O cavaleiro de pouca
roupa
Conrado era filho único
de um nobre fidalgo da Floresta Negra. Seu pai, outrora rico e
poderoso, ficara arruinado com as sucessivas guerras com os Húngaros,
que invadiram o país para saquear as mais belas cidades.
Num assalto o fidalgo
morrera e seu filho herdara o castelo meio arruinado, os campos
talados e desertos.
Suas vestes de guerra
antigamente brilhantes e bordadas a ouro estavam usadas e mesmo rotas
a ponto que outros senhores o desprezavam. Não o queriam aceitar nem
nos salões de baile nem nos torneios. Recusavam-se até a admiti-lo
nas tropas de guerra.
Entretanto, Conrado
empobrecera defendendo sua terra com seu velho pai, morto
gloriosamente. Já naqueles tempos, porém, dava-se mais importância
a um ente bem vestido que a um indivíduo mal trajado.
Vivia o moço
tristemente, amanhando um lote de terras para plantio, cuidando de um
jardinzito e de seu ginete. Este estava magríssimo embora forte.
Só no mundo, o mancebo
à tarde orava. Restava-lhe uma madrinha de que seu pai contava
historias miraculosas de magia e encanto. Debalde ele pedia que ela o
amparasse e como nada lhe sucedesse de melhor e permanecesse na mesma
inopia e carência, o jovem sentia o desânimo invadir-lhe a alma.
Certo dia em que mais
triste estava, viu passar, no campo fronteiro ao castelo, muitos
campônios. Correram outros assustados, refugiaram-se alguns no
castelo e Conrado soube então quemuitos cavaleiros húngaros tinham
atravessado o Danúbio e vinham para a Floresta Negra recomeçar as
sanguinolentas pilhagens e os terríveis massacres.
Conrado, pedindo
mentalmente a proteção de sua madrinha, resolveu mais uma vez
defender a terra que o vira nascer. Ele nada possuía senão o seu
esboroado solar, alguns alqueires de terra, a espada forte mas um
tanto embotada e ferrugenta e uma lança pouco sólida. Não
desanimou o mancebo, cingiu a espada, tomou a lança e montou no
ginete, mais esquálido que a cavalgadura de Dom Quixote.
Entretanto, a notícia
chegara aos paços do imperador da Alemanha, que convocou todos os
nobres senhores e vassalos para formar um grande exército e opor-se
aos invasores.
Quando os fidalgos
viram Conrado tão mal vestido e equipado, começaram a rir-se e a
gracejar:
— Que vem fazer este
pobre diabo? Dizia um.
E outro acrescentou:
— Se nosso imperador
tivesse muitos soldados assim, bem poderia fugir antes que os
inimigos chegassem.
O próprio imperador,
vendo o mancebo, ficou irritado e disse:
— Ponham-no fora do
campo; é um insensato. Se os húngaros o vissem fariam mau juízo
dos chefes que comandassem soldados como este!
O estribeiro-mor ia
executar a ordem e reenviar Conrado ao seu castelo desmantelado
quando os húngaros apareceram, de súbito, na margem do rio; hão se
pensou mais no moço e ele ficou no meio das tropas imperiais. Ia
travar-se a batalha.
Os húngaros avançaram
com grande impetuosidade e mataram grande número de fidalgos e
soldados. A própria guarda do soberano já estava em debandada e o
imperador se preparava para fugir quando todos viram surgis, no campo
onde mais acesa ia a luta, um guerreiro num corcel muito branco e
formoso. Com tremendos golpes de espada, a qual luzia como um raio de
sol, ele dizimou as tropas húngaras e reanimou a coragem das tropas
imperiais. Os inimigos não o podendo alcançar e espantados com o
ardaor deste cavaleiro misterioso, já o consideravam como um ente
fantástico e intangível. Em breve seus esquadrões punham-se em
fuga, deixando as tendas, as armas, os ricos despojos que tinham
roubado e muitas centenas de mortos e feridos.
Depois da vitória, o
imperador reuniu os senhores e mandou procurar o guerreiro de
armadura de ouro.
— Quem é, perguntou
ele, denotado guerreiro que se bateu com tanta valentia e nos salvou
de uma cruel derrota?
Ninguém pôde
responder e, em vão, procuraram o guerreiro por todo o campo.
Passaram-se alguns dias
e parecia começada uma era de paz, quando os Húngaros, furiosos
pela derrota sofrida, voltaram de novo, mais numerosos e por diversos
pontos das fronteiras invadiram o país brutalmente, incendiando
cidades e campos e fazendo terríveis violências.
Foram chamados os
habitantes às armas, o imperador reuniu as tropas e Conrado voltou a
oferecer seus serviços, trajado do mesmo modo, com as mesmas armas
embotadas e o encarquilhado cavalo. O capacete estava mais
enferrujado e o saio de guerra em frangalhos. Isso não lhe tirava,
no entanto, o ar elegante e severo, mas os demais fidalgos
cobriram-no de zombarias e dispensaram os seus serviços. O imperador
quis prendê-lo e exclamou irado:
— Pois esta é a
vestimenta de um fidalgo? Estará tão pobre assim, ou quer motejar
comigo?
— É uma vergonha
incluí-lo nas fileiras... ajuntou um cortesão.
— Pois que o prendam
e o exilem para o seu castelo, donde não deveria ter saído. Bem
fraco está o imperador, diria o inimigo, para ter necessidade de um
guerreiro todo enferrujado e mal vestido. — Levem-no.
A ordem ia ser
imediatamente cumprida, mas os húngaros não deram tempo a que
Conrado fosse assim menosprezado. Atacaram tão bruscamente que os
imperiais recuaram como na primeira batalha. A derrota já começava
quando, com da primeira vez, o misterioso guerreiro apareceu com a
reluzende espada na mão e montado no fogoso corcel branco; os
húngaros que o agrediam caiam sucessivamente e com o gládio
derrubou filas inteiras de inimigos. Estes clamavam:
— O cavaleiro de
ouro! O cavaleiro de ouro! Os imperiais encorajados repeliam os
húngaros e os perseguiram sem dar quartel. A vitória do imperador
foi completa e definitiva.
Do alto de uma torre
vizinha ele vira as façanhas do invencível cavaleiro.
— Quero conhecê-lo,
bradou ele, cerquem-no e tragam-no diante de mim. Quero abraça-lo,
preciso conhecer o herói que salvou duas vezes nossa terra!
Os mais bravos senhores
da escolta imperial correram e rodearam o cavaleiro mas estes, por
uma manobra, hábil, atravessou o círculo dos soldados e
desapareceu. Ao saltar, porém,, uma das luvas caiu e um fidalgo
apanhou-a.
Levou-a ao monarca.
Este ficara pesaroso,
mas ao chegar à capital, onde foi recebido em triunfo, fez proclamar
por toda a parte um édito, no qual prometia que daria sua filha em
casamento a quem pudesse calçar a luva caída.
Vieram então de todos
os castelos e cidades, fidalgos e senhores ricos e faustosos...
Esperavam todos qe a luva lhes serviria mas foi tudo em vão. Nenhum
deles pôde sequer introduzir o polegar no gantelete do cavaleiro de
ouro.
O pobre Conrado veio,
por sua vez. Quiseram impedir-lhe a entrada! O imperador ficou rubro
de cólera.
— Pois então! E não
é que este mísero tem a audácia de pretender a mão de minha filha
e nos fazer crer que era ele o cavaleiro de ouro? Este diabo tinha
apenas um saio em frangalhos e umas armas mais inúteis que um cabo
de vassoura!
— Deixai-o pai,
suplicou a princesa, que era dotada de bom coração e que, sobe as
vestes pobres de Conrado, notara a distinção do fidalgo e o brilho
dos seus olhos ardentes.
— Não, filha,
retrucou o imperador — e ia dar uma ordem ao seu capitão das
guardas quando a princesa se ajoelho aos pés do trono.
— Senhor e meu pai,
implorou ela; é preciso que todos, segundo vossas ordens, moços ou
velhos, ricos ou pobres, desde que sejam fidalgos, venham
experimentar esta luva. Eu vos peço, meu pai que não repilas
Conrado do Ar, porque está pobre e infeliz.
O imperador adorava a
filha e fez-lhe a vontade. Consentiu que o moço experimentasse a
luva. Os senhores e damas riam-se à vontade quando Conrado se
encaminhou para junto do rei.
Imagine-se a
estupefação e o espanto de todos da corte, quando viram a mão do
jovem entrar na luva, ajustando-se-lhe perfeitamente!
No mesmo instante o
saio e as armas de Conrado se transformaram e no meio da sala
viram-no aparecer cingindo a armadura de ouro, montado sobre o ginete
branco e tendo na destra o gládio reluzente como um raio de sol!
Todos murmuravam:
— Era Conrado o
cavaleiro de ouro!
— Vós me repeliste
disse ele, então, porque eu estava mal vestido e armado. Isso
impediria de ser bravo e combater? A minha roupa pobre aumentaria ou
diminuiria minha força e minha fé? Minha madrinha, a fada da
Floresta, quis confundir-vos e me transformou duas vezes no campo de
batalha, mas acreditai-me, Conrado com armadura de ouro ou não fez
senão o que Conrado pobre teria feito se tivesse confiado nele.
A visão se desfez e o
pobre moço voltou a beijar a mão do soberano e da princesa. Todos o
felicitavam.
— Bem vê, meu pai,
que não devemos julgar pelas aparências, disse a princesa.
Daí a poucos dias era
celebrado com grande pompa o casamento da princesa Clotilde com o mui
grave Conrado. O castelo do nobre senhor foi restaurado e os
Húngaros, receosos do cavaleiro de ouro, nunca mais transpuseram as
fronteiras.
Conrado e Clotilde
foram muito felizes.
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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