O PEQUENO BENVINDO
Camilo era um pobre
ferreiro que morava com sua mulher, Joana, nos arredores de uma
pequena cidade. Ele trabalhava corajosamente para reunir algum
dinheiro e prover o sustento da família, mas infelizmente havia mais
cantigas em casa que moedas na algibeira; apesar da sua pobreza, o
pobre Camilo era alegre e enquanto malhava na bigorna ou tocava o
fole estava sempre entoando sonoras modinhas. De vez em quando dizia:
— Quem canta, os seus
males espanta!
A Dona Joana, como a
chamavam, era um digna mulher, muito laboriosa e que acordava cedo
para o trabalho caseiro e ir ao mercado. Gostava de discutir os
preços e comprava tudo barato, pelo que a alcunhavam de “Pechincha”.
Aqui, entre nós, a boa
senhora não gostava desse apelido. Zangava-se mas nada dizia, pois
era o que se chama uma bela criatura.
Uma vez, ao ir para o
mercado, inda escura a manhã, deparou D. Joana no canto de uma
escada, junto ao vão de uma porta, com um pequenino, de poucos dias,
embrulhado em rendas e faixas de bom tecido e que chorava fortemente.
De certo tinha sede. D. Joana sem a menor hesitação, tomou-o nos
braços, abrigou-o sob o chalé e deu-se pressa em trazê-lo para
casa.
O marido já estava
acendendo a forja e a cantarolar. Amanhecera de bom humor, pois tinha
trabalho rendoso. Disse para bolir com ela:
— O que? Já de
volta? De certo fizeste alguma pechincha?!
D. Joana fingiu que não
entendia a malícia e limitou-se a mostrar-lhe o petiz.
Camilo não pode
conter-se, e, mudando de tom, censurou asperamente a mulher.
— Ora essa! E então?!
Pois tu sabes as nossas condições e que não temos como vestir e
sustentar nossos sete filhos; sabes que muitas vezes nos falta o pão
e trazes mais um boca para casa?! E logo quem, um pirralho, para dar
leite, mudar fraldas e berrar aos meus ouvidos?! Estás no teu juízo?
— Mas, Camilo,
desculpe. Deveria eu deixar este anjinho morrer de fome na esquina?
— Não, decerto.
— Que teria feito
você se o visse na rua? Não o teria socorrido?
— Esta visto, mas...
— Então. Bem vê que
eu fiz o que você teria feito. Sossegue, tudo se há de arranjar.
— Mas o leite?...
— Vou arranjar com os
vizinhos; eles nos ajudarão a criar o pequeno e a Providência
Divina fará o resto.
— Está bem. Vai
procurar o leite mas antes precisamos escolher um nome. Como queres
chamar?
— Chamemo-lo
Benvindo, se não houver dúvida; quando ele crescer verá que não
foi mal recebido por nós quando entrou no mundo.
E D. Joana, que nunca
pedira para si, mesmo quando necessitada, a tomou uma vasilha e foi à
casa dos vizinhos pedir o leite.
Afinal, depois de muita
conversa, eles resolveram auxiliar a criação do menino; mas não se
privaram de admirar-se com gentes tão pobres ia adotar filhos dos
outros.
Em casa o ferreiro
fizera o aprendiz que tocava o fole da forja, de ama seca, e este,
curioso como garoto que era, revistou o menino e disse:
— Patrão, veja —
um cordão de ouro e uma pedra.
De fato o recém-vindo
tinha ao pescoço um belo colar de ouro, do qual pendia um magnífico
rubi.
— Por que não o
vende patrão?
— Nada, atalhou D.
Joana. É dele e pode ser que algum dia o reconheçam por esses
objetos.
Assim foi Benvindo
crescendo. Aprendeu a ler, a escrever e contar — as três coisas
mais essenciais da vida. os outros filhos do ferreiro estavam
empregados e ajudavam o pai; Benvindo que somente tinha 10 anos fazia
recados e ia à estação do caminho de ferro carregar pequenos
volumes e indicar hotéis para viajantes.
Certa manhã, um senhor
e uma dama bem vestidos saltaram do trem e o Benvindo apressou-se em
receber as malas de mão e chamar um carro.
Levou-os para um hotel.
A dama fitava o menino
com certa curiosidade.
O pequeno recebeu boa
gorjeta. No mesmo instante o senhor bem vestido chamou o hospedeiro.
— Peço-lhe que me
indique onde poderei achar uma alta autoridade policial.
— É o Sr. Inspetor
Barnabé.
Chamou um serviçal e
disse-lhe:
— Acompanhe o
cavalheiro à delegacia. Quer falar ao inspetor.
Aí chegando não se
demorou o Sr. Barnabé, um homem baixote, já maduro em anos e um
tanto corcunda.
Tinha fama de ter bom
faro policial, ou talvez esse renome proviesse de andar sempre com o
nariz para o ar como se ver eclipses.
O senhor bem vestido
que se fizera acompanhar da esposa explicou o que queria:
— Traz-me aqui
confissão de um moribundo. Somos casados há cerca de doze anos e
vivíamos na cidade da Ponte, a três dias de viagem daqui. Tenho
casa de negócio de jóias e vivíamos felizes. Infelizmente um
sobrinho meu que devera ser meu único herdeiro contrariou-se com o
meu casamento e fez muitas intrigas que só depois vim a saber.
— Não ficou nisto
só, disse entre lágrimas a senhora que se chamava Lavínia. Estava
um dia a ama a passear com meu filho quando foi ameaçada por uns
homens mascarados e um deles arrebatou-o.
— Pois bem, continuou
o negociante, agora temos muita esperança. Meu sobrinho de quem eu
jamais desconfiara caiu há dias de um cavalo e morreu. Antes, porém,
arrependido, perante um padre e diversas pessoas, declarou que ele
mandara roubar o menino por um tal Lucas e que nunca mais soubera
desse malfeitor. Presumia que tivesse abandonado o menino nesta
cidade donde o raptor era natural.
— Conheci esse tal
Lucas, atalhou a autoridade.
— Menos uma
esperança, retorquiu a moça. Já é morto.
— Poderíamos, se
vivesse, interroga-lo.
— Bem. Em conclusão,
tornou o Sr. Barnabé, procuram um menino, seu filho. O melhor é
fazer anúncios e esperar. eu avisarei logo que aparecer alguma
notícia.
Voltaram os dois ao
hotel e pouco depois sentiram bater à porta.
Era o Benvindo e um
moço de fretes.
Só agora pude retirar
as malas da estação, disse ele, peço desculpas da demora.
— Ponha-as ali, disse
o joalheiro.
O moço de fretes e o
Benvindo puxaram os objetos para o vão da janela. Nisto o menino
abaixando-se deixou aparecer no pescoço o colar de ouro.
A senhora que fitava o
garoto com carinho (pois supunha em todos os rapazinhos encontrar o
filho perdido) estremeceu e tomou-lhe o braço.
— Escuta. Deixe-me
ver o que tens aí.
O Benvindo mostrou-lhe
o colar e o rubi pendente.
O joalheiro não se
pode conter. Ele a mulher disseram a um tempo, juntando ambos as mãos
para o pequeno:
— O colar de Ivan!
Ivan! Ivan!
E abraçaram-no
chorando e rindo.
O menino não entendia
o que se passava e o moço de fretes ainda menos.
Pouco depois os pais de
Benvindo, isto é, o joalheiro e a mulher, iam com o inspetor à casa
do ferreiro.
O inspetor, dizia:
— eu não lhes disse?
O acaso é, depois de mim, o melhor polícia do mundo.
D. Joana e o marido
ficaram tristíssimos quando souberam do caso.
— Vamos ficar sem o
Benvindo, exclamou debulhada em pranto.
O ferreiro e o seu
antigo aprendiz que servira de ama seca choravam também.
— Não chorem. Tudo
se arranjará. Iremos todos para a cidade da Ponte. Montaremos uma
ferraria de primeira ordem e seremos felizes.
E de fato o foram.
Benvindo estudou medicina e tornou-se um grande apóstolo da ciência.
D. Joana ficou rica mas
sempre modesta e comprador de pechinchas.
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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