KONDER, Leandro. O que
é dialética. São Paulo: Brasilense, 2003. (Coleção Primeiros
passos; 23)
Livro
lido em 2007 cujas anotações foram encontradas apenas em 2009 com outras anotações que estavam no mesmo bloco. Livro da
biblioteca municipal de Capinópolis, nº 3099.
Pelo índice
Origens da dialética
O trabalho
A alienação
A totalidade
A contradição e a
mediação
A “fluidificação”
dos conceitos
As leis da dialética
O sujeito e a história
O indivíduo e a
sociedade
Semente de dragões.
7
Dialética era, na
Grécia antiga, a arte do diálogo. Aos poucos, passou a ser a arte
de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação
capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na
discussão.
8
Na acepção moderna,
entretanto, dialética significa outra coisa: é o modo de pensarmos
as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade
como essencialmente contraditória e em permanente transformação.
10
Segundo Aristóteles,
todas as coisas possuem determinadas potencialidades; os movimentos
das coisas são potencialidades que estão se atualizando, isto é,
são possibilidades que estão se transformando em realidades
efetivas. Com seus conceitos de ato e potência, Aristóteles
conseguiu impedir que o movimento fosse considerado apenas uma ilusão
desprezível, um aspecto superficial da realidade; graças a ele, os
filósofos não abandonaram completamente o estudo do lado dinâmico
e mutável do real.
11
1...A
própria palavra dialética se tornou uma espécie de sinônimo de
lógica (ou então passou a ser empregada, em alguns casos, como o
significado pejorativo de “lógica das aparências”)
16
1... Há,
porém, uma exceção; o maior dos filósofos iluministas é também
o autor de uma obra rica em observações de grande interesse para a
concepção dialética do mundo: Denis Diderot (1713 – 1784)
17
No Sonho de
D’Alembert, imaginou que D’Alembert, seu amigo, sonhando
dizia coisas tais como: “Todos os seres circulam uns nos outros.
Tudo é um fluxo perpetuo. O que é um ser? A soma de um certo número
de tendências. E a vida? A vida é uma sucessão de ações e
reações. Nascer, viver e passar é mudar de formas”. D’Alembert
ficou chocado com a “loucura” que Diderot tinha escrito e o
texto, redigido em 1769, acabou só sendo publicado em 1830.
No Suplemento à
viagem de Bougainville, publicado em 1796, Diderot aconselhava
seus leitores: “Examinem todas as instituições políticas, civis
e religiosas; ou muito me engano ou vocês verão nelas o gênero
humano subjugado, a cada século mais submetido ao jugo de um punhado
de meliantes”. E recomendava: “Desconfiem de quem quer impor a
ordem”.
Uma das obras mais
famosas de Diderot é O sobrinho de Rameau, que relata uma
conversa entre o filósofo e um jovem vigarista, sobrinho de um
músico célebre: Diderot se coloca, habilmente, numa posição
moderada, mas coloca na boca do seu interlocutor uma argumentação
brilhante, uma defesa altamente perturbadora da vigarice, de modo que
a moral vigente fica bastante abalada em seus fundamentos, no fim do
diálogo. Diderot assume os elementos conservadores que sabe
existirem no seu pensamento, mas permite ao jovem vigarista que
desenvolva seus pontos de vista com extraordinária desenvoltura; o
resultado é um confronto fascinante, que Hegel e Marx consideram um
primor de dialética.
18
Ao lado de Diderot,
quem deu a maior contribuição à dialética na segunda metade do
Século XVIII foi Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778)
21
O cento da filosofia,
para Kant, não podia deixar de ser a reflexão sobre a questão do
conhecimento, a questão da exata natureza e dos limites do
conhecimento humano. Fixando sua atenção naquilo que ele chamou de
“razão pura”, o filósofo se convenceu, então, de que na
própria “razão pura” (anterior à experiência) existiam certas
contradições — as “antimonias” — que nunca poderiam ser
expulsas do pensamento humano por nenhuma lógica.
22
Outro filosofo alemão,
de uma geração posterior, demonstrou que a contradição não era
apenas dimensão essencial na consciência do sujeito do
conhecimento, conforme Kant tinha concluído; era um princípio
básico que não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito
nem da realidade objetiva. Esse novo pensador, que se chamava Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), sustentava que a questão
central da filosofia a questão do ser, mesmo, e não a do
conhecimento.
22
Hegel concordava com
Kant num ponto essencial: no reconhecimento de que o sujeito humano é
essencialmente ativo e está sempre interferindo na realidade.
22
2... Hegel
percebe que o trabalho é a mola que impulsiona o desenvolvimento
humano; é no trabalho que o homem (p.23) se produz a sim mesmo; o
trabalho é o núcleo a partir do qual podem ser compreendidas as
formas complicadas da atividade criadora do sujeito humano. No
trabalho se acha tanto a resistência do objeto (que nunca pode ser
ignorada) como o poder do sujeito, a capacidade que o sujeito tem de
encaminhar, com habilidade e persistência, uma superação dessa
resistência.
26
O trabalho é
conceito-chave para nós compreendermos o que é a superação
dialética. Para expressar a sua concepção da superação
dialética, Hegel usou a palavra alemã aufheben, um verbo que
significa suspender. Mas esse suspender tem três sentidos
diferentes. O primeiro sentido é o de negar, anular, cancelar (como
ocorre, por exemplo, quando a gente suspende um passeio por causa do
mau tempo, ou quando um estudante é suspenso das aulas e não pode
comparecer à escola durante algum tempo). O segundo sentido é o de
erguer alguma coisa e mantê-la erguida para protegê-la (como a
gente vê, por exemplo, num poema de Manuel Bandeira, quando o poeta
fala do quarto onde morou há muitos anos e diz que ele foi
preservado porque ficou “intacto, suspenso no ar”). O terceiro
sentido é o de elevar a qualidade, promover a passagem de alguma
coisa para um plano superior, suspender o nível. Pois bem: Hegel
emprega a palavra com os três sentidos diferentes ao mesmo tempo.
Para ele, a superação dialética é simultaneamente a negação de
uma determinada realidade, a conservação de algo de essencial que
existe nessa realidade, a conservação de algo de essencial que
existe nessa realidade negada e a elevação dela a um nível
superior.
Isso parece obscuro,
mas fica menos confuso se observamos o que acontece no trabalho: a
matéria-prima é “negada” (quer dizer, é destruída (p.27) em
sua forma natural), mas ao mesmo tempo é “conservada” (quer
dizer, é aproveitada) e assume uma forma nova, modificada,
correspondente aos objetivos humanos (quer dizer, é “elevada” em
seu valor).
30
“Divisão do trabalho
e propriedade privada” — escreveu Marx — “são termos
idênticos: um diz em relação `a exploração do trabalho escravo a
mesma coisa que o outro diz em relação ao produto da exploração
do trabalho escravo”. As condições criadas pela divisão do
trabalho e pela propriedade privada introduziram um “estranhamento”
entre o trabalhador e o trabalho, na medida em que o produto do
trabalho, antes mesmo de o trabalho se realizar, pertence a outra
pessoa que não o trabalhador. Por isso, em lugar de realizar-se no
seu trabalho, o ser humano se aliena nele; em lugar de reconhecer-se
em suas próprias criações, o ser humano se sente ameaçado por
elas; em lugar de libertar-se, acaba enrolando em novas opressões.
36
Qualquer objeto que o
homem possa perceber ou criar é parte de um todo. Em cada ação
empreendida, o ser humano se defronta, inevitavelmente, com problemas
interligados. Por isso, para encaminhar uma solução para os
problemas, o ser humano precisa ter uma certa visão de conjunto
deles: é a partir da visão do conjunto que a gente pode avaliar a
dimensão de cada elemento do quadro. Foi o que Hegel sublinhou
quando escreveu: “A verdade é o todo”. Se não enxergarmos o
todo, podemos atribuir um valor exagerado a uma verdade imitada
(transformando-a em mentira), prejudicando a nossa compreensão de
uma verdade mais geral.
37
A visão de conjunto —
ressalve-se — é sempre provisória e nunca pode pretender esgotar
a realidade a que ele se refere. A realidade é sempre mais rica do
que o conhecimento que a gente tem dela. Há sempre algo que escapa à
s nossa síntese; isso, porém, não nos dispensa do esforço de
nossa realidade. A síntese é a visão de conjunto que permite o
homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se
defronta, numa situação dada. E é essa estrutura significativa —
que a visão de conjunto proporciona — que é chamada de
totalidade.
39
A modificação do todo
só se realiza, de fato, após um acúmulo de mudanças nas partes
que o compõem. Processam-se alterações setoriais, quantitativas,
até que se alcança um ponto crítico que assinala a transformação
qualitativa da totalidade. É a lei dialética da transformação
da quantidade em qualidade. Voltaremos a
falar dessa lei. Por enquanto, o que devemos sublinhar é que a
modificação do todo é mais complicada que a modificação de cada
um dos elementos que integram. E devemos sublinhar outra coisa: cada
totalidade tem sua maneira diferente de mudar; as condições da
mudança variam, dependendo do caráter da totalidade e do processo
específico do qual ela é um momento.
43
1... a
teoria é necessária e nos ajuda muito, mas por si só não fornece
os critérios suficientes para nós estarmos seguros de agir com
acerto. Nenhuma teoria pode ser tão boa a ponto de nos evitar erros.
A gente depende, em última análise, da prática — especialmente
da prática social — para verificar o maior ou menor acerto do
nosso trabalho com os conceitos (e com as totalizações).
A teoria nos ajuda,
fornecendo importantes indicações. Em relação à totalidade, por
exemplo, a (p.44)teoria dialética recomenda que nós prestemos
atenção ao “recheio” de cada síntese, quer dizer, às
contradições e mediações concretas que a síntese encerra.
45
Mas o texto (fala
de uma obra de Marx) ainda diz mais: por análise, eu
decomponho e recomponho o conhecimento indicado na expressão que me
serviu de ponto de partida. No fim, realizada a viagem do mais
complexo (ainda abstrato) ao mais simples e feito o retorno do mais
simples ao mais complexo (já concreto), a expressão população
passa a ter um conteúdo bem determinado. O concreto, portanto, é o
resultado de um trabalho. “o concreto” — insiste Marx — “é
concreto porque é a síntese de várias determinações diferentes,
é unidade na diversidade.”
45
A concepção de Marx,
segundo a qual o conhecimento não é um ato e sim um processo,
desenvolveu-se em polêmica contra a concepção irracionalista. Os
irracionalistas consideram a intuição um instrumento privilegiado
do conhecimento humano; para eles, o que és “sacado”
intuitivamente já possui valor de verdade, de modo que não existe
nenhum motivo par anos trilharmos o trabalhoso caminho indicado por
Marx; a impressão genérica obtida no ponto de partida já nos
basta. O irracionalismo desestimula o ser humano a realizar o
paciente esforço de ir além da aparência, em busca da essência
dos fenômenos.
46
“A dialética” —
observa Carlos Nelson Coutinho — “não pensa o todo negando as
partes, nem pensa as partes abstraídas do todo. Ela pensa tanto as
contradições entre as partes (a diferença entre elas: o que faz de
uma obra de arte algo distinto de um panfleto político) como a união
entre elas (o que leva a arte e a política a se relacionarem no seio
da sociedade enquanto totalidade).”
47
A experiência nos
ensina que em todos os objetos com os quais lidamos existe uma
dimensão imediata (que nos percebemos imediatamente) e existe uma
dimensão mediata (que a gente vai descobrindo, construindo ou
reconstruindo aos poucos).
49
As conexões íntimas
que existem entre realidades diferentes criam unidades
contraditórias. Em tais unidades, a contradição é essencial: não
é um mero defeito do raciocínio. Num sentido amplo, filosófico,
que não se confunde com o sentido que a lógica confere ao termo, a
contradição é reconhecida pela dialética como principio básico
do movimento pelo qual os seres existem. A dialética não se
contrapõe à lógica, mas vai além da lógica, desbravando um
espaço que a lógica não consegue ocupar.
51
1... Hegel
descrevia o processo global da realidade da seguinte maneira: a Idéia
Absoluta assumiu a imperfeição ( a instabilidade) da matéria,
desdobrou-se em uma série de movimentos que a explicitavam e
realizavam, para, afinal com a trajetória ascensional do ser humano,
iniciar — enriquecida — seu retorno a si mesma. Essa descrição
— que é claramente idealista — supõe o conhecimento do ponto de
partida e do ponto de chegada do movimento da realidade. Quer dizer:
é a descrição do processo da realidade como uma totalidade
fechada, “redonda”. Marx, como materialista, não podia aceitar
essa descrição: para ele, o processo da realidade só podia ser
encarado com uma totalidade aberta, quer dizer, através de esquemas
que não pretendessem “reduzir” a infinita riqueza da realidade
ao conhecimento.
52
Hegel, com a dialética
dele, lançou as bases para a “fluidificação” dos conceitos; em
Hegel, no entanto, a “fluidificação” ficava limitada pelo
caráter excessivamente abstrato do quadro global (totalidade) da
história humana. Isso se vê, por exemplo, no uso do conceito de
natureza humana: em Hegel, o ser humano que promovia o movimento da
história era uma abstrata “auto-consciência”, ligada à tal da
Idéia Absoluta, praticamente desvinculada dos problemas que afetam o
corpo dos homens, de modo que a “natureza humana”, tal como Hegel
a entendia, era idealizada, tinha muito pouco de “natureza” e por
isso lhe faltava uma dimensão histórica mais concreta. Marx, por
sua vez, conseguiu “fluidificar” muito mais radicalmente o
conceito de natureza humana. Para Marx, o homem tinha um corpo, uma
dimensão concretamente “natural”, e por isso a natureza humana
se modificava materialmente, na sua atividade física sobre o mundo:
“ao atuar sobre a natureza exterior, o homem modifica, ao mesmo
tempo, sua própria natureza”. O movimento autotransformador da
natureza humana, para Marx, não é um movimento espiritual (como em
Hegel) e sim um movimento material, que abrange a modificação não
só das formas de trabalho e organização prática de vida, mas
também dos próprios órgãos dos sentidos: o olho humano passou a
ver coisas que não (p.53) enxergava antes, o ouvido humano foi
educado pela música para ouvir coisas que não escutava antes, etc.
“A formação dos cinco sentidos” — escreveu Marx — “é
trabalho de toda a história passada”.
58
Engels concentrou,
então, sua atenção no exame dos princípios daquilo que ele chamou
de “dialética da natureza” e chegou à conclusão de que as leis
gerais da dialética (comuns tanto à história humana como à
natureza) podiam ser reduzidas, no essencial, a três:
- lei da passagem da quantidade à qualidade (e vice-versa);
- lei da interpenetração dos contrários;
- lei da negação da negação.
A primeira lei se
refere ao fato de que, ao mudarem, as coisas não mudam sempre no
mesmo ritmo; o processo de transformação por meio do qual elas
existem passa por períodos lentos (nos quais se sucedem pequenas
alterações quantitativas) e por períodos de aceleração (que
precipitam alterações qualitativas, isto é, “saltos”,
modificações radicais). Engels dá o exemplo da água que vai
esquentando, vai esquentando, até alcançar cem graus centígrado e
ferver, quando se precipita a sua passagem do estado líquido ao
estado gasoso.
A segunda lei é aquela
que nos lembra que tudo tem a ver com tudo, os diversos aspectos da
realidade s entrelaçam e, em diferentes níveis, dependem uns dos
outros, de modo que as coisas não podem ser compreendidas
isoladamente, uma por uma, sem levarmos em conta a conexão que cada
uma delas mantém com cosias diferentes.conforme as conexões (quer
dizer, conforme o (p.59)contexto em que ela esteja situada),
prevalece, na coisa, um lado ou o outro da sua realidade (que é
intrinsecamente contraditória). Os dois lados se opõem e, no
entanto, constituem uma unidade (e por isso esta lei já foi também
chamada de unidade e luta dos contrários).
59
A terceira lei dá
conta do fato de que o movimento geral da realidade faz sentido, quer
dizer, não é absurdo, não se esgota em contradições irracionais,
ininteligíveis, nem se perde na eterna repetição do conflito entre
teses e antítese, entre afirmações e negações. A afirmação
engendra necessariamente a sua negação , porém a negação não
prevalece como tal: tanto a afirmação como a negação são
superadas e o que acaba por prevalecer é uma síntese, é a negação
da negação.
Essas leis já se
achavam em Hegel; Engels procurou resgata-las do idealismo hegeliano
e dar-lhes um sentido claramente materialista. Expondo,
simplificadamente, algumas das noções básicas da dialética,
Engels teve um imenso êxito e exerceu uma influência notável no
pensamento de várias gerações de operários conscientes e
militantes socialistas. A polêmica de Engels contra Dühring se
tornou um marco na história das idéias do movimento operário.
66
Houve revolucionários
que reagiram contra a deformação da concepção marxista da
história. Rosa Luxemburg (1871-1919) e Lênin (1870-1924) se
destacaram na revalorização da dialética. Invocando uma frase de
Engels no Anti-Dühring, Rosa sustentou que a história mundial se
achava em face de um dilema: ou o socialismo vencia ou o imperialismo
arrastaria a humanidade (como na Roma antiga) à decadência, à
destruição, à barbárie.
77
Por isso se compreende
que um marxista como Louis Althusser tenha chegado a se convencer de
que a história é um processo sem finalidade (s) e sem sujeito (s),
isto é, um processo mais ou menos automático, cujos movimentos são
determinados (p.78) por estruturas nas quais não existe,
concretamente, espaço para as iniciativas do sujeito humano. Essa
concepção — ressalvada a honestidade subjetiva do filósofo
francês — reflete uma impotência em face da necessidade de
pensarmos dialeticamente as coisas que existem à nossa volta. Se a
história ainda está sendo feita, em medida inaceitável, pelos
outros, então o problema está em passarmos a fazê-la mais
decisivamente nós mesmos. E, se as formas de organização criadas
para isso estão funcionando de maneira insatisfatória, o problema
está em ativá-las ou em mudá-las, conferindo-lhes a eficácia que
deveriam ter. Althusser preocupou-se sinceramente, ao longo de muitos
anos, com essas questões; mas sua concepção da história, que é
uma concepção antidialética, não o ajudou a encaminhar nenhuma
solução para elas.
81
A falta de uma
compreensão dialética desses problemas e avidez dos indivíduos
pela comunidade (por formas de convivência mais profundas) levam as
pessoas, com freqüência, a aderirem apaixonadamente, a sucedâneos
de formas de existência autenticamente comunitárias (quer dizer:
levam-nas a se integrarem em pseudocomunidades, em caricaturas de
comunidades). É o que acontece, por exemplo, com algumas pessoas que
passam a militar fanaticamente em organizações de tipo fascistas,
que se tornam propagandistas tempo integral de seitas religiosas
“salvacionistas”, viram “formigas” num “formigueiro”
qualquer. E é também um fenômeno que se manifesta, com gravidade
bem menor, no caso de certos grupos de jovens que se irmanam na
“curtição” de uma mesma diversão ou de uma moda passageira
intensamente vivida.
A falta da dialética e
o anseio pela comunidade, combinados, podem igualmente influir — e
com freqüência influem mesmo — no comportamento dos
revolucionários. Antes de poder transformar a sociedade na qual
nasceu e atua, o revolucionário é em boa parte formado por ela, de
modo que seria ingenuidade supor que ele possa permanecer
completamente imune aos venenos dela.
84
Um espírito agudamente
dialético como o poeta Bertolt Brecht disse uma vez: “O que é,
exatamente (85 tem um desenho por isso pula
para p.86) por ser tal como é, não vai ficar tal como está”.
Essa consciência da inevitabilidade da mudança e da impossibilidade
de escamotear as contradições incomoda os beneficiários de
interesses constituídos e os dependentes de hábitos mentais ou de
valores cristalizados.
87
A dialética —
observa o filosofo brasileiro Gerd Bornheim — “é
fundamentalmente contestadora”. Ninguém conseguirá jamais
domestica-la. Em sua inspiração mais profunda, ela existe tanto
como para sacudir o conservadorismo dos próprios revolucionários. O
método dialético não se presta para criar cachorrinhos amestrados.
Ele é, como disse o argentino Carlos Astrada, “semente de
dragões”.
87
2...
enunciada por Marx na décima-primeira tese sobre Feuerbach:
“Os filósofos têm
se limitado a interpretar o mundo; trata-se, no entanto, de
transforma-o.”
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