sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 16


 
O cavaleiro de pouca roupa

Conrado era filho único de um nobre fidalgo da Floresta Negra. Seu pai, outrora rico e poderoso, ficara arruinado com as sucessivas guerras com os Húngaros, que invadiram o país para saquear as mais belas cidades.
Num assalto o fidalgo morrera e seu filho herdara o castelo meio arruinado, os campos talados e desertos.
Suas vestes de guerra antigamente brilhantes e bordadas a ouro estavam usadas e mesmo rotas a ponto que outros senhores o desprezavam. Não o queriam aceitar nem nos salões de baile nem nos torneios. Recusavam-se até a admiti-lo nas tropas de guerra.
Entretanto, Conrado empobrecera defendendo sua terra com seu velho pai, morto gloriosamente. Já naqueles tempos, porém, dava-se mais importância a um ente bem vestido que a um indivíduo mal trajado.
Vivia o moço tristemente, amanhando um lote de terras para plantio, cuidando de um jardinzito e de seu ginete. Este estava magríssimo embora forte.
Só no mundo, o mancebo à tarde orava. Restava-lhe uma madrinha de que seu pai contava historias miraculosas de magia e encanto. Debalde ele pedia que ela o amparasse e como nada lhe sucedesse de melhor e permanecesse na mesma inopia e carência, o jovem sentia o desânimo invadir-lhe a alma.
Certo dia em que mais triste estava, viu passar, no campo fronteiro ao castelo, muitos campônios. Correram outros assustados, refugiaram-se alguns no castelo e Conrado soube então quemuitos cavaleiros húngaros tinham atravessado o Danúbio e vinham para a Floresta Negra recomeçar as sanguinolentas pilhagens e os terríveis massacres.
Conrado, pedindo mentalmente a proteção de sua madrinha, resolveu mais uma vez defender a terra que o vira nascer. Ele nada possuía senão o seu esboroado solar, alguns alqueires de terra, a espada forte mas um tanto embotada e ferrugenta e uma lança pouco sólida. Não desanimou o mancebo, cingiu a espada, tomou a lança e montou no ginete, mais esquálido que a cavalgadura de Dom Quixote.
Entretanto, a notícia chegara aos paços do imperador da Alemanha, que convocou todos os nobres senhores e vassalos para formar um grande exército e opor-se aos invasores.
Quando os fidalgos viram Conrado tão mal vestido e equipado, começaram a rir-se e a gracejar:
— Que vem fazer este pobre diabo? Dizia um.
E outro acrescentou:
— Se nosso imperador tivesse muitos soldados assim, bem poderia fugir antes que os inimigos chegassem.
O próprio imperador, vendo o mancebo, ficou irritado e disse:
— Ponham-no fora do campo; é um insensato. Se os húngaros o vissem fariam mau juízo dos chefes que comandassem soldados como este!
O estribeiro-mor ia executar a ordem e reenviar Conrado ao seu castelo desmantelado quando os húngaros apareceram, de súbito, na margem do rio; hão se pensou mais no moço e ele ficou no meio das tropas imperiais. Ia travar-se a batalha.
Os húngaros avançaram com grande impetuosidade e mataram grande número de fidalgos e soldados. A própria guarda do soberano já estava em debandada e o imperador se preparava para fugir quando todos viram surgis, no campo onde mais acesa ia a luta, um guerreiro num corcel muito branco e formoso. Com tremendos golpes de espada, a qual luzia como um raio de sol, ele dizimou as tropas húngaras e reanimou a coragem das tropas imperiais. Os inimigos não o podendo alcançar e espantados com o ardaor deste cavaleiro misterioso, já o consideravam como um ente fantástico e intangível. Em breve seus esquadrões punham-se em fuga, deixando as tendas, as armas, os ricos despojos que tinham roubado e muitas centenas de mortos e feridos.
Depois da vitória, o imperador reuniu os senhores e mandou procurar o guerreiro de armadura de ouro.
— Quem é, perguntou ele, denotado guerreiro que se bateu com tanta valentia e nos salvou de uma cruel derrota?
Ninguém pôde responder e, em vão, procuraram o guerreiro por todo o campo.
Passaram-se alguns dias e parecia começada uma era de paz, quando os Húngaros, furiosos pela derrota sofrida, voltaram de novo, mais numerosos e por diversos pontos das fronteiras invadiram o país brutalmente, incendiando cidades e campos e fazendo terríveis violências.
Foram chamados os habitantes às armas, o imperador reuniu as tropas e Conrado voltou a oferecer seus serviços, trajado do mesmo modo, com as mesmas armas embotadas e o encarquilhado cavalo. O capacete estava mais enferrujado e o saio de guerra em frangalhos. Isso não lhe tirava, no entanto, o ar elegante e severo, mas os demais fidalgos cobriram-no de zombarias e dispensaram os seus serviços. O imperador quis prendê-lo e exclamou irado:
— Pois esta é a vestimenta de um fidalgo? Estará tão pobre assim, ou quer motejar comigo?
— É uma vergonha incluí-lo nas fileiras... ajuntou um cortesão.
— Pois que o prendam e o exilem para o seu castelo, donde não deveria ter saído. Bem fraco está o imperador, diria o inimigo, para ter necessidade de um guerreiro todo enferrujado e mal vestido. — Levem-no.
A ordem ia ser imediatamente cumprida, mas os húngaros não deram tempo a que Conrado fosse assim menosprezado. Atacaram tão bruscamente que os imperiais recuaram como na primeira batalha. A derrota já começava quando, com da primeira vez, o misterioso guerreiro apareceu com a reluzende espada na mão e montado no fogoso corcel branco; os húngaros que o agrediam caiam sucessivamente e com o gládio derrubou filas inteiras de inimigos. Estes clamavam:
— O cavaleiro de ouro! O cavaleiro de ouro! Os imperiais encorajados repeliam os húngaros e os perseguiram sem dar quartel. A vitória do imperador foi completa e definitiva.
Do alto de uma torre vizinha ele vira as façanhas do invencível cavaleiro.
— Quero conhecê-lo, bradou ele, cerquem-no e tragam-no diante de mim. Quero abraça-lo, preciso conhecer o herói que salvou duas vezes nossa terra!
Os mais bravos senhores da escolta imperial correram e rodearam o cavaleiro mas estes, por uma manobra, hábil, atravessou o círculo dos soldados e desapareceu. Ao saltar, porém,, uma das luvas caiu e um fidalgo apanhou-a.
Levou-a ao monarca.
Este ficara pesaroso, mas ao chegar à capital, onde foi recebido em triunfo, fez proclamar por toda a parte um édito, no qual prometia que daria sua filha em casamento a quem pudesse calçar a luva caída.
Vieram então de todos os castelos e cidades, fidalgos e senhores ricos e faustosos... Esperavam todos qe a luva lhes serviria mas foi tudo em vão. Nenhum deles pôde sequer introduzir o polegar no gantelete do cavaleiro de ouro.
O pobre Conrado veio, por sua vez. Quiseram impedir-lhe a entrada! O imperador ficou rubro de cólera.
— Pois então! E não é que este mísero tem a audácia de pretender a mão de minha filha e nos fazer crer que era ele o cavaleiro de ouro? Este diabo tinha apenas um saio em frangalhos e umas armas mais inúteis que um cabo de vassoura!
— Deixai-o pai, suplicou a princesa, que era dotada de bom coração e que, sobe as vestes pobres de Conrado, notara a distinção do fidalgo e o brilho dos seus olhos ardentes.
— Não, filha, retrucou o imperador — e ia dar uma ordem ao seu capitão das guardas quando a princesa se ajoelho aos pés do trono.
— Senhor e meu pai, implorou ela; é preciso que todos, segundo vossas ordens, moços ou velhos, ricos ou pobres, desde que sejam fidalgos, venham experimentar esta luva. Eu vos peço, meu pai que não repilas Conrado do Ar, porque está pobre e infeliz.
O imperador adorava a filha e fez-lhe a vontade. Consentiu que o moço experimentasse a luva. Os senhores e damas riam-se à vontade quando Conrado se encaminhou para junto do rei.
Imagine-se a estupefação e o espanto de todos da corte, quando viram a mão do jovem entrar na luva, ajustando-se-lhe perfeitamente!
No mesmo instante o saio e as armas de Conrado se transformaram e no meio da sala viram-no aparecer cingindo a armadura de ouro, montado sobre o ginete branco e tendo na destra o gládio reluzente como um raio de sol!
Todos murmuravam:
— Era Conrado o cavaleiro de ouro!
— Vós me repeliste disse ele, então, porque eu estava mal vestido e armado. Isso impediria de ser bravo e combater? A minha roupa pobre aumentaria ou diminuiria minha força e minha fé? Minha madrinha, a fada da Floresta, quis confundir-vos e me transformou duas vezes no campo de batalha, mas acreditai-me, Conrado com armadura de ouro ou não fez senão o que Conrado pobre teria feito se tivesse confiado nele.
A visão se desfez e o pobre moço voltou a beijar a mão do soberano e da princesa. Todos o felicitavam.
— Bem vê, meu pai, que não devemos julgar pelas aparências, disse a princesa.
Daí a poucos dias era celebrado com grande pompa o casamento da princesa Clotilde com o mui grave Conrado. O castelo do nobre senhor foi restaurado e os Húngaros, receosos do cavaleiro de ouro, nunca mais transpuseram as fronteiras.
Conrado e Clotilde foram muito felizes.






O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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