sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 20


O HOMEM DO CARRO

Na orla de uma floresta muito vasta, perto de altas montanhas, vivia outro um pobre carvoeiro. Morava numa choupana que ele próprio fizera com troncos de árvore e que cobrira com palhas. Ele trabalhava com ânimo, mas a cidade era longe e o que ganhava mal dava para o sustento seu e da família. Havia dias que passavam sem pão, alimentando-se de frutas silvestres da mata.
Não longe da cabana se elevava a casa deu um feitor, incumbido de zelar pelo campo e a floresta tudo propriedade de um rico senhor a quem o pobre carvoeiro também pagava foros pelas terras que arrendara e onde fazia o carvão. O feitor era rico, pois possuía uma bonita habitação, com pomar e jardim, bois, vacas, galinhas e porcos. À mesa não lhe faltavam boas viandas e vinho ou cerveja loura. O feitor tinha mulher e um único filho, tão egoísta quanto ele. Nunca sabendo as provações que sofria o vizinho, se abalançavam a levar-lhe auxílio; riam-se mesmo quando viam o carvoeiro passar, derreado pelo trabalho, magro e seco como um peixe salgado, ou quando escutavam as lamentações dos filhos pedindo comida.
Um dia, o carvoeiro ficou tão desesperado que resolveu matar-se para acabar com os sofrimentos e saiu de casa com uma corda para enforcar-se em alguma árvore da floresta. Caminhava triste, lacrimoso, pensando na família que ía deixar sem recursos e entregues ao mais cruel destino.
— Também, pensava ele, não tardarão a seguir-me. Amanhã ou depois, morrerão de fome.
E assim, falando sozinho apercebeu numa curva da estrada uma carruagem tombada. Uma das rodas penetrada fundo na lama de um atoleiro e partiu-se um dos varais.
O cocheiro do carro fazia vãos esforços para safar as rodas e dizia a todo instante:
— Ah! Se eu tivesse ao menos uma corda...
O carvoeiro aproximou-se então, ajudou-o a levantar a carruagem e disse:
— Toda a minha fortuna é esta corda com que me ia enforcar, mas eu vô-la dou para amarrardes o varal quebrado.
— Bom homem, replicou o cocheiro, deste-me proveitoso auxílio e o teu último recurso; pois bem: eu tenho certos poderes sobrenaturais e por isso vou fazer-te um dom muito precioso se tu o empregares com sabedoria. Permito que faças três pedidos que logo te serão concedidos. Vai para tua casa, pensa bem e pede com juízo.
Logo depois, enquanto o carvoeiro estava admirado do lhe sucedera, o cocheiro fez estalar o chicote e o carro desapareceu na floresta.
O carvoeiro voltou imediatamente para a casa e contou a aventura à mulher e aos filhos.
A mulher, a quem a miséria tornara incrédula, tirou o filhinho pequenito do seio mirrado onde ele procurava alguma gota de leite e disse, zombando, ao marido:
— Seria bem melhor que o tal cocheiro te fizesse presente de um pão.
— Está bem, mulher mas sempre teremos tempo de nos lastimar, se acaso ele me houver enganado. Acho de devemos fazer o desejo mais urgente. Eu quero aqui, falou ele em voz alta, uma mesa posta para mim e minha família, bem guarnecida de comida e tudo o que é preciso para uma boa refeição.
Apenas ele falara a casa ficou no escuro e todos, assustados, nem se moviam. Depois a luz foi surgindo aos poucos e clareou de todo, deixando ver no meio da choupana uma alta mesa, com todos os utensílios que esta pobre gente não tinha, talheres, copos, etc., algumas garrafas de vinho, comidas variadas, frutas e doces.
O carvoeiro e a família ficaram a principio maravilhados pela presença de tão boas coisas. O Pedrinho, filho mais velho, decidiu a situação tirando e comendo um doce.
— Ai que bom!!
O pai, sentando-se, disse:
— Não há dúvida! Vamos gente, para a mesa. Sentaram-se todos e durante algum tempo só se ouvia o ruído dos queixos a mastigarem as iguarias.
Logo que mataram a fome e beberam o vinho, disse o carvoeiro:
— Agora é preciso pensar nos dois outros desejos.
— O melhor, respondeu a mulher, é pedir uma fortuna de que nossos filhos possam gozar também.
— Tens razão. Assim, eu desejo que haja tantas moedas de ouro no nosso oratório quantas possam encher dois sacos de carvão.
Logo um saco-vazio que estava próximo à lareira começou a ficar cheio de moedas novas que transbordavam a tinir para outro saco. Muitas corriam pelo solo e as crianças as apanhavam, contentes.
Todos estavam perplexos; nunca tinha visto tanto ouro!
— Agora estamos ricos! E todos, contritos, se ajoelharam, orando.
— Temos dinheiro não só para nós mas também para darmos aos pobres, disse o carvoeiro.
— Estou de acordo, retrucou a mulher, mas ainda temos um desejo para exprimir. Que vamos pedir agora?
— Eu creio que o dinheiro por si só não dá a felicidade. Se caíssemos doentes ou adoecessem nossos filhos talvez o dinheiro não nos salvasse.
— Pois peçamos saúde para nós todos até a extrema velhice.
Feitos os pedidos do modo mais razoável possível, o carvoeiro ficou a conversar com a mulher sobre o que iriam fazer.
Enquanto discutiam projetos, as crianças tinham ido brincar à sombra das árvores e apesar das recomendações dos pais, contaram ao filho do feitor o que havia acontecido.
O menino correu logo para levar a novidade aos pais. Estes saíram logo, escondendo a inveja que sentiam, para dar parabéns ao carvoeiro e á mulher.
O feitor e a mulher mal podiam ocultar o despeito e a raiva por verem que o carvoeiro era agora mais ricos que eles. Voltaram à casa cabisbaixos mas a mulher, batendo na testa, exclamou:
— Corre depressa à floresta, pois talvez aches o tal cocheiro e a carruagem e talvez ele te permita também te desejar alguma coisa.
— Já vou, mulher, e saiu a correr na direção do atalho por onde fora a carruagem.
Daí a pouco avistou o veículo que caíra de novo em outro atoleiro. Estava o varal quebrado e o condutor se esforçava para erguer a roda acima do buraco.
O feitor aproximou-se.
— Olá amigo, disse o cocheiro, porque não me ajuda? Preciso de seu auxílio para safar esta roda e amarrar o varal.
— Ah! Foi o Sr. Que fez a fortuna do carvoeiro? Pois bem, se me conceder o direito de pedir três coisas, eu o ajudarei a tirar o carro do lamaçal. Serviço por serviço, serve?
— Bem, replicou o outro; já agora dispenso os seus serviços. O amigo é grande egoísta, mas apesar disso concedo-lhe três desejo para satisfazer. Serão logo satisfeitos.
Ditas estas palavras o cocheiro e a carruagem se internaram pela mata.
O feitor, impaciente para contar a sua aventura á mulher, pediu logo:
— Quero ser transportado agora mesmo para casa.
Este primeiro desejo, feito sem reflexão, foi logo satisfeito, e, sem saber como, ele se achou logo em casa, junto da mulher e do filho.
Ficaram desapontados quando ele disse que dos desejos já estava perdido.
— Eu tinha o direito de desejar três coisa mas quis logo vir contar o que me sucedera e o desejo foi logo cumprido. Restam-nos dois.
— Aproveitemos para pedir o que houver de melhor no mundo.
— É pena que tivesse já perdido um desejo, mas agora é a minha vez.
— Que queres, então?
— Há muito tempo desejo ter um manto tão bonito como o da condessa, senhora do castelo. Fico sempre contrariada quando passo perto dela.
— Estás doida, mulher! Que idéia é essa de pedir um manto? Eu queria vê-lo pendurado na ponta de tua língua.
Mas logo que ele exprimiu esse tolo desejo, um belo e comprido manto pendia da língua da invejosa mulher que dava gritos de raiva.
O feitor que formulara tal pedido sem reflexão, ficou confuso e para acalmar os gritos da mulher só encontrou um recurso.
Pediu então, furioso, que o manto caísse ao chão, e logo o desejo foi satisfeito.
Assim ficaram sem valor os três desejo concedidos ao feitos egoísta. Esta e a mulher passaram o resto do dia discutindo, recriminando-se mutuamente e parece que, por punição de sua inveja e pouco altruísmo eles viveram daí em diante em constantes altercações, esbordoando-se e brigando como cão e gato.
O carvoeiro comprou uma herdade e lá vivia com a família em grande prosperidade.







O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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