O HOMEM DO CARRO
Na orla de uma floresta
muito vasta, perto de altas montanhas, vivia outro um pobre
carvoeiro. Morava numa choupana que ele próprio fizera com troncos
de árvore e que cobrira com palhas. Ele trabalhava com ânimo, mas a
cidade era longe e o que ganhava mal dava para o sustento seu e da
família. Havia dias que passavam sem pão, alimentando-se de frutas
silvestres da mata.
Não longe da cabana se
elevava a casa deu um feitor, incumbido de zelar pelo campo e a
floresta tudo propriedade de um rico senhor a quem o pobre carvoeiro
também pagava foros pelas terras que arrendara e onde fazia o
carvão. O feitor era rico, pois possuía uma bonita habitação, com
pomar e jardim, bois, vacas, galinhas e porcos. À mesa não lhe
faltavam boas viandas e vinho ou cerveja loura. O feitor tinha mulher
e um único filho, tão egoísta quanto ele. Nunca sabendo as
provações que sofria o vizinho, se abalançavam a levar-lhe
auxílio; riam-se mesmo quando viam o carvoeiro passar, derreado pelo
trabalho, magro e seco como um peixe salgado, ou quando escutavam as
lamentações dos filhos pedindo comida.
Um dia, o carvoeiro
ficou tão desesperado que resolveu matar-se para acabar com os
sofrimentos e saiu de casa com uma corda para enforcar-se em alguma
árvore da floresta. Caminhava triste, lacrimoso, pensando na família
que ía deixar sem recursos e entregues ao mais cruel destino.
— Também, pensava
ele, não tardarão a seguir-me. Amanhã ou depois, morrerão de
fome.
E assim, falando
sozinho apercebeu numa curva da estrada uma carruagem tombada. Uma
das rodas penetrada fundo na lama de um atoleiro e partiu-se um dos
varais.
O cocheiro do carro
fazia vãos esforços para safar as rodas e dizia a todo instante:
— Ah! Se eu tivesse
ao menos uma corda...
O carvoeiro
aproximou-se então, ajudou-o a levantar a carruagem e disse:
— Toda a minha
fortuna é esta corda com que me ia enforcar, mas eu vô-la dou para
amarrardes o varal quebrado.
— Bom homem, replicou
o cocheiro, deste-me proveitoso auxílio e o teu último recurso;
pois bem: eu tenho certos poderes sobrenaturais e por isso vou
fazer-te um dom muito precioso se tu o empregares com sabedoria.
Permito que faças três pedidos que logo te serão concedidos. Vai
para tua casa, pensa bem e pede com juízo.
Logo depois, enquanto o
carvoeiro estava admirado do lhe sucedera, o cocheiro fez estalar o
chicote e o carro desapareceu na floresta.
O carvoeiro voltou
imediatamente para a casa e contou a aventura à mulher e aos filhos.
A mulher, a quem a
miséria tornara incrédula, tirou o filhinho pequenito do seio
mirrado onde ele procurava alguma gota de leite e disse, zombando, ao
marido:
— Seria bem melhor
que o tal cocheiro te fizesse presente de um pão.
— Está bem, mulher
mas sempre teremos tempo de nos lastimar, se acaso ele me houver
enganado. Acho de devemos fazer o desejo mais urgente. Eu quero aqui,
falou ele em voz alta, uma mesa posta para mim e minha família, bem
guarnecida de comida e tudo o que é preciso para uma boa refeição.
Apenas ele falara a
casa ficou no escuro e todos, assustados, nem se moviam. Depois a luz
foi surgindo aos poucos e clareou de todo, deixando ver no meio da
choupana uma alta mesa, com todos os utensílios que esta pobre gente
não tinha, talheres, copos, etc., algumas garrafas de vinho, comidas
variadas, frutas e doces.
O carvoeiro e a família
ficaram a principio maravilhados pela presença de tão boas coisas.
O Pedrinho, filho mais velho, decidiu a situação tirando e comendo
um doce.
— Ai que bom!!
O pai, sentando-se,
disse:
— Não há dúvida!
Vamos gente, para a mesa. Sentaram-se todos e durante algum tempo só
se ouvia o ruído dos queixos a mastigarem as iguarias.
Logo que mataram a fome
e beberam o vinho, disse o carvoeiro:
— Agora é preciso
pensar nos dois outros desejos.
— O melhor, respondeu
a mulher, é pedir uma fortuna de que nossos filhos possam gozar
também.
— Tens razão. Assim,
eu desejo que haja tantas moedas de ouro no nosso oratório quantas
possam encher dois sacos de carvão.
Logo um saco-vazio que
estava próximo à lareira começou a ficar cheio de moedas novas que
transbordavam a tinir para outro saco. Muitas corriam pelo solo e as
crianças as apanhavam, contentes.
Todos estavam
perplexos; nunca tinha visto tanto ouro!
— Agora estamos
ricos! E todos, contritos, se ajoelharam, orando.
— Temos dinheiro não
só para nós mas também para darmos aos pobres, disse o carvoeiro.
— Estou de acordo,
retrucou a mulher, mas ainda temos um desejo para exprimir. Que vamos
pedir agora?
— Eu creio que o
dinheiro por si só não dá a felicidade. Se caíssemos doentes ou
adoecessem nossos filhos talvez o dinheiro não nos salvasse.
— Pois peçamos saúde
para nós todos até a extrema velhice.
Feitos os pedidos do
modo mais razoável possível, o carvoeiro ficou a conversar com a
mulher sobre o que iriam fazer.
Enquanto discutiam
projetos, as crianças tinham ido brincar à sombra das árvores e
apesar das recomendações dos pais, contaram ao filho do feitor o
que havia acontecido.
O menino correu logo
para levar a novidade aos pais. Estes saíram logo, escondendo a
inveja que sentiam, para dar parabéns ao carvoeiro e á mulher.
O feitor e a mulher mal
podiam ocultar o despeito e a raiva por verem que o carvoeiro era
agora mais ricos que eles. Voltaram à casa cabisbaixos mas a mulher,
batendo na testa, exclamou:
— Corre depressa à
floresta, pois talvez aches o tal cocheiro e a carruagem e talvez ele
te permita também te desejar alguma coisa.
— Já vou, mulher, e
saiu a correr na direção do atalho por onde fora a carruagem.
Daí a pouco avistou o
veículo que caíra de novo em outro atoleiro. Estava o varal
quebrado e o condutor se esforçava para erguer a roda acima do
buraco.
O feitor aproximou-se.
— Olá amigo, disse o
cocheiro, porque não me ajuda? Preciso de seu auxílio para safar
esta roda e amarrar o varal.
— Ah! Foi o Sr. Que
fez a fortuna do carvoeiro? Pois bem, se me conceder o direito de
pedir três coisas, eu o ajudarei a tirar o carro do lamaçal.
Serviço por serviço, serve?
— Bem, replicou o
outro; já agora dispenso os seus serviços. O amigo é grande
egoísta, mas apesar disso concedo-lhe três desejo para satisfazer.
Serão logo satisfeitos.
Ditas estas palavras o
cocheiro e a carruagem se internaram pela mata.
O feitor, impaciente
para contar a sua aventura á mulher, pediu logo:
— Quero ser
transportado agora mesmo para casa.
Este primeiro desejo,
feito sem reflexão, foi logo satisfeito, e, sem saber como, ele se
achou logo em casa, junto da mulher e do filho.
Ficaram desapontados
quando ele disse que dos desejos já estava perdido.
— Eu tinha o direito
de desejar três coisa mas quis logo vir contar o que me sucedera e o
desejo foi logo cumprido. Restam-nos dois.
— Aproveitemos para
pedir o que houver de melhor no mundo.
— É pena que tivesse
já perdido um desejo, mas agora é a minha vez.
— Que queres, então?
— Há muito tempo
desejo ter um manto tão bonito como o da condessa, senhora do
castelo. Fico sempre contrariada quando passo perto dela.
— Estás doida,
mulher! Que idéia é essa de pedir um manto? Eu queria vê-lo
pendurado na ponta de tua língua.
Mas logo que ele
exprimiu esse tolo desejo, um belo e comprido manto pendia da língua
da invejosa mulher que dava gritos de raiva.
O feitor que formulara
tal pedido sem reflexão, ficou confuso e para acalmar os gritos da
mulher só encontrou um recurso.
Pediu então, furioso,
que o manto caísse ao chão, e logo o desejo foi satisfeito.
Assim ficaram sem valor
os três desejo concedidos ao feitos egoísta. Esta e a mulher
passaram o resto do dia discutindo, recriminando-se mutuamente e
parece que, por punição de sua inveja e pouco altruísmo eles
viveram daí em diante em constantes altercações, esbordoando-se e
brigando como cão e gato.
O carvoeiro comprou uma
herdade e lá vivia com a família em grande prosperidade.
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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