sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 15


O CASTELO ASSOMBRADO

Há alguns séculos, para os lados de Braga, em Portugal, existiam vários castelos, sendo que, ainda hoje, sobrevive o de Pávoa de Lanhoso.
De um deles, então em ruínas, com ameias derrocadas, dizia povo que era mal assombrado e contavam-se a respeito coisas misteriosas em que os habitantes das redondezas acreditavam piamente.
Por esse tempo residia no Porto um rico ourives que casara com uma moira. Do enlace nascera uma filha lindíssima chamada Gisela e que era, segundo a voz pública, a moça mais bela da cidade e quiçá do país.
Rica, com menos de vinte anos, não lhe faltavam pretendentes, mas Gisela era dada a idéias românticas, e disse que só casaria com um mancebo, que fosse ousado cavaleiro e, que, por amor dela, ganhasse fama e fortuna.
Alguns que se apresentaram desistiram de tais condições: três ou quatro mais resolvidos partiram para a guerra e jamais voltaram.
Certo dia um guapo mocetão procurou o rico ourives e pediu-lhe a filha em casamento. Esta, sendo chamada, não achou o pretendente feio, mas perguntou que ações de valentia já cometera.
Disse-lhe o mancebo que nenhuma, mas que ia partir e ela ouviria falar dele. Pedia-lhe que lhe desse um anel de promessa, para ter ânimo em arriscada empresa que lhe daria fortuna e glória.
Deu-lho Gisela e o mancebo que se chamava Gil Anes e era de nobre estirpe, beijou-lhe a mão, abraçou o futuro sogro e partiu.
Ao amanhecer estava em uma aldeia onde passou o dia imaginando, como, e quando poderia praticar o ato que lhe valesse fama. Nada porém encontrava. Os bois, nos campos, eram muito pacíficos; o rio de águas mansas, o povo prudente, de modo que o nosso herói não pôde livrar pessoa alguma da fúria dos touros, nem lançar-se à água para salvar alguém (todos sabiam nadar) nem mesmo querelar com outrem.
Entretanto, à noite, na estalagem fumarenta da aldeia, pôs-se a estudar as narrativas de um mensageiro que há pouco chegara. Dizia ele que vários salteadores haviam naquela mesma noite saqueado a mais rica loja de ourives da cidade e roubado muitas pedras preciosas e ricas baixelas. O joalheiro fora assassinado e a filha raptada misteriosamente.
Debalde o alcaide da cidade mandara perseguir os fugitivos. Estes se haviam dispersado em várias direções.
Aflito, ouviu Gil Anes a narrativa e logo viu tratar-se de Gisela e seu pai. Conteve suas tremendas emoções e quedou-se pensativo a escutar de novo; a conversa continuava:
— Mas a que vieste, afinal, Tomás, perguntou o dono da locanda ao mensageiro.
— Vim à espreita, tio Braz; bem pode ser que encontre indícios, senão dos criminosos ao menos da filha do ourives. Embora roubada e com ela a grande fortuna, sempre há o que ganhar.
— Pois por aqui, nada há; e gente da vila é a mesma, e a única pessoa desconhecida é este senhor.
Gil olhou calmamente para o estalajadeiro.
— Mas este garboso fidalgo está acima de qualquer suspeita, tornou um da roda. Além disso já se achava aqui, quando se deu o crime.
— Soubesse eu onde está Gisela, exclamou o moço com os olhos em fogo, eu iria buscá-la, ainda que tivesse de lutar com Satanás!
— Pois eu com o diabo não quero negócios, retrucou o mensageiro. Inda esta madrugada vi luzes sumindo e aparecendo nas torres do castelo arruinado e ao passar defronte ouvi um rumor como o do trovão.
— O fato, explicou o estalajadeiro que era muito supersticioso, é que há lá dentro almas penadas. Hermínio, o caçador que entrou num subterrâneo, não voltou mais.
— E o mesmo sucedeu a Ramiro, o pastor. Entrou no castelo à procura de uma ovelha desgarrada e não o vimos aparecer, acrescentou outro.
— Ah! O tal castelo é assim? Indagou Gil.
— É o que se diz e a voz do povo é a voz de Deus. Ninguém lá entra e se entrar não volta.
Gil fiou pensativo mas perguntou:
— Quanto dista o castelo daqui?
— Duas léguas, retrucou o mensageiro.
— Pois amanhã, pela madrugada, eu irei a esse maldito castelo. Tio Braz, quero o cavalo encilhado ao romper do dia. Até amanhã.
E recolheu-se ao quarto.
No grabato, Gil não pudera conciliar o sono. Quem poderia ter morto o velho ourives? Como libertar Gisela? Todas essas perguntas irrespondíveis ele fazia a si mesmo até que adormeceu profundamente e sonhou que estava voando, voando...
Pela manhã, quando Gil montou, a hospedaria do Cisne — tal era o nome da locanda do tio Braz — estava cheia de curiosos de ambos os sexos. Todos porfiavam em ver o valente mancebo e em todos os grupos contavam-se histórias de bruxas e lobisomens.
— Ai, dizia uma velhota, e é tão guapo! Ai! “me” senhor, não vá que “hay” almas do “outro” mundo!
— É bom desistir, disse-lhe um homem alto, de barba grisalha e olhos brilhantes. Os que atravessam as pontes do castelo nunca mais voltam para beber o bom vinho da estalagem do Cisne...
— Pois bem, disse Gil, em voz alta, não serão vossas histórias, que me hão de fazer recuar. Eu sou pobre. Quem quer apostar como eu volto? São cem escudos de prata. Quem topa?
— Eu, disse o homem de barba grisalha, aposto que nunca mais o veremos.
— Pois seja. o tio Braz servirá de depositário.
Assim se fez e Gil partiu. Todos os lastimavam, pois o julgavam perdido.
Pouco antes de seguir a estrada que ia bater à ponte levadiça, o mancebo tomou um atalho. Parecia que uma mão invisível o guiava. Abrigado por uns rochedos ocultos entre árvores, Gil apeou-se, comeu e bebeu para refazer as forças. Deixou o cavalo pascendo a erva tenrinha e começou a penosa subida. Chegado à ponte levadiça, benzeu-se e atravessou com passo firme a esburacada ponte. Gil era deveras corajoso e estava armado com uma couraça flexível sob o justilho e levava mais uma forte espada e um acerado punhal.
De um gancho da cinta pendia uma lanterna pequena.
Na cabeça puser o elmo.
Depois de atravessar a ponte chegou ao pátio principal e percorreu outros sem encontrar viva alma. Por todos os lados os muros estavam gretados e ervas e plantas brotavam. Viam-se ameias destruídas e abóbadas em ruínas. Com o rumor dos passos de Gil os camaleões e lacraus se punham a correr por entre as pedras e frestas.
Percorreu o mancebo uma grande galeria com portas de ferro, e janelas com fortes grades; diversos subterrâneos se abriam aqui e ali e, por uma escada sombria, o valoroso Gil desceu, depois de acender a lanterna que levava.
Nisto o mancebo hesitou um momento. Para que meter-se nestas aventuras se a sua adorada Gisela fora raptada? Mas essa dúvida pouco durou. Reanimou-se e pareceu-lhe ouvir uma voz secreta que lhe dizia:
— Segue e não te arrependerás.
Gil atravessou aquelas salas e corredores bolorentos onde mal penetra a luz do dia; viam-se apenas as paredes nuas, sem um móvel, nem um banco ou coisa que demonstrasse a presença de criaturas humanas; só ratos e lesmas.
O sol já ia alto e tornou a pensar que a sua empresa estava cumprida.
— Aqui nada mais há que ver e bem posso voltar. Ganharei a aposta em que arrisquei os meus últimos escudos e terei a fama de que Gisela era tão ciosa. Todos falarão de mim.
Ia voltar quando ouviu atrás de si um rumor. No mesmo instante uma vigorosa pancada quebrou-lhe a lanterna e mão invisível empurrou-o para frente. Ao mesmo tempo, por trás dele, desabou uma parte da abóbada.
O subterrâneo estava obstruído e Gil desmaiado com a queda caíra num fétido calabouço.
Ao receber o golpe que o prostrara sobre a laje úmida, ele ainda pôde ouvir uma grande gargalhada.
Mas Gil era forte e depois de acostumar os olhos à escuridão, tateando, achou os degraus de uma escada de pedra.
Subiu-os e contou-os, até que achou uma porta, eram dezesseis. Gil empurrou a ponta do punhal na fechadura e esta caiu logo. A porta de madeira, estava podre, os gonzos carcomidos e com um forte impulso de ombros o mancebo arrombou-a.
Um bafo horrível e quase irrespirável encheu-lhe os pulmões. Lembrou-se então do isqueiro e tirou lume acendendo um rolo de cera de que se munira.
A luz fraca do rolo, Gil, embora valente, estremeceu. Estava num vasto cárcere pelo solo fugiam, com a luz enormes ratazanas. No chão havia muitas ossadas humanas e um esqueleto ainda estava chumbado na parede.
Gil recuperou o animo e vendo outra porta arrombou-a. Evidentemente, havia anos ninguém passava por ali. Ele viu uma escada, em caracol, de estreitos degraus e subiu-a com cuidado.
Assim Gil alcançou uma vasta sala e um corredor sombrio e estreito. Parecia-lhe no entanto estar mais perto da saída pois o ar era mais puro.
O corredor era em curvas e zigue-zagues.
De súbito pareceu a Gil ver ao longe um ponto luminoso e, mais animado, prosseguia a marcha, escorregando no solo úmido.
O rolo de cera apagara-se há muito.
Afinal, numa volta, o ponto luminoso aumentou de intensidade e Gil viu com prazer que era a luz colorida do aças o do sol que entrava por um alto orifício.
Ia prosseguir quando ouviu vozes de homens. Escondeu-se num ângulo sombrio e escutou.
O coração batia-lhe com força apesar da sua valentia.
Gil dera em cheio com uma quadrilha de salteadores que haviam feito o castelo abandonado o seu antro.
E podiam estar ali, à vontade, protegidos pela crença popular de que o castelo era assombrado.
Gil estremeceu. Por isso é que os curiosos e valentes não voltavam mais. Os bandidos os massacravam.
Ai de Gil se o vissem, e o susto deste cresceu quando ouviu que falavam dele.
— Então o tal moço valente perdeu a aposta, Capitão?
— De certo, respondeu este que era o homem das barbas grisalhas. E não será o último.
— Matou-o?
— Não. Deixei- contemplar as nossas muralhas e penetrar no castelo. No pátio ele tomou, como todos os que o precederam, o corredor que vai ter às masmorras.
— Compreendo, disse o interlocutor, que era o tenente da quadrilha.
— eu reparara há dias que havia um trecho da abóbada a desabar perto do grande calabouço. Segui-o e à beira dele quebrei-lhe um braço e joguei-o no poço. Para mais certeza fiz desabar a abóbada que lhe vedou a retirada. Morrerá da queda ou de fome.
— Muito bem.
— E a prisioneira?
— Está calma, presa e bem guardada no torreão do Sul.
— Não quer pagar o resgate?
— Disse que não comerá para morrer à mingua.
— Eu virei amanhã ver essa beldade.
Gil tremia de cólera, mas conteve-se. Que podia ele fazer contra tantos homens?
Depois ele ouviu tinir moedas. Era o tenente que também servia de tesoureiro, fazendo a partilha do roubo da ourivesaria.
— E o nosso tesouro, como está? Perguntou o homem das barbas grisalhas.
— No mesmo lugar. É só afastar as três lajes.
— Bem, rapazes, a noite vem aí. Cada um que se vá esgueirando; eu sairei por último e taparei a entrada.
Os salteadores foram se retirando uma a um; Gil seguiu-os com a vista; a saída era para o campo.
Restava o capitão. Relanceou o olhar em torno e abaixou-se para descer por uma espécie de poço abandonado.
Nisto Gil, com rapidez do relâmpago, correu com o punhal erguido e cravou-o brutalmente nas costas de Tristão.
Era esse o nome do capitão de ladrões, que vivia na aldeia disfarçado em alfaiate.
O chefe da quadrilha proferiu uma blasfêmia afogada numa vaga de sangue, escabujou no solo e ficou inerte. Estava morto.
Gil Anes, trêmulo, saltou no poço empedrado e seco e galgou-lhe a borda.
Então respirou livremente, ajoelhou dando graças a Deus e foi pela charneca procurar o cavalo.
O murzelo, pressentindo o dono, rinchou alegremente. Gil cavalgou-o e partiu a galope para pedir auxílio e libertar Gisela.
Quando chegou à hospedaria do Cisne já era alta noite, o hospedeiro sorriu ironicamente, pois não acreditava que pessoa alguma tivesse animo de ir ao Castelo Assombrado. Gil não discutiu e foi acordar o mensageiro que era um aguazil mandado pelo alcáide.
Inteirado do fato, o aguazil felicitou vivamente o moço; o alcaide, acordado em meio de um bom sono, abraçou ternamente o mancebo, cujos pais conhecera e pediu-lhe uma poderosa escolta sob seu direto mando.
No dia seguinte os soldados cercaram o castelo e se apoderam do torrão. Os dois salteadores que guardavam a formosa Gisela foram mortos e ela abraçou agradecida seu bravo salvador.
Gil mostrou ao alcaide a entrada do subterrâneo e o poço em que matara Tristão, o alfaiate salteador. O tenente da quadrilha, denunciado pelo aguazil que revistando o cadáver achara papéis comprometedores, também indicou seus cúmplices.
Foram todos sumariamente enforcados.
Mais tarde Gil descobriu os tesouros da quadrilha e o que fora roubado ao pai de Gisela.
O tio Braz, dono da locanda entregou os escudos da aposta de Gil com o homem das barbas. O moço deu-os ao aguazil pelos seus bons serviços.
Com dinheiro achado Gil restaurou o castelo e converteu-o num convento de monjas. Depois do luto paterno, Gisela casou-se com Gil. Ambos forma felizes e muito amigos dos pobres.






O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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