O CASTELO ASSOMBRADO
Há alguns séculos,
para os lados de Braga, em Portugal, existiam vários castelos, sendo
que, ainda hoje, sobrevive o de Pávoa de Lanhoso.
De um deles, então em
ruínas, com ameias derrocadas, dizia povo que era mal assombrado e
contavam-se a respeito coisas misteriosas em que os habitantes das
redondezas acreditavam piamente.
Por esse tempo residia
no Porto um rico ourives que casara com uma moira. Do enlace nascera
uma filha lindíssima chamada Gisela e que era, segundo a voz
pública, a moça mais bela da cidade e quiçá do país.
Rica, com menos de
vinte anos, não lhe faltavam pretendentes, mas Gisela era dada a
idéias românticas, e disse que só casaria com um mancebo, que
fosse ousado cavaleiro e, que, por amor dela, ganhasse fama e
fortuna.
Alguns que se
apresentaram desistiram de tais condições: três ou quatro mais
resolvidos partiram para a guerra e jamais voltaram.
Certo dia um guapo
mocetão procurou o rico ourives e pediu-lhe a filha em casamento.
Esta, sendo chamada, não achou o pretendente feio, mas perguntou que
ações de valentia já cometera.
Disse-lhe o mancebo que
nenhuma, mas que ia partir e ela ouviria falar dele. Pedia-lhe que
lhe desse um anel de promessa, para ter ânimo em arriscada empresa
que lhe daria fortuna e glória.
Deu-lho Gisela e o
mancebo que se chamava Gil Anes e era de nobre estirpe, beijou-lhe a
mão, abraçou o futuro sogro e partiu.
Ao amanhecer estava em
uma aldeia onde passou o dia imaginando, como, e quando poderia
praticar o ato que lhe valesse fama. Nada porém encontrava. Os bois,
nos campos, eram muito pacíficos; o rio de águas mansas, o povo
prudente, de modo que o nosso herói não pôde livrar pessoa alguma
da fúria dos touros, nem lançar-se à água para salvar alguém
(todos sabiam nadar) nem mesmo querelar com outrem.
Entretanto, à noite,
na estalagem fumarenta da aldeia, pôs-se a estudar as narrativas de
um mensageiro que há pouco chegara. Dizia ele que vários
salteadores haviam naquela mesma noite saqueado a mais rica loja de
ourives da cidade e roubado muitas pedras preciosas e ricas baixelas.
O joalheiro fora assassinado e a filha raptada misteriosamente.
Debalde o alcaide da
cidade mandara perseguir os fugitivos. Estes se haviam dispersado em
várias direções.
Aflito, ouviu Gil Anes
a narrativa e logo viu tratar-se de Gisela e seu pai. Conteve suas
tremendas emoções e quedou-se pensativo a escutar de novo; a
conversa continuava:
— Mas a que vieste,
afinal, Tomás, perguntou o dono da locanda ao mensageiro.
— Vim à espreita,
tio Braz; bem pode ser que encontre indícios, senão dos criminosos
ao menos da filha do ourives. Embora roubada e com ela a grande
fortuna, sempre há o que ganhar.
— Pois por aqui, nada
há; e gente da vila é a mesma, e a única pessoa desconhecida é
este senhor.
Gil olhou calmamente
para o estalajadeiro.
— Mas este garboso
fidalgo está acima de qualquer suspeita, tornou um da roda. Além
disso já se achava aqui, quando se deu o crime.
— Soubesse eu onde
está Gisela, exclamou o moço com os olhos em fogo, eu iria
buscá-la, ainda que tivesse de lutar com Satanás!
— Pois eu com o diabo
não quero negócios, retrucou o mensageiro. Inda esta madrugada vi
luzes sumindo e aparecendo nas torres do castelo arruinado e ao
passar defronte ouvi um rumor como o do trovão.
— O fato, explicou o
estalajadeiro que era muito supersticioso, é que há lá dentro
almas penadas. Hermínio, o caçador que entrou num subterrâneo, não
voltou mais.
— E o mesmo sucedeu a
Ramiro, o pastor. Entrou no castelo à procura de uma ovelha
desgarrada e não o vimos aparecer, acrescentou outro.
— Ah! O tal castelo é
assim? Indagou Gil.
— É o que se diz e a
voz do povo é a voz de Deus. Ninguém lá entra e se entrar não
volta.
Gil fiou pensativo mas
perguntou:
— Quanto dista o
castelo daqui?
— Duas léguas,
retrucou o mensageiro.
— Pois amanhã, pela
madrugada, eu irei a esse maldito castelo. Tio Braz, quero o cavalo
encilhado ao romper do dia. Até amanhã.
E recolheu-se ao
quarto.
No grabato, Gil não
pudera conciliar o sono. Quem poderia ter morto o velho ourives? Como
libertar Gisela? Todas essas perguntas irrespondíveis ele fazia a si
mesmo até que adormeceu profundamente e sonhou que estava voando,
voando...
Pela manhã, quando Gil
montou, a hospedaria do Cisne — tal era o nome da locanda do tio
Braz — estava cheia de curiosos de ambos os sexos. Todos porfiavam
em ver o valente mancebo e em todos os grupos contavam-se histórias
de bruxas e lobisomens.
— Ai, dizia uma
velhota, e é tão guapo! Ai! “me” senhor, não vá que “hay”
almas do “outro” mundo!
— É bom desistir,
disse-lhe um homem alto, de barba grisalha e olhos brilhantes. Os que
atravessam as pontes do castelo nunca mais voltam para beber o bom
vinho da estalagem do Cisne...
— Pois bem, disse
Gil, em voz alta, não serão vossas histórias, que me hão de fazer
recuar. Eu sou pobre. Quem quer apostar como eu volto? São cem
escudos de prata. Quem topa?
— Eu, disse o homem
de barba grisalha, aposto que nunca mais o veremos.
— Pois seja. o tio
Braz servirá de depositário.
Assim se fez e Gil
partiu. Todos os lastimavam, pois o julgavam perdido.
Pouco antes de seguir a
estrada que ia bater à ponte levadiça, o mancebo tomou um atalho.
Parecia que uma mão invisível o guiava. Abrigado por uns rochedos
ocultos entre árvores, Gil apeou-se, comeu e bebeu para refazer as
forças. Deixou o cavalo pascendo a erva tenrinha e começou a penosa
subida. Chegado à ponte levadiça, benzeu-se e atravessou com passo
firme a esburacada ponte. Gil era deveras corajoso e estava armado
com uma couraça flexível sob o justilho e levava mais uma forte
espada e um acerado punhal.
De um gancho da cinta
pendia uma lanterna pequena.
Na cabeça puser o
elmo.
Depois de atravessar a
ponte chegou ao pátio principal e percorreu outros sem encontrar
viva alma. Por todos os lados os muros estavam gretados e ervas e
plantas brotavam. Viam-se ameias destruídas e abóbadas em ruínas.
Com o rumor dos passos de Gil os camaleões e lacraus se punham a
correr por entre as pedras e frestas.
Percorreu o mancebo uma
grande galeria com portas de ferro, e janelas com fortes grades;
diversos subterrâneos se abriam aqui e ali e, por uma escada
sombria, o valoroso Gil desceu, depois de acender a lanterna que
levava.
Nisto o mancebo hesitou
um momento. Para que meter-se nestas aventuras se a sua adorada
Gisela fora raptada? Mas essa dúvida pouco durou. Reanimou-se e
pareceu-lhe ouvir uma voz secreta que lhe dizia:
— Segue e não te
arrependerás.
Gil atravessou aquelas
salas e corredores bolorentos onde mal penetra a luz do dia; viam-se
apenas as paredes nuas, sem um móvel, nem um banco ou coisa que
demonstrasse a presença de criaturas humanas; só ratos e lesmas.
O sol já ia alto e
tornou a pensar que a sua empresa estava cumprida.
— Aqui nada mais há
que ver e bem posso voltar. Ganharei a aposta em que arrisquei os
meus últimos escudos e terei a fama de que Gisela era tão ciosa.
Todos falarão de mim.
Ia voltar quando ouviu
atrás de si um rumor. No mesmo instante uma vigorosa pancada
quebrou-lhe a lanterna e mão invisível empurrou-o para frente. Ao
mesmo tempo, por trás dele, desabou uma parte da abóbada.
O subterrâneo estava
obstruído e Gil desmaiado com a queda caíra num fétido calabouço.
Ao receber o golpe que
o prostrara sobre a laje úmida, ele ainda pôde ouvir uma grande
gargalhada.
Mas Gil era forte e
depois de acostumar os olhos à escuridão, tateando, achou os
degraus de uma escada de pedra.
Subiu-os e contou-os,
até que achou uma porta, eram dezesseis. Gil empurrou a ponta do
punhal na fechadura e esta caiu logo. A porta de madeira, estava
podre, os gonzos carcomidos e com um forte impulso de ombros o
mancebo arrombou-a.
Um bafo horrível e
quase irrespirável encheu-lhe os pulmões. Lembrou-se então do
isqueiro e tirou lume acendendo um rolo de cera de que se munira.
A luz fraca do rolo,
Gil, embora valente, estremeceu. Estava num vasto cárcere pelo solo
fugiam, com a luz enormes ratazanas. No chão havia muitas ossadas
humanas e um esqueleto ainda estava chumbado na parede.
Gil recuperou o animo e
vendo outra porta arrombou-a. Evidentemente, havia anos ninguém
passava por ali. Ele viu uma escada, em caracol, de estreitos degraus
e subiu-a com cuidado.
Assim Gil alcançou uma
vasta sala e um corredor sombrio e estreito. Parecia-lhe no entanto
estar mais perto da saída pois o ar era mais puro.
O corredor era em
curvas e zigue-zagues.
De súbito pareceu a
Gil ver ao longe um ponto luminoso e, mais animado, prosseguia a
marcha, escorregando no solo úmido.
O rolo de cera
apagara-se há muito.
Afinal, numa volta, o
ponto luminoso aumentou de intensidade e Gil viu com prazer que era a
luz colorida do aças o do sol que entrava por um alto orifício.
Ia prosseguir quando
ouviu vozes de homens. Escondeu-se num ângulo sombrio e escutou.
O coração batia-lhe
com força apesar da sua valentia.
Gil dera em cheio com
uma quadrilha de salteadores que haviam feito o castelo abandonado o
seu antro.
E podiam estar ali, à
vontade, protegidos pela crença popular de que o castelo era
assombrado.
Gil estremeceu. Por
isso é que os curiosos e valentes não voltavam mais. Os bandidos os
massacravam.
Ai de Gil se o vissem,
e o susto deste cresceu quando ouviu que falavam dele.
— Então o tal moço
valente perdeu a aposta, Capitão?
— De certo, respondeu
este que era o homem das barbas grisalhas. E não será o último.
— Matou-o?
— Não. Deixei-
contemplar as nossas muralhas e penetrar no castelo. No pátio ele
tomou, como todos os que o precederam, o corredor que vai ter às
masmorras.
— Compreendo, disse o
interlocutor, que era o tenente da quadrilha.
— eu reparara há
dias que havia um trecho da abóbada a desabar perto do grande
calabouço. Segui-o e à beira dele quebrei-lhe um braço e joguei-o
no poço. Para mais certeza fiz desabar a abóbada que lhe vedou a
retirada. Morrerá da queda ou de fome.
— Muito bem.
— E a prisioneira?
— Está calma, presa
e bem guardada no torreão do Sul.
— Não quer pagar o
resgate?
— Disse que não
comerá para morrer à mingua.
— Eu virei amanhã
ver essa beldade.
Gil tremia de cólera,
mas conteve-se. Que podia ele fazer contra tantos homens?
Depois ele ouviu tinir
moedas. Era o tenente que também servia de tesoureiro, fazendo a
partilha do roubo da ourivesaria.
— E o nosso tesouro,
como está? Perguntou o homem das barbas grisalhas.
— No mesmo lugar. É
só afastar as três lajes.
— Bem, rapazes, a
noite vem aí. Cada um que se vá esgueirando; eu sairei por último
e taparei a entrada.
Os salteadores foram se
retirando uma a um; Gil seguiu-os com a vista; a saída era para o
campo.
Restava o capitão.
Relanceou o olhar em torno e abaixou-se para descer por uma espécie
de poço abandonado.
Nisto Gil, com rapidez
do relâmpago, correu com o punhal erguido e cravou-o brutalmente nas
costas de Tristão.
Era esse o nome do
capitão de ladrões, que vivia na aldeia disfarçado em alfaiate.
O chefe da quadrilha
proferiu uma blasfêmia afogada numa vaga de sangue, escabujou no
solo e ficou inerte. Estava morto.
Gil Anes, trêmulo,
saltou no poço empedrado e seco e galgou-lhe a borda.
Então respirou
livremente, ajoelhou dando graças a Deus e foi pela charneca
procurar o cavalo.
O murzelo, pressentindo
o dono, rinchou alegremente. Gil cavalgou-o e partiu a galope para
pedir auxílio e libertar Gisela.
Quando chegou à
hospedaria do Cisne já era alta noite, o hospedeiro sorriu
ironicamente, pois não acreditava que pessoa alguma tivesse animo de
ir ao Castelo Assombrado. Gil não discutiu e foi acordar o
mensageiro que era um aguazil
mandado pelo alcáide.
Inteirado do fato, o
aguazil felicitou vivamente o moço; o alcaide, acordado em meio de
um bom sono, abraçou ternamente o mancebo, cujos pais conhecera e
pediu-lhe uma poderosa escolta sob seu direto mando.
No dia seguinte os
soldados cercaram o castelo e se apoderam do torrão. Os dois
salteadores que guardavam a formosa Gisela foram mortos e ela abraçou
agradecida seu bravo salvador.
Gil mostrou ao alcaide
a entrada do subterrâneo e o poço em que matara Tristão, o
alfaiate salteador. O tenente da quadrilha, denunciado pelo aguazil
que revistando o cadáver achara papéis comprometedores, também
indicou seus cúmplices.
Foram todos
sumariamente enforcados.
Mais tarde Gil
descobriu os tesouros da quadrilha e o que fora roubado ao pai de
Gisela.
O tio Braz, dono da
locanda entregou os escudos da aposta de Gil com o homem das barbas.
O moço deu-os ao aguazil pelos seus bons serviços.
Com dinheiro achado Gil
restaurou o castelo e converteu-o num convento de monjas. Depois do
luto paterno, Gisela casou-se com Gil. Ambos forma felizes e muito
amigos dos pobres.
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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