sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 24


ROSABELA E JULIÃO


Era véspera de Natal num desses países onde, em dezembro, a neve branqueia tudo.
A igreja da cidade estava repleta de fiéis que iam assistir à missa de Natal. Entre eles, se achava Rosabela, uma das lindas donzelas daquela terra.
Era uma formosa criança de quatorze anos, muito interessante e encantadora. Suas mãos delicadas seguravam de leve o livro de missa, de madrepérola e ouro.
Junto dela estava um rapazinho, da mesma idade, e que tinha ao lado um cachorrinho muito preto.
Acabava Rosabela de se ajoelhar, quando o livro de orações caiu-lhe das mãos. O rapazinho pegou-o rapidamente e entregou-o à moça.
A mãe desta, rezando fervorosamente nem vira o pequeno incidente.
Rosabela, orando dizia:
— Meu Deus, fazei com que haja bastante neve, pois gosto de ver os caminhos alvos e endurecidos de gelo. Fazei com que haja muitos presentes para mim, amanhã, nos meus sapatos.
O rapazinho, a seu turno implorava:
— Permiti, Jesus, que não faça neve nem vento forte, pois a cabana de mamãe não resistirá e se ela cair não sei que será de nós. Mandai-me dinheiro, se podeis, pois minha mãe quer pagar a minha escola e eu desejo aprender.
Rosabela ouviu este voto, como Julião — era o nome do estudante — ouvira o dela.
Ambos se entreolharam e o cachorrinho preto, abanado a cauda, veio lamber as mãos de Rosabela que lhe fez uma carícia.
Rosabela e a mãe saíram da igreja; ela ia contente porque a neve alvejava os telhados. Julião, embuçado num velho capote, seguia para a cabana onde sua boa mãe esperava com algumas gulodices para o filho querido.
Julião não tinha pai; era muito estudioso mas demasiado pobre; tinha de suspender as aulas no ano próximo por falta de recursos.
Rosabela era rica e querida dos pais, que lhe faziam todas as vontades. Era dócil, bela e caridosa.
....
Pela manhã, ao despertar, Julião, que na acreditava pudesse suamãe dar-lhe festas do Natal, pediu-lhe uma abraço. Recebeu, porém, não só o abraço e um beijo, como uma roupa nova, botinas e chapéu.
— Oh! Mamães, disse ele contente. Como é que pôde...?
— São as economias de um ano, meu bem Julião. Falta é o dinheiro para as lições...
Em casa de Rosabela também reinava a alegria. Ela, mal o sol aparecera, fora ver os presentes que de noite lhe haviam trazido e batia palmas satisfeitas.
Dentro do seu sapatinho de pelica branca, havia uma bolsinha com três moedas de ouro e um bilhete inteiro da loteria de Natal — a maior loteria do ano.
Rosabela pedira esse dinheiro para comprar boneca. Pensou que esta não caberia no sapato e simplificou a dúvida porque com as moedas compraria do seu gosto.
Muito elegante no seu vestido, ela foi com a professora de piano comprar uma boneca no bazar.
Ao entrar deparou com um cachorrinho muito preto que, saltando, fazia-lhe festas.
Rosabela reconheceu-o logo; era do rapazinho que apanhara o seu livro de orações na igreja.
Vendo Julião mal vestido , pois o fato novo ele guardara para ir ao colégio, a moça apiedou-se dele. Era tão simpático apesar de maltrapilho!
Quis Rosabela comprar o animalzinho e perguntou a Julião.
— Compro-te o cãozinho. Queres vender-me?
O rapaz sorriu contrariado.
— É meu único companheiro e por isso não o vendo.
— Se o vendesses pagarias a escola de que flavas ontem.
O menino não respondeu e chorou.
— Não te zangues. Olha. Toma estas moedas e mais este bilhete. Fica com o teu cãozinho. Talvez tires " sorte grande.
E Rosabela saiu contente, arrastando consigo a professora, enquanto Julião, depois de um instante de hesitação corria para contar o feliz acontecimento a sua mãe; o cãozinho seguia-o aos saltos.
...
Passaram-se dez anos. A sorte adversa para Rosabela. Mora sozinha numa choupana à beira do rio.
Certa noite de tempestade uma faísca elétrica caiu sobre a casa e matou cinco pessoas. Só ela escapou.
Rosabela tinha um parente afastado que roubou os bens que seus pais lhe deixara e um dia a expulsou de casa.
Uma velha que passava levou a moça para a casa e como era tido como bruxa, Rosabela passou a ser considerada também como feiticeira.
Trajava sempre de luto o que aumentava a beleza triste do seu rosto.
Rosabela fazia rendas e flores artificiais. Fazia-as tão lindas e finas que, embora com repugnância, mandavam-lhe comprar. Era desse pequeno comércio que vivia.
Ela não ia mais à igreja temerosa de que o povo lhe dissesse alguma injúria ou a apedrejasse; conservava-se não obstante fiel à sua crença e seu livro de orações era manuseado todos os dias.
É Natal e Rosabela não se animou a sair. Nevava. Ficou na cabana, orando.
Estava com o livro na mão, quando ouviu tropel fora. Esperou. Alguém descavalgou à porta e bateu.
Rosabela não era medrosa; a fama de ter partes com o diabo a resguardava e a solidão e a ingratidão a tinham tornado corajosa.
Abriu um pouco a porta e perguntou:
— Quem é?
Nisto um grande e formoso cão mostrou a cabeça inteligente e entrou latindo e dando demonstrações de amizade.
Um cavaleiro, trazendo o corcel pela rédea, perguntou:
— Dás-me abrigo, Rosabela?
— De certo. Não tens receio? Sabes bem quem eu sou?
— De mais.
— Se é assim, leva o teu cavalo para o galpão e volta.
O jovem cavaleiro assim, fez, e, voltando, entrou na cabana.
A luz deu-lhe em cheio no rosto.
— Não me conheces, Rosabela?
— Sim, as feições são de... do rapazinho do cão. Ah! O cão! É ele!
O moço, comovido, disse, tomando-lhe as mãos:
— Sou eu, a quem deste as moedas e um bilhete. No dia seguinte ao Natal eu e minha mãe nos retiramos da cidade para um país distante. Teu bilhete foi premiado e eu e minha mãe ficamos ricos.
— Sim? Perguntou a moça.
— Sim. Voltei à cidade para dividir com a minha benfeitora a inesperada fortuna e soube que também se ausentara. Procurei-a largo tempo e soube depois que Rosabela era a feiticeira do rio.
A voz de Julião tremia. A moça soluçava.
— Não chores, Rosabela, eu venho dividir a fortuna contigo e mais alguma coisa. Dou-te o meu coração. Aceitas.
Os dois se abraçaram, e o cão — o antigo cãozinho preto — pulava e latia, alegremente.
No ida seguinte a cabana ficou deserta. Julião e Rosabela partiram contentes para o país onde a mãe dele vivia. Casaram-se e foram felizes.
No lugar onde estava a cabana Julião mandou construir uma pequena, mas linda igreja onde se batizaram seus filhos e em cujo adro se aramava todos os anos, por cuidados de Rosabela, uma grande árvore de Natal, cheia de presentes para as crianças pobres.



O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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