sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 21


O PEQUENO BENVINDO

Camilo era um pobre ferreiro que morava com sua mulher, Joana, nos arredores de uma pequena cidade. Ele trabalhava corajosamente para reunir algum dinheiro e prover o sustento da família, mas infelizmente havia mais cantigas em casa que moedas na algibeira; apesar da sua pobreza, o pobre Camilo era alegre e enquanto malhava na bigorna ou tocava o fole estava sempre entoando sonoras modinhas. De vez em quando dizia:
— Quem canta, os seus males espanta!
A Dona Joana, como a chamavam, era um digna mulher, muito laboriosa e que acordava cedo para o trabalho caseiro e ir ao mercado. Gostava de discutir os preços e comprava tudo barato, pelo que a alcunhavam de “Pechincha”.
Aqui, entre nós, a boa senhora não gostava desse apelido. Zangava-se mas nada dizia, pois era o que se chama uma bela criatura.
Uma vez, ao ir para o mercado, inda escura a manhã, deparou D. Joana no canto de uma escada, junto ao vão de uma porta, com um pequenino, de poucos dias, embrulhado em rendas e faixas de bom tecido e que chorava fortemente. De certo tinha sede. D. Joana sem a menor hesitação, tomou-o nos braços, abrigou-o sob o chalé e deu-se pressa em trazê-lo para casa.
O marido já estava acendendo a forja e a cantarolar. Amanhecera de bom humor, pois tinha trabalho rendoso. Disse para bolir com ela:
— O que? Já de volta? De certo fizeste alguma pechincha?!
D. Joana fingiu que não entendia a malícia e limitou-se a mostrar-lhe o petiz.
Camilo não pode conter-se, e, mudando de tom, censurou asperamente a mulher.
— Ora essa! E então?! Pois tu sabes as nossas condições e que não temos como vestir e sustentar nossos sete filhos; sabes que muitas vezes nos falta o pão e trazes mais um boca para casa?! E logo quem, um pirralho, para dar leite, mudar fraldas e berrar aos meus ouvidos?! Estás no teu juízo?
— Mas, Camilo, desculpe. Deveria eu deixar este anjinho morrer de fome na esquina?
— Não, decerto.
— Que teria feito você se o visse na rua? Não o teria socorrido?
— Esta visto, mas...
— Então. Bem vê que eu fiz o que você teria feito. Sossegue, tudo se há de arranjar.
— Mas o leite?...
— Vou arranjar com os vizinhos; eles nos ajudarão a criar o pequeno e a Providência Divina fará o resto.
— Está bem. Vai procurar o leite mas antes precisamos escolher um nome. Como queres chamar?
— Chamemo-lo Benvindo, se não houver dúvida; quando ele crescer verá que não foi mal recebido por nós quando entrou no mundo.
E D. Joana, que nunca pedira para si, mesmo quando necessitada, a tomou uma vasilha e foi à casa dos vizinhos pedir o leite.
Afinal, depois de muita conversa, eles resolveram auxiliar a criação do menino; mas não se privaram de admirar-se com gentes tão pobres ia adotar filhos dos outros.
Em casa o ferreiro fizera o aprendiz que tocava o fole da forja, de ama seca, e este, curioso como garoto que era, revistou o menino e disse:
— Patrão, veja — um cordão de ouro e uma pedra.
De fato o recém-vindo tinha ao pescoço um belo colar de ouro, do qual pendia um magnífico rubi.
— Por que não o vende patrão?
— Nada, atalhou D. Joana. É dele e pode ser que algum dia o reconheçam por esses objetos.
Assim foi Benvindo crescendo. Aprendeu a ler, a escrever e contar — as três coisas mais essenciais da vida. os outros filhos do ferreiro estavam empregados e ajudavam o pai; Benvindo que somente tinha 10 anos fazia recados e ia à estação do caminho de ferro carregar pequenos volumes e indicar hotéis para viajantes.
Certa manhã, um senhor e uma dama bem vestidos saltaram do trem e o Benvindo apressou-se em receber as malas de mão e chamar um carro.
Levou-os para um hotel.
A dama fitava o menino com certa curiosidade.
O pequeno recebeu boa gorjeta. No mesmo instante o senhor bem vestido chamou o hospedeiro.
— Peço-lhe que me indique onde poderei achar uma alta autoridade policial.
— É o Sr. Inspetor Barnabé.
Chamou um serviçal e disse-lhe:
— Acompanhe o cavalheiro à delegacia. Quer falar ao inspetor.
Aí chegando não se demorou o Sr. Barnabé, um homem baixote, já maduro em anos e um tanto corcunda.
Tinha fama de ter bom faro policial, ou talvez esse renome proviesse de andar sempre com o nariz para o ar como se ver eclipses.
O senhor bem vestido que se fizera acompanhar da esposa explicou o que queria:
— Traz-me aqui confissão de um moribundo. Somos casados há cerca de doze anos e vivíamos na cidade da Ponte, a três dias de viagem daqui. Tenho casa de negócio de jóias e vivíamos felizes. Infelizmente um sobrinho meu que devera ser meu único herdeiro contrariou-se com o meu casamento e fez muitas intrigas que só depois vim a saber.
— Não ficou nisto só, disse entre lágrimas a senhora que se chamava Lavínia. Estava um dia a ama a passear com meu filho quando foi ameaçada por uns homens mascarados e um deles arrebatou-o.
— Pois bem, continuou o negociante, agora temos muita esperança. Meu sobrinho de quem eu jamais desconfiara caiu há dias de um cavalo e morreu. Antes, porém, arrependido, perante um padre e diversas pessoas, declarou que ele mandara roubar o menino por um tal Lucas e que nunca mais soubera desse malfeitor. Presumia que tivesse abandonado o menino nesta cidade donde o raptor era natural.
— Conheci esse tal Lucas, atalhou a autoridade.
— Menos uma esperança, retorquiu a moça. Já é morto.
— Poderíamos, se vivesse, interroga-lo.
— Bem. Em conclusão, tornou o Sr. Barnabé, procuram um menino, seu filho. O melhor é fazer anúncios e esperar. eu avisarei logo que aparecer alguma notícia.
Voltaram os dois ao hotel e pouco depois sentiram bater à porta.
Era o Benvindo e um moço de fretes.
Só agora pude retirar as malas da estação, disse ele, peço desculpas da demora.
— Ponha-as ali, disse o joalheiro.
O moço de fretes e o Benvindo puxaram os objetos para o vão da janela. Nisto o menino abaixando-se deixou aparecer no pescoço o colar de ouro.
A senhora que fitava o garoto com carinho (pois supunha em todos os rapazinhos encontrar o filho perdido) estremeceu e tomou-lhe o braço.
— Escuta. Deixe-me ver o que tens aí.
O Benvindo mostrou-lhe o colar e o rubi pendente.
O joalheiro não se pode conter. Ele a mulher disseram a um tempo, juntando ambos as mãos para o pequeno:
— O colar de Ivan! Ivan! Ivan!
E abraçaram-no chorando e rindo.
O menino não entendia o que se passava e o moço de fretes ainda menos.

Pouco depois os pais de Benvindo, isto é, o joalheiro e a mulher, iam com o inspetor à casa do ferreiro.
O inspetor, dizia:
— eu não lhes disse? O acaso é, depois de mim, o melhor polícia do mundo.
D. Joana e o marido ficaram tristíssimos quando souberam do caso.
— Vamos ficar sem o Benvindo, exclamou debulhada em pranto.
O ferreiro e o seu antigo aprendiz que servira de ama seca choravam também.
— Não chorem. Tudo se arranjará. Iremos todos para a cidade da Ponte. Montaremos uma ferraria de primeira ordem e seremos felizes.
E de fato o foram. Benvindo estudou medicina e tornou-se um grande apóstolo da ciência.
D. Joana ficou rica mas sempre modesta e comprador de pechinchas.





O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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