno tocou-o mais fora com um graveto e pegou-o.
Deu um grito e
exclamou:
— Pelei-me.
Com a ponta do jaleco
apanhou o objeto brilhante e mostrou-o aos pais.
Todos correm a ver
dizendo: — Que é?
— Uma moeda ... e de
ouro, falou Mateus com voz trêmula, vamos ver.
Limpou-a e exclamou:
— Um dobrão de ouro!
Nisto o João e o Nico
remexiam a cinza e gritavam:
— Papai! Mamãe, tem
mais!
De fato, entre a cinza,
fulgiam outras moedas de ouro e de prata.
O lenhador puxou com o
machado um toro meio carbonizado da mangueira e sob o qual algumas
moedas apareciam.
Debaixo dele outras
mais havia.
Mateus com a voz
embaraçada pela emoção, tomou do machado e depois de afastar os
filhos vibrou vigorosa machadada.
O tronco abriu-se ao
meio; estava oco em quase toda a extensão e sua cavidade cheia de
moedas de Portugal e Espanha!...
Mateus, depois de
abraçar-se com a Maricota, pôs-se a dançar com ela.
As crianças pulavam e
outras sapecavam os dedos apanhando moedas.
Depois, mais calmo,
Mateus bradou:
— Ajoelhemos meus
filhos e agradeçamos a Deus e a S.João. estamos livres da miséria!
Depois de orarem
fizeram a útil colheita.
Estamos ricos.
Pela madrugada,
apagaram a fogueira a baldes d’água e entre as cinzas acharam
ainda numerosas moedas.
Razão tivera o avô
das crianças; no terreiro havia um tesouro — a fortuna do
emigrado. Não estava, porém, no solo, tantas vezes revolvido, mas
no tronco oco da vetusta mangueira.
Mateus comprou ricas
terras e ele, Maricota e os filhos foram muito felizes.
Quando chegou o dia de
Natal, as crianças tiveram tudo o que tinham desejado naquela noite
de S. João e mais alguma coisa.
Não esqueceram dos
meninos pobres, que ganharam dinheiro, roupas e brinquedos.
Daí por diante, todos
os anos, S. João era condignamente lembrado e festejado. Rezava-se
de manhã missa por alma do infeliz conspirador que não lograra
gozar aquela grande fortuna.
Quando o Mateus contava
a aventura daquela noite dizia:
— Quase fiquei louco
vendo tanto dinheiro!
E a Maricota
acrescentava:
— Pois até se pôs a
dançar!
COPIADO DE
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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