O REI AVARENTO
Nos tempos primitivos
havia numa terra chamada Frigia um rei que era muito avarento. Tinha
ele uma filha que adorava e se chamava Lia. Era uma galante menina de
sete anos.
O rei era um tirano que
oprimia o povo com impostos para ter os seus tesouros ocultos a
saciar sua paixão por esse metal — o ouro.
Para que queria ele
tanta fortuna em seus subterrâneos? Para a filha que ele desejava
que fosse a mais rica princesa do mundo. Não pensava senão em
amontoar riquezas.
Passava a maior parte
do dia nas profundezas do subsolo que ele transformara em um grande
salão, onde se sentia imensamente feliz, quando depois de fechar-se
hermeticamente, abria as caixas e passava longas horas na
contemplação e arrumação de tantas riquezas.
Quantas amarguras,
quantas lágrimas não devera ter custado a reunião de tanto ouro!
A predileção do
avarento rei era, porém, só pelo ouro. As pedras preciosas, a prata
e outros objetos só tinham valor para o maníaco rei quando torçados
por ouro em barra, em obra, ou amoedado. Contava e recontava o seu
tesouro todo dia e de nada mais se preocupava com acerto senão desse
culto insensato.
Estava, porém, certa
vez, com sede e o mordomo lhe trazia ânforas e vinho e taças ao
jardim, quando entrou um estrangeiro, moço, com rosto alegre mas
muito vermelho. Sentou-se à mesa e ia beber quando o rei lhe
perguntou:
— Como te atreves a
tocar nas minhas taças?
— Sou aquele que
ensinou aos homens a cultura da vinhaça. Tens tantos ciúmes de uma
taça de ouro?
— Vejo que sois um
imortal. Podeis servir-vos e desculpai-me, mas é que eu considera o
ouro a melhor coisa da vida.
— Já não és
bastante rico?
— Sim... mas poderia
talvez ser muito mais. Ah! Se eu pudesse fabricaria o ouro por minhas
próprias mãos.
— E te considerarias
feliz por isso? Pois bem, em atenção ao teu vinho que é bom, vou
satisfazer teu desejo. Amanhã mesmo, quando te ergueres, tudo o que
tocares se converterá em ouro. Aceitas?
— Não peço outra
coisa para minha completa alegria.
E o estrangeiro, com
riso malicioso, sumiu-se de súbito.
O rei dormiu mal, como
uma criança a quem se promete algum brinquedo e apenas o sol entrou
pelo aposento, o rei ergueu-se e afastou o lençol de purpurina que o
cobria.
Contente, ele viu que
tocara numa coluna do leito e esta se transformara em ouro. O lençol
era também uma larga superfície áurea e brilhante, mas flexível.
O estrangeiro não mentira, pois orei ao vestir-se, á medida que
tocava nas peças do vestuário, se transformavam elas em um tecido
fulvo, maleável e com flexibilidade, mas de puro ouro.
Admirado, tomou o lenço
de crivo que a filha bordara e ele se transformou em uma espécie de
peneira dourada.
Entusiasmado com os
efeitos de seu poder sobrenatural, um tanto trêmulo devido às
comoções recentes, foi ao jardim respirar o ar embalsamado pelo
odor dos laranjais e roseiras em flor.
Colheu assim um pouco
que pendia e viu-o transformar-se logo numa espécie de maçã de
ouro; quis fazer um ramo de rosas que em variedades raras entreabriam
as corolas e elas ficaram todas sólidas, maciças, mas completamente
de ouro.
Estava o rei satisfeito
e o ar da manhã lhe abrira o apetite. Retirou-se então para almoçar
no palácio.
Ao entrar ouviu o
pranto de sua filha. Lia chorava,o que o espantou muito, porque, não
sendo nunca contrariada, jamais derramava lágrimas. Perguntou:
— Que tens, minha
filha, esta manhã?
Conservando o avental
nos olhos, ela respondeu, mostrando uma rosa de ouro que tinha na
mão.
— Magnífica flor,
exclamou o rei. Por que te faz chorar esta linda rosa de ouro?
— Ah! Eu não acho
esta rosa bonita! Levantei-me cedo para colher flores de diversas
cores, alguns cravos e violetas e reparei que as rosas estavam duras,
pesadas, como se fosse de bronze.
— São de ouro. Não
te aflijas. Estas duram eternamente e, aliás, podes trocá-las por
centenas de outras que murcham e duram poucas horas; assenta-te e
tomo o teu leite.
Sentou-se e tomando de
uma faca de prata para cortar um queijo viu que ela ficara de outro
metal; era ouro puro e bem assim o bule de café, a jarra com leite e
a colherinha de se servira. Pensava o rei como guardar tantos objetos
quando levou à boca uma fatia de queijo e viu com consternação que
ela se transformara em ouro maciço!
— Oh! Isto é demais,
disse ele.
A filha estava
boquiaberta, sem poder falar, espantada com o que via. Depois,
acabando de beber o leite, perguntou, vendo a palidez do pai:
— Meu pai! Que é
isto? Que tem?
— Não sei minha
filha o que vai acontecer. Não posso comer.
Na verdade, de que
servia ter uma mesa tão bem servida de queijos, frutas e doces,
cheiroso café, leite puríssimo, pão muito alvo, mel da melhor
abelha, se tudo isso se transformava em ouro, puro ouro, amarelo como
açafrão.
— Tome, papai, disse
a filha, pondo-lhe diante uma taça de leite.
O rei, muito trêmulo,
levou-a aos lábios, mas afastou-a com desânimo; a vasilha se mudara
em ouro e o líquido a princípio ouro fundido, se solidificara!
— Estou perdido!
Murmurou o rei. O mais pobre dos meus vassalos é mais feliz do que
eu. Pode beber e comer.
E o avarento gemia
contemplando a baixela de ouro e sentindo a fome roer-lhe as
entranhas e o susto invadir-lhe a alma.
Arrependido de ter
pedido ao estrangeiro o dom terrível que ele lhe concedera,
compreendeu o rei que havia coisas que valiam mais do que o ouro e
entre elas o amor de sua filha.
Comovido, choroso,
apertou-a, num abraço, contra si.
— Minha querida Lia!
Mas Lia não lhe
respondera! Ai! Que faculdade fatal dera o Deus do vinho! Que fizera,
desde que abraçara e beijara na fronte, a formosa Lia não era mais
uma gentil menina mas uma estátua de ouro!
— Oh! Que desgraça,
murmurava o infeliz pai, contemplando a criança, os belos cabelos
castanhos eram, como as faces, de um amarelo fosco. Seu corpo se
enrijara nos braços paternos.
O rei, cheio de dor,
levantou os olhos cheios de lágrimas e estremeceu vendo no limiar da
porta o estrangeiro, envolto numa auréola luminosa e com o tirso
báquico na mão.
O rei curvou a cabeça
depois de reconhecer no recém-vindo aquele que na véspera lhe dera
o mal-fadado poder de transformar em ouro tudo o que tocasse.
— Então, amigo rei,
estás satisfeito?
— Sinto-me infeliz,
balbuciou ele, estou desgraçado!
— Desgraçado! Por
quê? Na verdade és difícil de contentar. Não cumpri fielmente a
promessa que te fiz? Não me pediste esse dom?
— Fui um asno,
respondeu o rei. O ouro não é tudo nesta vida. perdi a minha filha
que eu tanto adorava...
— Não te quero
contrariar desde que te julgas um asno, tornou zombeteiro o homem do
tirso. Pelo que vejo tens descoberto coisas novas. Vamos, dize-me, o
que vale mais: o poder de mudar tudo em ouro ou um pouco de água
fresca e pura?
— A água, a água,
respondeu o rei. Quando poderei bebê-la?
— Não sei. Responde:
que vale mais? O ouro ou uma côdea de pão?
— O pão, o pão,
mesmo de ontem e até do ano passado, disse o rei, meio furioso.
— Continuemos. Que
vale mais? O ouro ou tua filha?
— Minha filha, minha
filha, gritou ele torcendo as mãos. Eu não daria uma covinha do seu
rosto pelo poder de mudar o mundo todo em ouro!
— Vejo que estás
mais sensato agora e que teu coração ainda é de carne e não de
ouro ou metal. Se assim fosse, não te poderia mais salvar. Queres
ficar livre desse poder e te tornares um homem sem avareza? Dize-me.
— Não, não quero
esse maldito poder.
— Salvar-te-ei; mas
como foste um ignorante, transformarei tuas orelhas em orelhas de
burro. Agora, se queres restituir ao estado anterior tudo o que
transformaste, vai banhar-te no rio Pactolo que corre nos fundos do
teu jardim. Traze um vaso com essa água e derrama-a em tudo o que
queres fazer voltar à forma primitiva.
O estrangeiro
desapareceu e o rei notou com profundo desgosto que o pavilhão das
orelhas crescia como de um burro.
Mas era preciso não
perder tempo. Agarrou um pote de barro que se tornou de ouro e
pesado; o rei encheu-o com água do rio e viu que voltava a ser
barro. Entrou logo, sem se despir, pela água dentro e respirou como
se estivesse aliviado. Sentiu que nele se passava um certa
transformação.
Voltou, ofegante, ao
palácio, e o primeiro objeto que ele aspergiu com a água do Pactolo
foi a estátua de ouro.
Apenas tocada pela água
voltaram as cores às faces da criança, o corpo se tornou humano e a
menina ria muito por se ver toda molhada e por ser seu pai quem lhe
dava tal banho.
O rei abraçava-a
satisfeito e contou-lhe a história. Ela disse que de nada se
lembrava.
Com o resto da água
do pote o rei fez ressuscitar o lençol, o lenço, as rosas e tudo
que transformara. Entretanto, como lembrança daquela horrível
aventura, ficaram as orelhas de burro que ele tapou cuidadosamente
com um barrete.
Um dia o seu barbeiro
descobriu que ele tinha orelhas de asno e o rei mandou-o matar e
enterrar num canavial. As canas cresceram mas ao menos sopro da brisa
repetiam: o rei tem orelhas de burro.
Sabedora do desejo que
seu pai tinha de vê-la rica e do pedido insólito que fizera, a
princesa Lia, quando se casou, distribuiu pelos pobres todos os
tesouros de seu pai e viveu modesta e feliz.
O rio Pactolo, esse
continuou e continua ainda, a rolar areias e palhetas de ouro, como
lembrança do banho do rei avarento.
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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