A FIGUEIRA MARAVILHOSA
Uma mulher muito pobre
tinha dois filhos pequenos.
Um dia em que se
lastimava por estar doente, dizia:
— Vou morrer e nada
deixo para meus filhos.
Nisto uma claridade
entrou na sala e uma fada apareceu.
— Que queres dar a
teus filhos?
— O que quiseres,
contanto que sejam felizes.
A fada aproximou-se das
crianças que dormiam. Eram dois irmãos, um louro e outro moreno.
Tocou com a vara de
ouro e diamantes na cabeça do louro e disse-lhe:
— Dou-te coragem e
inteligência.
Chegando-se ao outro
repetiu o gesto e também falou:
— Dou-te força e
paciência.
A fada sumiu-se; a
velha morreu logo.
Os meninos criaram-se.
Um era bravo, sagaz, mas muito apressado. Não queria demora em nada.
O outro irmão tinha boa fama e era muito paciente e pachorrento;
possuía uma força prodigiosa.
Partia com os dedos
moedas de prata; pegava touros à unha, domava qualquer cavalo e
suspendia pesos enormes.
Os dois eram muito
amigos e tinham prometido um ao outro que não se separariam.
Trabalhavam, mas a
impaciência do mais velho não se coadunava com a vida tranqüila.
Fez-se caçador. Por sua natural viveza
puseram-lhe o apelido de “Vou Já”.
Ao irmão, muito calmo
e descansado deram-lhe o apelido de “Tem Tempo”.
Quando avisavam o mais
velho de alguma caça boa que aparecera, ele respondia: — “Vou
Já”.
Se convidavam o mais
jovem, ele retorquia:
— “Tem Tempo”.
Um dia foram caçar.
“Tem Tempo” recomendou sempre a seu irmão que fosse menos
afoito.
Nisto, quando já
tinham descoberto a toca de um grande porco do mato e esperavam que a
fera passasse, ouviram uma trompa de caça e latidos de uma matilha.
Apareceram dois
príncipes que perseguiam um javali.
Este voltou-se de
repente e atacou os perseguidores.
Estripou dois cães e
atirou-se a um dos cavalos.
O animal pinoteou e
caiu sobre o príncipe.
O javali avançou para
este que morreria se “Vou já” não lhe cravasse a faca de mato
até o cabo entre as espáduas.
— És um valente e
devo-te a vida; queres ser meu escudeiro?
“Vou já” aceitou.
O outro príncipe caíra
do cavalo também e jazia desmaiado.
“Tem Tempo”
ajudava-o a vir a si; molhando-lhe o rosto com água viu que tinha
belos cabelos louros e feições de anjo.
— É minha irmã,
disse o príncipe, é a princesa Safira.
Era uma linda moça que
tinha esse nome devido à cor de seus formosos olhos.
Logo que se reanimou,
ela disse a “Tem Tempo”:
— Faço-te meu
escudeiro. Aceitas?
— De bom grado. Eu e
meu irmão nunca nos separaremos.
Depois com grande
espanto do príncipe, de Safira e dos criados que procuravam o amo e
o tinham achado, ele suspendeu a princesa como uma pena e colocou-as
sobre o cavalo. Pôs o javali às costas com uma só mão e seguiu
com a comitiva em caminho do castelo cujas torres se avistavam entre
as árvores da floresta.
Seguiram para lá.
O príncipe que se
chamava Topázio por ter os cabelos fulvos, da cor dessa pedra
preciosa, vestiu os dois escudeiros magnificamente, como fidalgos e
deu a cada um, uma bolsa com dobrões e ducados de ouro.
Tiveram uma mesa
fartamente servida e foram passear no jardim, acompanhando o príncipe
e a princesa. Esta fez sinal para que parassem perto de uma grande
figueira.
— Não devemos ir
adiante. Pode o urso vir.
— Ele só aparece de
noite, respondeu o príncipe.
— Que bicho é?
Perguntou “Vou Já”.
— É que esta
figueira não é como as outras e todos os anos produz três figos;
um de ouro, outro de prata e outro de vidro.
— E por que não os
tiraste?
— Porque eles são
guardados por um urso que devoraria quem se animasse a subir ao
último galho em que estão os três figos. Quem tentar, morrerá
entre as patas do temível urso.
— Ora! Mas eu não
vejo figo nenhum na árvore, exclamou “Tem Tempo”.
— É assim mesmo. De
dia não os vemos mas à noite de longe se enxerga os três frutos;
um amarelo e luzente — o de ouro; outro argentino brilhante — o
de prata e o terceiro cristalino — o de vidro.
— Logo à noite eu
virei, disse “Vou Já”.
— Tem tempo, murmurou
o irmão, eu te acompanharei.
Quando veio a noite
ambos se armaram bem, e a princesa deu ao seu escudeiro uma caixinha.
— Toma, meu fiel
servidor. Nesta caixinha há um pó maravilhoso que tira a vista de
quem o receber nos olhos. Se conseguires jogar esse pó nos olhos do
urso talvez o venças e apanhes os figos.
Ambos tinham vestido
uma grossa couraça de ferro e levavam um florete na mão. Com esse
estoque talvez matassem o animal.
Quando chegou próximo
à árvore, “Vou Já” viu um vulto agachado de cujas ventas saíam
chamas azuis.
— Lá está o urso
pensou ele.
— Espera, temos
tempo, disse-lhe o irmão. Eu vou rodear o jardim e ver se o consigo
laçar com estas correntes de ferro. Quando eu disser: joga,
atira-lhe o pó nos olhos e vem ter comigo.
Depressa, “Tem Tempo”
pôs uma ponta da corrente fixa numa vara que firmou no chão e tirou
os sapatos e pôs-se a correr ao redor da figueira onde estava o
urso, recostado, a dormir.
A cada volta ele se
aproximava mais do enorme bicho e por fim. Com volta e meia o
apertaria de encontro ao tronco.
Mais um instante e ele
gritou: Joga”
O animal deu formidável
pulo mas não partiu a corrente que o estreitava e o escudeiro
apertava cada vez mais.
Cego pelo pó dava o
bicho urros horríveis e todos no palácio tremiam de medo.
Nisto “Vou Já”
meteu-lhe o estoque entre os braços e a fera caiu.
“Vou Já” subiu
lentamente e colheu os três figos.
Eram bonitos. O de ouro
muito pesado, parecendo ter três arrobas, era do tamanho natural;o
de prata era leve como se fosse oco e o de vidro, transparente ,
parecia nada conter.
Tinham perdido a luz
brilhante que possuíam quando pendurados na árvore, e estavam com a
cor própria do ouro, da prata e do vidro.
“Tem Tempo” levou o
mais pesado e “Vou Já” pôs no bolso os outros dois.
Safira muito satisfeita
quis levantar o figo de ouro, mas não pôde; só o “Tem Tempo” o
suspendia sem esforço.
Este contemplava o
fruto e passando-lhe a mão notou-lhe uma rugosidade do tamanho de um
olho de passarinho; calcando com a pesada mão o figo abriu-se em
duas partes iguais e uma formosa mulher apareceu, radiante de beleza,
com um diadema de pérolas na fronte, rósea como o albor da aurora!
“Tem Tempo” estava
maravilhado; o vestido da linda criatura era de um tecido fino feito
de fios de ouro e tinha na mão um anel magnífico.
— Toma, meu nobre
salvador. Em paga de me haveres livrado daquele urso que nos roubara
do palácio de nosso pai — o ri da Bruxolândia, eu dou-te minha
mão de esposa. Sou a princesa Flor de Ouro.
Safira que amava o seu
escudeiro ficou trêmula de raiva com as palavras que ouvira e atirou
no chão o figo de prata.
Este abriu-se em duas
metades também e outra princesa, vaporosa e elegante, bela como uma
estrela de diamantes, seguiu de pé, pondo a mão sobre o ombro de
“Vou Já”.
— Foi tua intrepidez
que nos salvou. Queres ser meu esposo? Sou a princesa Argentina.
O príncipe Topázio
disse então a Safira:
— Irmã, nossos
escudeiros receberam a recompensa de sua vitória. Tu deste o pó que
cegou os olhos ao monstro. Pertence-te pois este figo de cristal.
— Parte-o se queres
casar-te, disse Flor de Ouro, e deixa-o intacto se queres ficar
solteira.
— Já que meu
escudeiro a quem eu amava me esqueceu, trocando uma princesa por
outra, eu quero ficar solteira e guardarei o figo.
A festa do casamento
dos dois irmãos com as princesas “Flor de Ouro” e “Argentina”
foi belíssima.
De manhã os dois
casais tomaram carruagens doiradas, com lindos cavalos brancos e
partiram para a Bruxolândia onde foram muito bem recebidos.
O rei ficou muito
contente por ver sua duas filhas restituídas ao seu carinho e da
rainha.
Mas a felicidade não
era completa no palácio. O urso que era um gênio mau, não só
roubara as duas princesas como o irmão delas: — o príncipe
Diamante.
O irmão de Safira —
príncipe Topázio — partira para uma terra distante e deixara a
irmã só, no imenso castelo.
Safira andava muito
triste e passava longas horas a pensar no escudeiro “Tem Tempo”.
Não se consolava e
dava suspiros de estremecer a sala.
Um dia em que
contemplava o figo de vidro ouviu uma voz muito sonora dizer: —
Abra-me.
Ela procurou saber quem
falava e abriu as portas. Não viu pessoa alguma.
Foi às janelas.
Ninguém.
Sentou-se pensativa mas
o braço resvalou pela mesa e o figo de vidro caiu. Caiu e partiu-se.
O aposento da princesa ficou cheio de uma poeira luminosa que foi
pousando no solo, devagar. Depois viu Safira o vulto belo de um jovem
ricamente vestido e de brocado de ouro e prata. No seu gorro de
plumas luzia um facho de diamantes.
Era o príncipe
Diamante.
A princesa, deslumbrada
também com tão formoso mancebo, esqueceu tudo para se precipitar
nos braços dele.
Logo depois mandou
Safira preparar o coche de viagem e foi com o noivo para junto de
“Flor de Ouro” e de “Argentina”.
Aí se realizou o
casamento de Safira com o príncipe Diamante, casamento que seria
feliz se Safira não fosse vingativa.
Ela não podia perdoar
a “Flor de Ouro” que lhe roubara, o “Tem Tempo”.
Resolvera pois
envenenar os dois felizes esposos pondo arsênico no jarro da água
que bebiam à noite.
Mas Flor de Ouro,
provando a água antes de dormir, não a achou boa e jogou-a fora.
No dia seguinte Safira
ficou furiosa por ver ambos vivos. Deu uma bolsa de ouro à
cozinheira de Flor de Ouro.
Esta chamou o marido
para a ceia mas ele respondeu, como sempre:
— Tem tempo.
A princesa o foi buscar
para que viesse senão a ceia arrefeceria.
Quando voltaram acharam
o cãozinho morto. Flor de Ouro dera-lhe, antes de sair, um pouco de
comida e o veneno produziu logo o seu terrível efeito.
Houve no palácio
grande algazarra e a cozinheira foi presa e açoitada.
Ela confessou que a
princesa Safira lhe pagara para matar “Tem Tempo” e “Flor de
Ouro”.
O rei zangou-se com a
nora e expulsou-a do palácio apesar das lágrimas do seu filho
Diamante. Este, triste acompanhou a mulher até as montanhas.
Aí surgiu-lhe na
frente um urso que matou o príncipe com um abraço que lhe deu.
Depois o urso disse à
princesa:
— Sou aquele que
mandaste matar pelos escudeiros e que ficou cego com o pó que deste.
Não te lembras? Fiquei bom porque não posso morrer mas tu ficarás
comigo para sempre.
Quem passa naqueles
lugares vê, às vezes, uma princesa bela mas triste e junto dela um
grande urso bravio e negro como a noite.
Muitos cavaleiros
valentes têm querido salva-la, mas o urso os mata sem piedade.
E à proporção que os
anos passam ela não fica feia. Está sempre bonita porque representa
o ciúme e o Ciúme é eterno.
COPIADO DE
COPIADO DE
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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