sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 11


CALADO E FALADOR

Uma boa velha tinha dois netos, órfãos de pai e mãe. Chamavam-se Pedro e João. Eram gêmeos.
Um era muito calado e o outro loquaz; por isso os chamavam respectivamente de Calado e Falador.
Quando completaram vinte anos o Falador disse à avó:
— Vovozinha não se zangue, mas nós vamos correr mundo.
— Mas assim, sem dinheiro?
— Temos saúde e mocidade, respondeu o Falador. Quem tem vinte anos tem uma fortuna.
Os dois arrumaram as trouxas, espetaram-nas nos cajados e partiram pela estrada afora.
A velha, da soleira da porta, gritou:
— Olá!
Eles voltaram a cabeça.
— Que é, vovó?
— Lembrem-se de mim; quando estiverem em perigo, chamem: Vovó, vovó. Ouviram?
— Sim! Sim!
E sumiram-se ao longe.
Depois de muitas horas de marcha chegaram a uma cidade e encontraram um rico negociante que lhes perguntou:
— Que fazem vocês?
— Queremos ficar por aqui e tentar ganhar a vida.
— Pois bem, tenho dois armazéns na rua principal. Tu vais tomar conta de um e teu irmão do outro. O que ganhar menos durante um ano ficará meu escravo; e que ganhar mais será meu genro.
— Aceito disse o Falador.
Calado nada disse, mas concordou.
Ambos foram para os bazares que eram fronteiros.
Falador conversava com a freguesia, contava anedotas, ria, etc. e a loja estava sempre cheia de fregueses que iam conversar e ouvir histórias.
Calado nada dizia, mas vendia, bom e barato. Também vendia muito porque os fregueses eram logo servidos e não achando palestra saíam.
O negociante tinha uma filha bem bonita que ria das histórias que o Falador contava; perto de Calado ea ficava muito vermelha e séria.
No fim do ano, o mercador chamou os dois.
— Dize, Fátima, quem vendeu mais?
A moça apontou para Calado.
— Pois então serás mulher dele. Agrada-te, ou preferes Falador?
— Diga que me prefere, disse o Falador, contei-lhe tanta coisa... Não é?
— Prefiro o Calado.
Daí a dias se casaram e Falador foi trabalhar nos campos como escravo do mercador.
Entretanto, o irmão, embora isso fosse do trato, não ficou satisfeito.
Falador queixava-se tanto e falava de tal modo na hora do trabalho que o mercador resolveu vende-lo.
Calado Pagou prontamente e levou o irmão para casa.
Aí ele falava tanto que a mulher de Calado lhe disse:
— Por que não mandas Falador viajar?
Calado mandou arrumar uma grande mala com mercadorias, selar um cavalo e Falador partiu.
Chegando a um lugar muito deserto saiu-lhe ao encontro um bicho com três cabeças.
Falador viu chegada a sua última hora; lembrou-se da avó e gritou: “Vovó!” “Vovó!!”
Logo um grande cão apareceu ao seu lado e sentiu que lhe metiam uma espada na mão. Ao mesmo tempo enchia-se-lhe o coração de ânimo uma das cabeças falou:
— Nada temas, estrangeiro. Basta que respondas a três perguntas estás salvo. Dize lá:
Falador não respondeu.
— O que é hoje, foi ontem e será amanhã?
Falador não respondeu.
— Qual é o filho de teu pai e tua mãe que não é teu irmão nem tua irmã? Dou-te meia hora para a primeira pergunta, uma para a segunda e duas para a terceira. Responde , e se acertares terás riquezas e felicidade, disse a segunda cabeça.
— E se eu não responder?
— Serás comido, gritou a terceira cabeça, abrindo uma ghoela enorme e mostrando dentes terríveis.
Falador lembrou-se outra vez da avó e gritou: “Vovó! Vovó!!”
Daí a pouco viu o seu irmão Calado junto de si.
— Tu aqui!
— Decerto. E cochichou no ouvido.
Falador gritou: É a outra metade.
A primeira cabeça, ouvindo isto, encolheu-se toda dando um urro medonho.
Calado cochichou de novo.
— É o dia.
A segunda cabeça fez enorme careta e encolheu-se, aos berros, como caracol tocado na cabeça.
Voltou Calado a cochichar no ouvido do irmão:
— Sou eu mesmo.
A terceira cabeça deu um bote terrível sobre Calado, mas este tomara da espada e a cortara de um só golpe.
Nisto saiu de uma gruta próxima linda mulher, maravilhosamente bela e disse:
Levai-me ao rei, de quem sou filha. Eu vos guiarei.
Calado e Falador seguiram e num instante chegaram a um palácio magnífico. O rei ficou contentíssimo. Falador casou-se com a princesa e foi muito feliz.
Calado foi morar com o irmão: e o rei sabedor de sua inteligência o fez ministro e poderoso.
Depois os dois irmãos mandaram buscar avó que, por ter amizade com as fadas, protegera tão bem os netos. Ela lhes disse então que aquela esfinge perguntadora era um espírito mau que se metera no corpo de um dragão de três cabeças; representavam aquelas perguntas as dificuldades que se encontram na vida e que o homem silencioso vence mais depressa que um tagarela qualquer.



O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário