CALADO E FALADOR
Uma boa velha tinha
dois netos, órfãos de pai e mãe. Chamavam-se Pedro e João. Eram
gêmeos.
Um era muito calado e o
outro loquaz; por isso os chamavam respectivamente de Calado e
Falador.
Quando completaram
vinte anos o Falador disse à avó:
— Vovozinha não se
zangue, mas nós vamos correr mundo.
— Mas assim, sem
dinheiro?
— Temos saúde e
mocidade, respondeu o Falador. Quem tem vinte anos tem uma fortuna.
Os dois arrumaram as
trouxas, espetaram-nas nos cajados e partiram pela estrada afora.
A velha, da soleira da
porta, gritou:
— Olá!
Eles voltaram a cabeça.
— Que é, vovó?
— Lembrem-se de mim;
quando estiverem em perigo, chamem: Vovó, vovó. Ouviram?
— Sim! Sim!
E sumiram-se ao longe.
Depois de muitas horas
de marcha chegaram a uma cidade e encontraram um rico negociante que
lhes perguntou:
— Que fazem vocês?
— Queremos ficar por
aqui e tentar ganhar a vida.
— Pois bem, tenho
dois armazéns na rua principal. Tu vais tomar conta de um e teu
irmão do outro. O que ganhar menos durante um ano ficará meu
escravo; e que ganhar mais será meu genro.
— Aceito disse o
Falador.
Calado nada disse, mas
concordou.
Ambos foram para os
bazares que eram fronteiros.
Falador conversava com
a freguesia, contava anedotas, ria, etc. e a loja estava sempre cheia
de fregueses que iam conversar e ouvir histórias.
Calado nada dizia, mas
vendia, bom e barato. Também vendia muito porque os fregueses eram
logo servidos e não achando palestra saíam.
O negociante tinha uma
filha bem bonita que ria das histórias que o Falador contava; perto
de Calado ea ficava muito vermelha e séria.
No fim do ano, o
mercador chamou os dois.
— Dize, Fátima, quem
vendeu mais?
A moça apontou para
Calado.
— Pois então serás
mulher dele. Agrada-te, ou preferes Falador?
— Diga que me
prefere, disse o Falador, contei-lhe tanta coisa... Não é?
— Prefiro o Calado.
Daí a dias se casaram
e Falador foi trabalhar nos campos como escravo do mercador.
Entretanto, o irmão,
embora isso fosse do trato, não ficou satisfeito.
Falador queixava-se
tanto e falava de tal modo na hora do trabalho que o mercador
resolveu vende-lo.
Calado Pagou
prontamente e levou o irmão para casa.
Aí ele falava tanto
que a mulher de Calado lhe disse:
— Por que não mandas
Falador viajar?
Calado mandou arrumar
uma grande mala com mercadorias, selar um cavalo e Falador partiu.
Chegando a um lugar
muito deserto saiu-lhe ao encontro um bicho com três cabeças.
Falador viu chegada a
sua última hora; lembrou-se da avó e gritou: “Vovó!” “Vovó!!”
Logo um grande cão
apareceu ao seu lado e sentiu que lhe metiam uma espada na mão. Ao
mesmo tempo enchia-se-lhe o coração de ânimo uma das cabeças
falou:
— Nada temas,
estrangeiro. Basta que respondas a três perguntas estás salvo. Dize
lá:
Falador não respondeu.
— O que é hoje, foi
ontem e será amanhã?
Falador não respondeu.
— Qual é o filho de
teu pai e tua mãe que não é teu irmão nem tua irmã? Dou-te meia
hora para a primeira pergunta, uma para a segunda e duas para a
terceira. Responde , e se acertares terás riquezas e felicidade,
disse a segunda cabeça.
— E se eu não
responder?
— Serás comido,
gritou a terceira cabeça, abrindo uma ghoela enorme e mostrando
dentes terríveis.
Falador lembrou-se
outra vez da avó e gritou: “Vovó! Vovó!!”
Daí a pouco viu o seu
irmão Calado junto de si.
— Tu aqui!
— Decerto. E
cochichou no ouvido.
Falador gritou: É a
outra metade.
A primeira cabeça,
ouvindo isto, encolheu-se toda dando um urro medonho.
Calado cochichou de
novo.
— É o dia.
A segunda cabeça fez
enorme careta e encolheu-se, aos berros, como caracol tocado na
cabeça.
Voltou Calado a
cochichar no ouvido do irmão:
— Sou eu mesmo.
A terceira cabeça deu
um bote terrível sobre Calado, mas este tomara da espada e a cortara
de um só golpe.
Nisto saiu de uma gruta
próxima linda mulher, maravilhosamente bela e disse:
Levai-me ao rei, de
quem sou filha. Eu vos guiarei.
Calado e Falador
seguiram e num instante chegaram a um palácio magnífico. O rei
ficou contentíssimo. Falador casou-se com a princesa e foi muito
feliz.
Calado foi morar com o
irmão: e o rei sabedor de sua inteligência o fez ministro e
poderoso.
Depois os dois irmãos
mandaram buscar avó que, por ter amizade com as fadas, protegera tão
bem os netos. Ela lhes disse então que aquela esfinge perguntadora
era um espírito mau que se metera no corpo de um dragão de três
cabeças; representavam aquelas perguntas as dificuldades que se
encontram na vida e que o homem silencioso vence mais depressa que um
tagarela qualquer.
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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