Belo e Feio
Era uma vez um rei que
tinha dois filhos: o mais velho feio e mau; o mais moço, belo e bom.
O primeiro odiava o
segundo.
O rei tinha grande
desgosto com essa inimizade entre os irmãos.
Certo dia o príncipe
feio entrou no paço furioso, dizendo que mataria o irmão.
— Mandarei pica-lo em
pedacinho, gritava ele. Onde está esse a quem chamas Belo?
— Saiba Vossa Alteza
que seu irmão foi para o castelo das Flores, onde pernoitará, disse
o ministro.
O príncipe Feio reuniu
vários soldados e partiu afim de matar o irmão.
Mas era mentira do
Ministro que, amigo do príncipe Belo, só o queria salvar; nesse
instante ele entrava no paço também e abraçava o pai.
— Foge, meu filho,
disse-lhe, trêmulo, o atormentado monarca, teu irmão quer matar-te.
— Tenho um cava e
escolta às vossa ordens, acrescentou o ministro.
— Dispenso a guarda.
Eu irei só a correr mundo. Meu irmão é o herdeiro do trono e não
desejo a guerra civil.
— Vais só, meu
filho? Só?
— Sim, meu pai e rei,
levarei o meu cavalo Corisco, que dizem descender dos Centauros de
antigamente.
Belo pediu a bênção
ao rei, abraçou o ministro, selou ele próprio o cavalo e seguiu.
Quando o príncipe viu
que fora logrado, encheu-se de fúria, pegou de um escabelo e quase
matou o ministro.
Entretanto Belo
alcançara a margem de um fresco regato e deitou-se sobre a relva,
enquanto o Corisco pastava livre, comendo o capim verde e tenro.
Nisto o príncipe ouviu
uma voz que saía da água e viu que era um peixinho vermelho; ele
dizia repetidas vezes:
— Tira-me daqui!
Tira-me! Tira-me!
O príncipe, admirado,
ia apanhar o peixe, mas hesitou, murmurando:
Ele morrerá de certo
quando estiver no seco.
O peixe respondeu:
— Não, não!
Tira-me! Tira-me!
Logo que o príncipe o
tirou e o pôs na areia, o animalzinho desapareceu e em seu lugar
surgiu uma formosa mulher, de deslumbrante beleza.
Ela disse:
— Sou a fada Ventura
que tantos desejam e poucos visito. Um gênio malvado me transformou
em peixe para privar-me de levar a alegria ao coração dos homens.
Agradeço-te me haveres feito voltar à minha verdadeira forma e vou
fazer-te um dom. toma esta rosa e serás poderoso.
A flor tinha uma haste
de cristal e metade da corola era amarela e a outra vermelha.
A fada Ventura
continuou:
— Quando quiseres
ficar invisível basta que ponhas a haste de cristal na boca e fiques
calado. Se falares com ela entre os lábios serás transportado para
onde quiseres. Se precisares de dinheiro, basta sacudir as pétalas
amarelas e se desejares conhecer se te amam ou querem tua perda, dá
a rosa a cheirar. Se murchar é porque não te estimam.
O príncipe Belo
beijou-lhe a mão e a fada Ventura ainda lhe disse:
— Agora, digo-te
adeus, mas não para sempre: irei ver-te no dia em que estiveres
ameaçado de um grande perigo.
Nas suas viagens o
príncipe encontrou muitas aventuras.
Passando por uma
cidade, disseram-lhe que numa montanha próxima havia um terrível
dragão que todos os dias descia à planície e levava um menino ou
menina para comer. Até àquela data ninguém o matara e todos
pensavam em fugir.
Os príncipe os
sossegou. Meteu a haste da rosa na boca e logo se acho no alto, mas o
dragão vomitava fogo e o queimava vivo. O príncipe tornou-se
invisível e com um forte golpe decepou a cabeça do monstro.
Ao chegar à cidade foi
aclamado pela população.
Noutro lugar, em uma
torre, habitava um papão, espécie de gigante que prendia os
viajantes que passavam junto ao castelo e depois os comia.
Torturava-os antes com atrozes suplícios.
O príncipe Belo subiu
à torre e elogiou o brutamontes pela sua força e coragem. Ele
envaidecido o convidou para jantar. À mesa, o príncipe pôs o talo
da rosa na boca e ficando invisível matou-o, atirando-lhe a cabeça
pela torre abaixo.
A terceira ventura foi
com a princesa Enganadora, que tanto tinha de má como de bonita.
Possuía grande poder infernal e quando o príncipe entrou para a
sala do banquete viu que todos os convidados eram animais. Belo
desconfiado, deu-lhe a rosa a cheirar e viu que murchara com rapidez.
O príncipe, tornou-se
invisível e enterrou-lhe a adaga no peito; quebrou-se então o
encanto e os animais tomaram a forma humana. Eram rapazes e raparigas
que beijaram a mão do príncipe e cujos parentes proclamaram a fama
do seu salvador em todo o reino.
O príncipe seguiu
viagem e perguntou ao Corisco, que, por ser descendente dos
centauros, tinha o dom de responder mas não de perguntar, qual o
melhor caminho.
— Aonde iremos,
Corisco?
— Sempre para frente,
para frente.
— Por quê? Onde irá
ter esta estrada?
— À felicidade,
respondeu Corisco.
Atravessaram uma grande
mata e ouviram gritos de “Socorro! Socorro!!” correram e viram,
sob uma árvore uma nobre dama, ameaçada por meia dúzia de ladrões.
Estes vendo que Belo
estava só, riram-se e disseram:
— Que queres tu?
Vamos matar-te.
— Esperem por isso,
disse o príncipe, pondo a rosa na boca e tornando-se invisível.
A moça, vendo
desaparecer o jovem, gritou ainda mais, qual não foi seu espanto
vendo três assaltantes caírem e outros em debandada, cheios de
terror!!
Logo que os viu longe,
o príncipe tirou a rosa e apareceu risonho à nobre dama.
— Muito vos agradeço,
senhor. Eu sou a dama de companhia da arquiduquesa Roxana, que mora
no palácio da Ilha grande. Vim buscar auxílio, pois ela está
ameaçada por um poderos príncipe que a quer por sua esposa e que
ela despreza.
— Tanto melhor, disse
Belo, eu me ofereço para defender a ilustre senhora. Tomemos a barca
que vos trouxe.
Na praia a dama
embarcou e o príncipe lhe falou:
— Nada digais à
duquesa, pois espero aparecer sem que ela suspeite; ide. O Corisco
vos acompanhará a nado. Tratai dele.
Depois Belo, quando a
viu longe, pôs a rosa na boca e desejou achar-se no palácio da Ilha
e aí chegou num momento.
Era um lugar
encantador, com pomares, jardins, águas cristalinas e muitos
pássaros. No parque havia grandes árvores, lagos, estátuas e
caramanchões.
O príncipe percorreu
tudo e espiou o grande salão, vendo aí a duquesa, que era
belíssima; e sua aia que tocava bandolim e outras damas que jogavam
a “cabra-cega” e o “sapato escondido”.
A duquesa era um
verdadeiro tipo de beleza: tinha o cabelo de um louro castanho com
cachos anelados sobre a fronte, olhos castanhos magníficos e airosa
estatura. Os lábios eram finos, a pele cetinosa e os dentes pareciam
pérolas. Tinha um rosto oval, claro, nariz romano, orelhas róseas e
pés e mãos delicados e pequenos. Era elegante e flexível.
Era muito rica e
generosa.
O príncipe valendo-se
do seu condão de ser invisível, gracejou com as damas, ora
escondendo-lhes o “sapato” com que brincavam, ora fazendo o
bandolim ressoar com bonitas músicas.
Quando a festa estava
no fim, todas as damas vieram beijar a mão da duquesa. Depois que o
haviam feito, o príncipe, sem ser visto, beijou também a mão da
duquesa, tendo o cuidado de pôr a haste da rosa mágica a um canto
da boca.
— Quem me beijou a
mão segunda vez? Perguntou a duquesa.
— Eu não fui, disse
uma.
— Nem eu!
E assim todas negaram
mas a duquesa repetiu contente!
— Não é possível
que eu esteja sonhando, pois senti na m´~ao um “verdadeiro”
beijo e, por sinal, o achei melhor que os outros.
Aí o príncipe não se
pôde conter mais. A esse tempo a sua dama de companhia acaba de
chegar e contava o que lhe sucedera na floresta. Ele, então apareceu
e inclinou-se com profundas reverências ante a duquesa e as damas.
Ela logo se ergueu
satisfeita; achou Belo lindíssimo e as damas o rodearam gabando-lhe
a formosura e coragem.
Contando as suas
aventuras e mostrando a rosa encantada, a duquesa Roxana lhe disse:
— Deixe-me
aspirar-lhe o perfume, príncipe, e verá que não sou falsa.
Decorreram assim muitos
dias felizes em festas, caçadas e passeios. Belo tocava bandolim
admiravelmente e a duquesa tinha uma bela voz de soprano. Todas as
noites as slas se iluminavam para festins e danças. Tomavam a
gôndola e ao luar se faziam lindas serenatas.
Certa manhã, em que o
príncipe tocava bandolim, em pé, sobre um pedestal de mármore, uma
das damas correu aflita e disse:
— Chegou uma frota
com muitos soldados... consta que vem nela o perverso rei Feio
Primeiro, que sucedeu a seu pai. Dizem ter envenenado o velho
monarca!
— Nada temais.
Lamento a morte desse rei a quem eu tinha razões para amar muito,
pois era meu pai!
— Teu pai?
— Sim. Meu irmão
julga-me morto, mas esses mesmo soldados combaterão mais depressa
por mim que por ele. Eu o vencerei. Vamos ouvir o que diz o emissário
de meu real irmão.
Todas as damas e pajens
cercaram Belo: ele as sossegava. Partiram para a praia a fim de saber
notícias.
Já vinha desembarcando
o mensageiro de Feio e com intensa alegria o príncipe reconheceu que
era o ministro, seu amigo.
Este, vendo-o também,
ajoelhou e beijou-lhe a mão.
— Ah! Que pena não
saber eu que estáveis vivo pois teríamos impedido que vosso mau
irmão subisse ao trono. Se nós e o povo soubéssemos, vos teríamos
aclamado! Ainda é tempo de...
— Mas que vides fazer
e que quer meu inimigo? Perguntou a duquesa.
— Apossar-se de vossa
pessoa e das riquezas do palácio. As vossas tropas foram derrotadas
ontem, senhora duquesa. Mas não vos aflijais. Se o príncipe Belo
quiser, prenderemos o rei Feio e o traremos amarrado aos vossos pés.
— Evitemos mata-lo,
disse Belo, pois é meu irmão. Dizei-lhe, caro ministro, que lhe
encherei cem tonéis de ouro se ele se retirar e desistir da mão da
duquesa; sei que ele é muito avarento; com certeza prefere o ouro ao
amor.
— Irei já, respondeu
o ministro, embora ache que ele não merece tanto ouro, mas voltarei
para dizer a resposta.
— Não receies nada,
disse o príncipe à duquesa, ele aceita; nós iremos para a capital
e nos casaremos.
Pouco depois largou de
um dos navios que tinha o pavilhão real uma embarcação com vinte
remadores. À popa vinham o rei e o ministro.
Ao desembarcar ele viu
o irmão e exclamou:
— Tu aqui! Eu que te
julgava morto.
— Pois estou vivo e
disposto a não morrer. Graças ao dom de uma miraculosa fada que me
protege, dar-te-ei cem barris de ouro.
E para mostrar ao rei
o seu poder sacudiu a rosa mágica e caíram moedas de ouro que o
avarento monarca apanhou e examinou.
— Está bem. São
boas. E fez tinir no chão um libra de ouro, nova e reluzente.
O príncipe olhava-o
com repugnância. Nem calculava o quanto seria capaz o rei Feio.
Este afinal disse:
— Mandarei os barcos
para carregamento dos barris e partirei hoje mesmo.
O rei seguiu com o
ministro que trocara com a duquesa um olhar de inteligência.
Evidentemente o ministro não ficara tranqüilo.
Feio, vendo a duquesa e
o príncipe Belo, de braço dado, sentiu feroz ciúme e não se
podendo conter exclamou erguendo o punho fechado par ao céu:
— Ah! Eu te
mostrarei! Espera um pouco!
Belo e a duquesa
voltaram e como os barris já estivessem na praia e os barcos também,
foi encher os tonéis com o ouro.
Postos em fileiras, o
príncipe sacudia a rosa e, um a um ficaram atestados. Depois o
príncipe de propósito, sacudiu a rosa algumas vezes sobre os
marinheiros e soldados dos barcos que encheram as algibeiras com
moedas novinhas em folha.
Daí a pouco os barcos
partiram e quando ia largar o último, o rei, aproveitando um
instante em que o príncipe Belo conversava com o ministro,
aproximou-se traiçoeiramente por trás da duquesa.
O ministro procurava
convencer Belo de que deveria aceitar a cora. Se ele quisesse Feio
seria preso.
Ia o príncipe
responder quando o rei, com um gesto rápido, enlaçou a cintura da
duquesa e atirou-lhe com ela de3ntro do último barco e mandou remar
para fora.
Ao grito de horror da
duquesa sucederam os de Belo e do ministro. A barca, vigorosamente
remada, ia se distanciando.
Nisto uma grande ave
surgiu nos ares e baixou o vôo como uma seta sobre o rei Feio,
suspendeu-o com as garras enormes e subiu; ao esvoaçar sobre a ilha
deixou cair a coroa aos pés de Belo e desapareceu ao longe.
No mesmo instante uma
criatura linda irrompeu de uma moita de arbustos floridos.
— Prometi e cumpri a
promessa; não te lembras da fada Ventura? Adeus!
Belo e o ministro
correram, mas já a linda visão se evaporava; o ministro apanhou a
coroa e a pôs na cabeça do príncipe, dizendo, alegre:
— Tinha de ser vossa!
Nisto a duquesa fizera
voltar o barco cujos marinheiros comentavam o estranho
desaparecimento do rei.
A volta foi festiva e
imponente; houve muitas festas e o rei e a rainha foram felizes.
O ministro foi nomeado
duque e do rei Feio nunca mais se soube; dizia o povo que ele estava
no inferno...
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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