sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 10


Belo e Feio

Era uma vez um rei que tinha dois filhos: o mais velho feio e mau; o mais moço, belo e bom.
O primeiro odiava o segundo.
O rei tinha grande desgosto com essa inimizade entre os irmãos.
Certo dia o príncipe feio entrou no paço furioso, dizendo que mataria o irmão.
— Mandarei pica-lo em pedacinho, gritava ele. Onde está esse a quem chamas Belo?
— Saiba Vossa Alteza que seu irmão foi para o castelo das Flores, onde pernoitará, disse o ministro.
O príncipe Feio reuniu vários soldados e partiu afim de matar o irmão.
Mas era mentira do Ministro que, amigo do príncipe Belo, só o queria salvar; nesse instante ele entrava no paço também e abraçava o pai.
— Foge, meu filho, disse-lhe, trêmulo, o atormentado monarca, teu irmão quer matar-te.
— Tenho um cava e escolta às vossa ordens, acrescentou o ministro.
— Dispenso a guarda. Eu irei só a correr mundo. Meu irmão é o herdeiro do trono e não desejo a guerra civil.
— Vais só, meu filho? Só?
— Sim, meu pai e rei, levarei o meu cavalo Corisco, que dizem descender dos Centauros de antigamente.
Belo pediu a bênção ao rei, abraçou o ministro, selou ele próprio o cavalo e seguiu.
Quando o príncipe viu que fora logrado, encheu-se de fúria, pegou de um escabelo e quase matou o ministro.
Entretanto Belo alcançara a margem de um fresco regato e deitou-se sobre a relva, enquanto o Corisco pastava livre, comendo o capim verde e tenro.
Nisto o príncipe ouviu uma voz que saía da água e viu que era um peixinho vermelho; ele dizia repetidas vezes:
— Tira-me daqui! Tira-me! Tira-me!
O príncipe, admirado, ia apanhar o peixe, mas hesitou, murmurando:
Ele morrerá de certo quando estiver no seco.
O peixe respondeu:
— Não, não! Tira-me! Tira-me!
Logo que o príncipe o tirou e o pôs na areia, o animalzinho desapareceu e em seu lugar surgiu uma formosa mulher, de deslumbrante beleza.
Ela disse:
— Sou a fada Ventura que tantos desejam e poucos visito. Um gênio malvado me transformou em peixe para privar-me de levar a alegria ao coração dos homens. Agradeço-te me haveres feito voltar à minha verdadeira forma e vou fazer-te um dom. toma esta rosa e serás poderoso.
A flor tinha uma haste de cristal e metade da corola era amarela e a outra vermelha.
A fada Ventura continuou:
— Quando quiseres ficar invisível basta que ponhas a haste de cristal na boca e fiques calado. Se falares com ela entre os lábios serás transportado para onde quiseres. Se precisares de dinheiro, basta sacudir as pétalas amarelas e se desejares conhecer se te amam ou querem tua perda, dá a rosa a cheirar. Se murchar é porque não te estimam.
O príncipe Belo beijou-lhe a mão e a fada Ventura ainda lhe disse:
— Agora, digo-te adeus, mas não para sempre: irei ver-te no dia em que estiveres ameaçado de um grande perigo.
Nas suas viagens o príncipe encontrou muitas aventuras.
Passando por uma cidade, disseram-lhe que numa montanha próxima havia um terrível dragão que todos os dias descia à planície e levava um menino ou menina para comer. Até àquela data ninguém o matara e todos pensavam em fugir.
Os príncipe os sossegou. Meteu a haste da rosa na boca e logo se acho no alto, mas o dragão vomitava fogo e o queimava vivo. O príncipe tornou-se invisível e com um forte golpe decepou a cabeça do monstro.
Ao chegar à cidade foi aclamado pela população.
Noutro lugar, em uma torre, habitava um papão, espécie de gigante que prendia os viajantes que passavam junto ao castelo e depois os comia. Torturava-os antes com atrozes suplícios.
O príncipe Belo subiu à torre e elogiou o brutamontes pela sua força e coragem. Ele envaidecido o convidou para jantar. À mesa, o príncipe pôs o talo da rosa na boca e ficando invisível matou-o, atirando-lhe a cabeça pela torre abaixo.
A terceira ventura foi com a princesa Enganadora, que tanto tinha de má como de bonita. Possuía grande poder infernal e quando o príncipe entrou para a sala do banquete viu que todos os convidados eram animais. Belo desconfiado, deu-lhe a rosa a cheirar e viu que murchara com rapidez.
O príncipe, tornou-se invisível e enterrou-lhe a adaga no peito; quebrou-se então o encanto e os animais tomaram a forma humana. Eram rapazes e raparigas que beijaram a mão do príncipe e cujos parentes proclamaram a fama do seu salvador em todo o reino.
O príncipe seguiu viagem e perguntou ao Corisco, que, por ser descendente dos centauros, tinha o dom de responder mas não de perguntar, qual o melhor caminho.
— Aonde iremos, Corisco?
— Sempre para frente, para frente.
— Por quê? Onde irá ter esta estrada?
— À felicidade, respondeu Corisco.
Atravessaram uma grande mata e ouviram gritos de “Socorro! Socorro!!” correram e viram, sob uma árvore uma nobre dama, ameaçada por meia dúzia de ladrões.
Estes vendo que Belo estava só, riram-se e disseram:
— Que queres tu? Vamos matar-te.
— Esperem por isso, disse o príncipe, pondo a rosa na boca e tornando-se invisível.
A moça, vendo desaparecer o jovem, gritou ainda mais, qual não foi seu espanto vendo três assaltantes caírem e outros em debandada, cheios de terror!!
Logo que os viu longe, o príncipe tirou a rosa e apareceu risonho à nobre dama.
— Muito vos agradeço, senhor. Eu sou a dama de companhia da arquiduquesa Roxana, que mora no palácio da Ilha grande. Vim buscar auxílio, pois ela está ameaçada por um poderos príncipe que a quer por sua esposa e que ela despreza.
— Tanto melhor, disse Belo, eu me ofereço para defender a ilustre senhora. Tomemos a barca que vos trouxe.
Na praia a dama embarcou e o príncipe lhe falou:
— Nada digais à duquesa, pois espero aparecer sem que ela suspeite; ide. O Corisco vos acompanhará a nado. Tratai dele.
Depois Belo, quando a viu longe, pôs a rosa na boca e desejou achar-se no palácio da Ilha e aí chegou num momento.
Era um lugar encantador, com pomares, jardins, águas cristalinas e muitos pássaros. No parque havia grandes árvores, lagos, estátuas e caramanchões.
O príncipe percorreu tudo e espiou o grande salão, vendo aí a duquesa, que era belíssima; e sua aia que tocava bandolim e outras damas que jogavam a “cabra-cega” e o “sapato escondido”.
A duquesa era um verdadeiro tipo de beleza: tinha o cabelo de um louro castanho com cachos anelados sobre a fronte, olhos castanhos magníficos e airosa estatura. Os lábios eram finos, a pele cetinosa e os dentes pareciam pérolas. Tinha um rosto oval, claro, nariz romano, orelhas róseas e pés e mãos delicados e pequenos. Era elegante e flexível.
Era muito rica e generosa.
O príncipe valendo-se do seu condão de ser invisível, gracejou com as damas, ora escondendo-lhes o “sapato” com que brincavam, ora fazendo o bandolim ressoar com bonitas músicas.
Quando a festa estava no fim, todas as damas vieram beijar a mão da duquesa. Depois que o haviam feito, o príncipe, sem ser visto, beijou também a mão da duquesa, tendo o cuidado de pôr a haste da rosa mágica a um canto da boca.
— Quem me beijou a mão segunda vez? Perguntou a duquesa.
— Eu não fui, disse uma.
— Nem eu!
E assim todas negaram mas a duquesa repetiu contente!
— Não é possível que eu esteja sonhando, pois senti na m´~ao um “verdadeiro” beijo e, por sinal, o achei melhor que os outros.
Aí o príncipe não se pôde conter mais. A esse tempo a sua dama de companhia acaba de chegar e contava o que lhe sucedera na floresta. Ele, então apareceu e inclinou-se com profundas reverências ante a duquesa e as damas.
Ela logo se ergueu satisfeita; achou Belo lindíssimo e as damas o rodearam gabando-lhe a formosura e coragem.
Contando as suas aventuras e mostrando a rosa encantada, a duquesa Roxana lhe disse:
— Deixe-me aspirar-lhe o perfume, príncipe, e verá que não sou falsa.
Decorreram assim muitos dias felizes em festas, caçadas e passeios. Belo tocava bandolim admiravelmente e a duquesa tinha uma bela voz de soprano. Todas as noites as slas se iluminavam para festins e danças. Tomavam a gôndola e ao luar se faziam lindas serenatas.
Certa manhã, em que o príncipe tocava bandolim, em pé, sobre um pedestal de mármore, uma das damas correu aflita e disse:
— Chegou uma frota com muitos soldados... consta que vem nela o perverso rei Feio Primeiro, que sucedeu a seu pai. Dizem ter envenenado o velho monarca!
— Nada temais. Lamento a morte desse rei a quem eu tinha razões para amar muito, pois era meu pai!
— Teu pai?
— Sim. Meu irmão julga-me morto, mas esses mesmo soldados combaterão mais depressa por mim que por ele. Eu o vencerei. Vamos ouvir o que diz o emissário de meu real irmão.
Todas as damas e pajens cercaram Belo: ele as sossegava. Partiram para a praia a fim de saber notícias.
Já vinha desembarcando o mensageiro de Feio e com intensa alegria o príncipe reconheceu que era o ministro, seu amigo.
Este, vendo-o também, ajoelhou e beijou-lhe a mão.
— Ah! Que pena não saber eu que estáveis vivo pois teríamos impedido que vosso mau irmão subisse ao trono. Se nós e o povo soubéssemos, vos teríamos aclamado! Ainda é tempo de...
— Mas que vides fazer e que quer meu inimigo? Perguntou a duquesa.
— Apossar-se de vossa pessoa e das riquezas do palácio. As vossas tropas foram derrotadas ontem, senhora duquesa. Mas não vos aflijais. Se o príncipe Belo quiser, prenderemos o rei Feio e o traremos amarrado aos vossos pés.
— Evitemos mata-lo, disse Belo, pois é meu irmão. Dizei-lhe, caro ministro, que lhe encherei cem tonéis de ouro se ele se retirar e desistir da mão da duquesa; sei que ele é muito avarento; com certeza prefere o ouro ao amor.
— Irei já, respondeu o ministro, embora ache que ele não merece tanto ouro, mas voltarei para dizer a resposta.
— Não receies nada, disse o príncipe à duquesa, ele aceita; nós iremos para a capital e nos casaremos.
Pouco depois largou de um dos navios que tinha o pavilhão real uma embarcação com vinte remadores. À popa vinham o rei e o ministro.
Ao desembarcar ele viu o irmão e exclamou:
— Tu aqui! Eu que te julgava morto.
— Pois estou vivo e disposto a não morrer. Graças ao dom de uma miraculosa fada que me protege, dar-te-ei cem barris de ouro.
E para mostrar ao rei o seu poder sacudiu a rosa mágica e caíram moedas de ouro que o avarento monarca apanhou e examinou.
— Está bem. São boas. E fez tinir no chão um libra de ouro, nova e reluzente.
O príncipe olhava-o com repugnância. Nem calculava o quanto seria capaz o rei Feio.
Este afinal disse:
— Mandarei os barcos para carregamento dos barris e partirei hoje mesmo.
O rei seguiu com o ministro que trocara com a duquesa um olhar de inteligência. Evidentemente o ministro não ficara tranqüilo.
Feio, vendo a duquesa e o príncipe Belo, de braço dado, sentiu feroz ciúme e não se podendo conter exclamou erguendo o punho fechado par ao céu:
— Ah! Eu te mostrarei! Espera um pouco!
Belo e a duquesa voltaram e como os barris já estivessem na praia e os barcos também, foi encher os tonéis com o ouro.
Postos em fileiras, o príncipe sacudia a rosa e, um a um ficaram atestados. Depois o príncipe de propósito, sacudiu a rosa algumas vezes sobre os marinheiros e soldados dos barcos que encheram as algibeiras com moedas novinhas em folha.
Daí a pouco os barcos partiram e quando ia largar o último, o rei, aproveitando um instante em que o príncipe Belo conversava com o ministro, aproximou-se traiçoeiramente por trás da duquesa.
O ministro procurava convencer Belo de que deveria aceitar a cora. Se ele quisesse Feio seria preso.
Ia o príncipe responder quando o rei, com um gesto rápido, enlaçou a cintura da duquesa e atirou-lhe com ela de3ntro do último barco e mandou remar para fora.
Ao grito de horror da duquesa sucederam os de Belo e do ministro. A barca, vigorosamente remada, ia se distanciando.
Nisto uma grande ave surgiu nos ares e baixou o vôo como uma seta sobre o rei Feio, suspendeu-o com as garras enormes e subiu; ao esvoaçar sobre a ilha deixou cair a coroa aos pés de Belo e desapareceu ao longe.
No mesmo instante uma criatura linda irrompeu de uma moita de arbustos floridos.
— Prometi e cumpri a promessa; não te lembras da fada Ventura? Adeus!
Belo e o ministro correram, mas já a linda visão se evaporava; o ministro apanhou a coroa e a pôs na cabeça do príncipe, dizendo, alegre:
— Tinha de ser vossa!
Nisto a duquesa fizera voltar o barco cujos marinheiros comentavam o estranho desaparecimento do rei.
A volta foi festiva e imponente; houve muitas festas e o rei e a rainha foram felizes.
O ministro foi nomeado duque e do rei Feio nunca mais se soube; dizia o povo que ele estava no inferno...









O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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