sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 2


A FIGUEIRA MARAVILHOSA

Uma mulher muito pobre tinha dois filhos pequenos.
Um dia em que se lastimava por estar doente, dizia:
— Vou morrer e nada deixo para meus filhos.
Nisto uma claridade entrou na sala e uma fada apareceu.
— Que queres dar a teus filhos?
— O que quiseres, contanto que sejam felizes.
A fada aproximou-se das crianças que dormiam. Eram dois irmãos, um louro e outro moreno.
Tocou com a vara de ouro e diamantes na cabeça do louro e disse-lhe:
— Dou-te coragem e inteligência.
Chegando-se ao outro repetiu o gesto e também falou:
— Dou-te força e paciência.
A fada sumiu-se; a velha morreu logo.
Os meninos criaram-se. Um era bravo, sagaz, mas muito apressado. Não queria demora em nada. O outro irmão tinha boa fama e era muito paciente e pachorrento; possuía uma força prodigiosa.
Partia com os dedos moedas de prata; pegava touros à unha, domava qualquer cavalo e suspendia pesos enormes.
Os dois eram muito amigos e tinham prometido um ao outro que não se separariam.
Trabalhavam, mas a impaciência do mais velho não se coadunava com a vida tranqüila. Fez-se caçador. Por sua natural viveza puseram-lhe o apelido de “Vou Já”.
Ao irmão, muito calmo e descansado deram-lhe o apelido de “Tem Tempo”.
Quando avisavam o mais velho de alguma caça boa que aparecera, ele respondia: — “Vou Já”.
Se convidavam o mais jovem, ele retorquia:
— “Tem Tempo”.
Um dia foram caçar. “Tem Tempo” recomendou sempre a seu irmão que fosse menos afoito.
Nisto, quando já tinham descoberto a toca de um grande porco do mato e esperavam que a fera passasse, ouviram uma trompa de caça e latidos de uma matilha.
Apareceram dois príncipes que perseguiam um javali.
Este voltou-se de repente e atacou os perseguidores.
Estripou dois cães e atirou-se a um dos cavalos.
O animal pinoteou e caiu sobre o príncipe.
O javali avançou para este que morreria se “Vou já” não lhe cravasse a faca de mato até o cabo entre as espáduas.
— És um valente e devo-te a vida; queres ser meu escudeiro?
“Vou já” aceitou.
O outro príncipe caíra do cavalo também e jazia desmaiado.
“Tem Tempo” ajudava-o a vir a si; molhando-lhe o rosto com água viu que tinha belos cabelos louros e feições de anjo.
— É minha irmã, disse o príncipe, é a princesa Safira.
Era uma linda moça que tinha esse nome devido à cor de seus formosos olhos.
Logo que se reanimou, ela disse a “Tem Tempo”:
— Faço-te meu escudeiro. Aceitas?
— De bom grado. Eu e meu irmão nunca nos separaremos.
Depois com grande espanto do príncipe, de Safira e dos criados que procuravam o amo e o tinham achado, ele suspendeu a princesa como uma pena e colocou-as sobre o cavalo. Pôs o javali às costas com uma só mão e seguiu com a comitiva em caminho do castelo cujas torres se avistavam entre as árvores da floresta.
Seguiram para lá.
O príncipe que se chamava Topázio por ter os cabelos fulvos, da cor dessa pedra preciosa, vestiu os dois escudeiros magnificamente, como fidalgos e deu a cada um, uma bolsa com dobrões e ducados de ouro.
Tiveram uma mesa fartamente servida e foram passear no jardim, acompanhando o príncipe e a princesa. Esta fez sinal para que parassem perto de uma grande figueira.
— Não devemos ir adiante. Pode o urso vir.
— Ele só aparece de noite, respondeu o príncipe.
— Que bicho é? Perguntou “Vou Já”.
— É que esta figueira não é como as outras e todos os anos produz três figos; um de ouro, outro de prata e outro de vidro.
— E por que não os tiraste?
— Porque eles são guardados por um urso que devoraria quem se animasse a subir ao último galho em que estão os três figos. Quem tentar, morrerá entre as patas do temível urso.
— Ora! Mas eu não vejo figo nenhum na árvore, exclamou “Tem Tempo”.
— É assim mesmo. De dia não os vemos mas à noite de longe se enxerga os três frutos; um amarelo e luzente — o de ouro; outro argentino brilhante — o de prata e o terceiro cristalino — o de vidro.
— Logo à noite eu virei, disse “Vou Já”.
— Tem tempo, murmurou o irmão, eu te acompanharei.
Quando veio a noite ambos se armaram bem, e a princesa deu ao seu escudeiro uma caixinha.
— Toma, meu fiel servidor. Nesta caixinha há um pó maravilhoso que tira a vista de quem o receber nos olhos. Se conseguires jogar esse pó nos olhos do urso talvez o venças e apanhes os figos.
Ambos tinham vestido uma grossa couraça de ferro e levavam um florete na mão. Com esse estoque talvez matassem o animal.
Quando chegou próximo à árvore, “Vou Já” viu um vulto agachado de cujas ventas saíam chamas azuis.
— Lá está o urso pensou ele.
— Espera, temos tempo, disse-lhe o irmão. Eu vou rodear o jardim e ver se o consigo laçar com estas correntes de ferro. Quando eu disser: joga, atira-lhe o pó nos olhos e vem ter comigo.
Depressa, “Tem Tempo” pôs uma ponta da corrente fixa numa vara que firmou no chão e tirou os sapatos e pôs-se a correr ao redor da figueira onde estava o urso, recostado, a dormir.
A cada volta ele se aproximava mais do enorme bicho e por fim. Com volta e meia o apertaria de encontro ao tronco.
Mais um instante e ele gritou: Joga”
O animal deu formidável pulo mas não partiu a corrente que o estreitava e o escudeiro apertava cada vez mais.
Cego pelo pó dava o bicho urros horríveis e todos no palácio tremiam de medo.
Nisto “Vou Já” meteu-lhe o estoque entre os braços e a fera caiu.
“Vou Já” subiu lentamente e colheu os três figos.
Eram bonitos. O de ouro muito pesado, parecendo ter três arrobas, era do tamanho natural;o de prata era leve como se fosse oco e o de vidro, transparente , parecia nada conter.
Tinham perdido a luz brilhante que possuíam quando pendurados na árvore, e estavam com a cor própria do ouro, da prata e do vidro.
“Tem Tempo” levou o mais pesado e “Vou Já” pôs no bolso os outros dois.
Safira muito satisfeita quis levantar o figo de ouro, mas não pôde; só o “Tem Tempo” o suspendia sem esforço.
Este contemplava o fruto e passando-lhe a mão notou-lhe uma rugosidade do tamanho de um olho de passarinho; calcando com a pesada mão o figo abriu-se em duas partes iguais e uma formosa mulher apareceu, radiante de beleza, com um diadema de pérolas na fronte, rósea como o albor da aurora!
“Tem Tempo” estava maravilhado; o vestido da linda criatura era de um tecido fino feito de fios de ouro e tinha na mão um anel magnífico.
— Toma, meu nobre salvador. Em paga de me haveres livrado daquele urso que nos roubara do palácio de nosso pai — o ri da Bruxolândia, eu dou-te minha mão de esposa. Sou a princesa Flor de Ouro.
Safira que amava o seu escudeiro ficou trêmula de raiva com as palavras que ouvira e atirou no chão o figo de prata.
Este abriu-se em duas metades também e outra princesa, vaporosa e elegante, bela como uma estrela de diamantes, seguiu de pé, pondo a mão sobre o ombro de “Vou Já”.
— Foi tua intrepidez que nos salvou. Queres ser meu esposo? Sou a princesa Argentina.
O príncipe Topázio disse então a Safira:
— Irmã, nossos escudeiros receberam a recompensa de sua vitória. Tu deste o pó que cegou os olhos ao monstro. Pertence-te pois este figo de cristal.
— Parte-o se queres casar-te, disse Flor de Ouro, e deixa-o intacto se queres ficar solteira.
— Já que meu escudeiro a quem eu amava me esqueceu, trocando uma princesa por outra, eu quero ficar solteira e guardarei o figo.
A festa do casamento dos dois irmãos com as princesas “Flor de Ouro” e “Argentina” foi belíssima.
De manhã os dois casais tomaram carruagens doiradas, com lindos cavalos brancos e partiram para a Bruxolândia onde foram muito bem recebidos.
O rei ficou muito contente por ver sua duas filhas restituídas ao seu carinho e da rainha.
Mas a felicidade não era completa no palácio. O urso que era um gênio mau, não só roubara as duas princesas como o irmão delas: — o príncipe Diamante.
O irmão de Safira — príncipe Topázio — partira para uma terra distante e deixara a irmã só, no imenso castelo.
Safira andava muito triste e passava longas horas a pensar no escudeiro “Tem Tempo”.
Não se consolava e dava suspiros de estremecer a sala.
Um dia em que contemplava o figo de vidro ouviu uma voz muito sonora dizer: — Abra-me.
Ela procurou saber quem falava e abriu as portas. Não viu pessoa alguma.
Foi às janelas. Ninguém.
Sentou-se pensativa mas o braço resvalou pela mesa e o figo de vidro caiu. Caiu e partiu-se. O aposento da princesa ficou cheio de uma poeira luminosa que foi pousando no solo, devagar. Depois viu Safira o vulto belo de um jovem ricamente vestido e de brocado de ouro e prata. No seu gorro de plumas luzia um facho de diamantes.
Era o príncipe Diamante.
A princesa, deslumbrada também com tão formoso mancebo, esqueceu tudo para se precipitar nos braços dele.
Logo depois mandou Safira preparar o coche de viagem e foi com o noivo para junto de “Flor de Ouro” e de “Argentina”.
Aí se realizou o casamento de Safira com o príncipe Diamante, casamento que seria feliz se Safira não fosse vingativa.
Ela não podia perdoar a “Flor de Ouro” que lhe roubara, o “Tem Tempo”.
Resolvera pois envenenar os dois felizes esposos pondo arsênico no jarro da água que bebiam à noite.
Mas Flor de Ouro, provando a água antes de dormir, não a achou boa e jogou-a fora.
No dia seguinte Safira ficou furiosa por ver ambos vivos. Deu uma bolsa de ouro à cozinheira de Flor de Ouro.
Esta chamou o marido para a ceia mas ele respondeu, como sempre:
— Tem tempo.
A princesa o foi buscar para que viesse senão a ceia arrefeceria.
Quando voltaram acharam o cãozinho morto. Flor de Ouro dera-lhe, antes de sair, um pouco de comida e o veneno produziu logo o seu terrível efeito.
Houve no palácio grande algazarra e a cozinheira foi presa e açoitada.
Ela confessou que a princesa Safira lhe pagara para matar “Tem Tempo” e “Flor de Ouro”.
O rei zangou-se com a nora e expulsou-a do palácio apesar das lágrimas do seu filho Diamante. Este, triste acompanhou a mulher até as montanhas.
Aí surgiu-lhe na frente um urso que matou o príncipe com um abraço que lhe deu.
Depois o urso disse à princesa:
— Sou aquele que mandaste matar pelos escudeiros e que ficou cego com o pó que deste. Não te lembras? Fiquei bom porque não posso morrer mas tu ficarás comigo para sempre.

Quem passa naqueles lugares vê, às vezes, uma princesa bela mas triste e junto dela um grande urso bravio e negro como a noite.
Muitos cavaleiros valentes têm querido salva-la, mas o urso os mata sem piedade.
E à proporção que os anos passam ela não fica feia. Está sempre bonita porque representa o ciúme e o Ciúme é eterno.



COPIADO DE


O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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