sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 23


O REI AVARENTO

Nos tempos primitivos havia numa terra chamada Frigia um rei que era muito avarento. Tinha ele uma filha que adorava e se chamava Lia. Era uma galante menina de sete anos.
O rei era um tirano que oprimia o povo com impostos para ter os seus tesouros ocultos a saciar sua paixão por esse metal — o ouro.
Para que queria ele tanta fortuna em seus subterrâneos? Para a filha que ele desejava que fosse a mais rica princesa do mundo. Não pensava senão em amontoar riquezas.
Passava a maior parte do dia nas profundezas do subsolo que ele transformara em um grande salão, onde se sentia imensamente feliz, quando depois de fechar-se hermeticamente, abria as caixas e passava longas horas na contemplação e arrumação de tantas riquezas.
Quantas amarguras, quantas lágrimas não devera ter custado a reunião de tanto ouro!
A predileção do avarento rei era, porém, só pelo ouro. As pedras preciosas, a prata e outros objetos só tinham valor para o maníaco rei quando torçados por ouro em barra, em obra, ou amoedado. Contava e recontava o seu tesouro todo dia e de nada mais se preocupava com acerto senão desse culto insensato.
Estava, porém, certa vez, com sede e o mordomo lhe trazia ânforas e vinho e taças ao jardim, quando entrou um estrangeiro, moço, com rosto alegre mas muito vermelho. Sentou-se à mesa e ia beber quando o rei lhe perguntou:
— Como te atreves a tocar nas minhas taças?
— Sou aquele que ensinou aos homens a cultura da vinhaça. Tens tantos ciúmes de uma taça de ouro?
— Vejo que sois um imortal. Podeis servir-vos e desculpai-me, mas é que eu considera o ouro a melhor coisa da vida.
— Já não és bastante rico?
— Sim... mas poderia talvez ser muito mais. Ah! Se eu pudesse fabricaria o ouro por minhas próprias mãos.
— E te considerarias feliz por isso? Pois bem, em atenção ao teu vinho que é bom, vou satisfazer teu desejo. Amanhã mesmo, quando te ergueres, tudo o que tocares se converterá em ouro. Aceitas?
— Não peço outra coisa para minha completa alegria.
E o estrangeiro, com riso malicioso, sumiu-se de súbito.
O rei dormiu mal, como uma criança a quem se promete algum brinquedo e apenas o sol entrou pelo aposento, o rei ergueu-se e afastou o lençol de purpurina que o cobria.
Contente, ele viu que tocara numa coluna do leito e esta se transformara em ouro. O lençol era também uma larga superfície áurea e brilhante, mas flexível. O estrangeiro não mentira, pois orei ao vestir-se, á medida que tocava nas peças do vestuário, se transformavam elas em um tecido fulvo, maleável e com flexibilidade, mas de puro ouro.
Admirado, tomou o lenço de crivo que a filha bordara e ele se transformou em uma espécie de peneira dourada.
Entusiasmado com os efeitos de seu poder sobrenatural, um tanto trêmulo devido às comoções recentes, foi ao jardim respirar o ar embalsamado pelo odor dos laranjais e roseiras em flor.
Colheu assim um pouco que pendia e viu-o transformar-se logo numa espécie de maçã de ouro; quis fazer um ramo de rosas que em variedades raras entreabriam as corolas e elas ficaram todas sólidas, maciças, mas completamente de ouro.
Estava o rei satisfeito e o ar da manhã lhe abrira o apetite. Retirou-se então para almoçar no palácio.
Ao entrar ouviu o pranto de sua filha. Lia chorava,o que o espantou muito, porque, não sendo nunca contrariada, jamais derramava lágrimas. Perguntou:
— Que tens, minha filha, esta manhã?
Conservando o avental nos olhos, ela respondeu, mostrando uma rosa de ouro que tinha na mão.
— Magnífica flor, exclamou o rei. Por que te faz chorar esta linda rosa de ouro?
— Ah! Eu não acho esta rosa bonita! Levantei-me cedo para colher flores de diversas cores, alguns cravos e violetas e reparei que as rosas estavam duras, pesadas, como se fosse de bronze.
— São de ouro. Não te aflijas. Estas duram eternamente e, aliás, podes trocá-las por centenas de outras que murcham e duram poucas horas; assenta-te e tomo o teu leite.
Sentou-se e tomando de uma faca de prata para cortar um queijo viu que ela ficara de outro metal; era ouro puro e bem assim o bule de café, a jarra com leite e a colherinha de se servira. Pensava o rei como guardar tantos objetos quando levou à boca uma fatia de queijo e viu com consternação que ela se transformara em ouro maciço!
— Oh! Isto é demais, disse ele.
A filha estava boquiaberta, sem poder falar, espantada com o que via. Depois, acabando de beber o leite, perguntou, vendo a palidez do pai:
— Meu pai! Que é isto? Que tem?
— Não sei minha filha o que vai acontecer. Não posso comer.
Na verdade, de que servia ter uma mesa tão bem servida de queijos, frutas e doces, cheiroso café, leite puríssimo, pão muito alvo, mel da melhor abelha, se tudo isso se transformava em ouro, puro ouro, amarelo como açafrão.
— Tome, papai, disse a filha, pondo-lhe diante uma taça de leite.
O rei, muito trêmulo, levou-a aos lábios, mas afastou-a com desânimo; a vasilha se mudara em ouro e o líquido a princípio ouro fundido, se solidificara!
— Estou perdido! Murmurou o rei. O mais pobre dos meus vassalos é mais feliz do que eu. Pode beber e comer.
E o avarento gemia contemplando a baixela de ouro e sentindo a fome roer-lhe as entranhas e o susto invadir-lhe a alma.
Arrependido de ter pedido ao estrangeiro o dom terrível que ele lhe concedera, compreendeu o rei que havia coisas que valiam mais do que o ouro e entre elas o amor de sua filha.
Comovido, choroso, apertou-a, num abraço, contra si.
— Minha querida Lia!
Mas Lia não lhe respondera! Ai! Que faculdade fatal dera o Deus do vinho! Que fizera, desde que abraçara e beijara na fronte, a formosa Lia não era mais uma gentil menina mas uma estátua de ouro!
— Oh! Que desgraça, murmurava o infeliz pai, contemplando a criança, os belos cabelos castanhos eram, como as faces, de um amarelo fosco. Seu corpo se enrijara nos braços paternos.
O rei, cheio de dor, levantou os olhos cheios de lágrimas e estremeceu vendo no limiar da porta o estrangeiro, envolto numa auréola luminosa e com o tirso báquico na mão.
O rei curvou a cabeça depois de reconhecer no recém-vindo aquele que na véspera lhe dera o mal-fadado poder de transformar em ouro tudo o que tocasse.
— Então, amigo rei, estás satisfeito?
— Sinto-me infeliz, balbuciou ele, estou desgraçado!
— Desgraçado! Por quê? Na verdade és difícil de contentar. Não cumpri fielmente a promessa que te fiz? Não me pediste esse dom?
— Fui um asno, respondeu o rei. O ouro não é tudo nesta vida. perdi a minha filha que eu tanto adorava...
— Não te quero contrariar desde que te julgas um asno, tornou zombeteiro o homem do tirso. Pelo que vejo tens descoberto coisas novas. Vamos, dize-me, o que vale mais: o poder de mudar tudo em ouro ou um pouco de água fresca e pura?
— A água, a água, respondeu o rei. Quando poderei bebê-la?
— Não sei. Responde: que vale mais? O ouro ou uma côdea de pão?
— O pão, o pão, mesmo de ontem e até do ano passado, disse o rei, meio furioso.
— Continuemos. Que vale mais? O ouro ou tua filha?
— Minha filha, minha filha, gritou ele torcendo as mãos. Eu não daria uma covinha do seu rosto pelo poder de mudar o mundo todo em ouro!
— Vejo que estás mais sensato agora e que teu coração ainda é de carne e não de ouro ou metal. Se assim fosse, não te poderia mais salvar. Queres ficar livre desse poder e te tornares um homem sem avareza? Dize-me.
— Não, não quero esse maldito poder.
— Salvar-te-ei; mas como foste um ignorante, transformarei tuas orelhas em orelhas de burro. Agora, se queres restituir ao estado anterior tudo o que transformaste, vai banhar-te no rio Pactolo que corre nos fundos do teu jardim. Traze um vaso com essa água e derrama-a em tudo o que queres fazer voltar à forma primitiva.
O estrangeiro desapareceu e o rei notou com profundo desgosto que o pavilhão das orelhas crescia como de um burro.
Mas era preciso não perder tempo. Agarrou um pote de barro que se tornou de ouro e pesado; o rei encheu-o com água do rio e viu que voltava a ser barro. Entrou logo, sem se despir, pela água dentro e respirou como se estivesse aliviado. Sentiu que nele se passava um certa transformação.
Voltou, ofegante, ao palácio, e o primeiro objeto que ele aspergiu com a água do Pactolo foi a estátua de ouro.
Apenas tocada pela água voltaram as cores às faces da criança, o corpo se tornou humano e a menina ria muito por se ver toda molhada e por ser seu pai quem lhe dava tal banho.
O rei abraçava-a satisfeito e contou-lhe a história. Ela disse que de nada se lembrava.
Com o resto da água do pote o rei fez ressuscitar o lençol, o lenço, as rosas e tudo que transformara. Entretanto, como lembrança daquela horrível aventura, ficaram as orelhas de burro que ele tapou cuidadosamente com um barrete.
Um dia o seu barbeiro descobriu que ele tinha orelhas de asno e o rei mandou-o matar e enterrar num canavial. As canas cresceram mas ao menos sopro da brisa repetiam: o rei tem orelhas de burro.
Sabedora do desejo que seu pai tinha de vê-la rica e do pedido insólito que fizera, a princesa Lia, quando se casou, distribuiu pelos pobres todos os tesouros de seu pai e viveu modesta e feliz.
O rio Pactolo, esse continuou e continua ainda, a rolar areias e palhetas de ouro, como lembrança do banho do rei avarento.







O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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