ROSABELA E JULIÃO
Era véspera de Natal
num desses países onde, em dezembro, a neve branqueia tudo.
A igreja da cidade
estava repleta de fiéis que iam assistir à missa de Natal. Entre
eles, se achava Rosabela, uma das lindas donzelas daquela terra.
Era uma formosa criança
de quatorze anos, muito interessante e encantadora. Suas mãos
delicadas seguravam de leve o livro de missa, de madrepérola e
ouro.
Junto dela estava um
rapazinho, da mesma idade, e que tinha ao lado um cachorrinho muito
preto.
Acabava Rosabela de se
ajoelhar, quando o livro de orações caiu-lhe das mãos. O rapazinho
pegou-o rapidamente e entregou-o à moça.
A mãe desta, rezando
fervorosamente nem vira o pequeno incidente.
Rosabela, orando dizia:
— Meu Deus, fazei com
que haja bastante neve, pois gosto de ver os caminhos alvos e
endurecidos de gelo. Fazei com que haja muitos presentes para mim,
amanhã, nos meus sapatos.
O rapazinho, a seu
turno implorava:
— Permiti, Jesus, que
não faça neve nem vento forte, pois a cabana de mamãe não
resistirá e se ela cair não sei que será de nós. Mandai-me
dinheiro, se podeis, pois minha mãe quer pagar a minha escola e eu
desejo aprender.
Rosabela ouviu este
voto, como Julião — era o nome do estudante — ouvira o dela.
Ambos se entreolharam e
o cachorrinho preto, abanado a cauda, veio lamber as mãos de
Rosabela que lhe fez uma carícia.
Rosabela e a mãe
saíram da igreja; ela ia contente porque a neve alvejava os
telhados. Julião, embuçado num velho capote, seguia para a cabana
onde sua boa mãe esperava com algumas gulodices para o filho
querido.
Julião não tinha pai;
era muito estudioso mas demasiado pobre; tinha de suspender as aulas
no ano próximo por falta de recursos.
Rosabela era rica e
querida dos pais, que lhe faziam todas as vontades. Era dócil, bela
e caridosa.
....
Pela manhã, ao
despertar, Julião, que na acreditava pudesse suamãe dar-lhe festas
do Natal, pediu-lhe uma abraço. Recebeu, porém, não só o abraço
e um beijo, como uma roupa nova, botinas e chapéu.
— Oh! Mamães, disse
ele contente. Como é que pôde...?
— São as economias
de um ano, meu bem Julião. Falta é o dinheiro para as lições...
Em casa de Rosabela
também reinava a alegria. Ela, mal o sol aparecera, fora ver os
presentes que de noite lhe haviam trazido e batia palmas satisfeitas.
Dentro do seu sapatinho
de pelica branca, havia uma bolsinha com três moedas de ouro e um
bilhete inteiro da loteria de Natal — a maior loteria do ano.
Rosabela pedira esse
dinheiro para comprar boneca. Pensou que esta não caberia no sapato
e simplificou a dúvida porque com as moedas compraria do seu gosto.
Muito elegante no seu
vestido, ela foi com a professora de piano comprar uma boneca no
bazar.
Ao entrar deparou com
um cachorrinho muito preto que, saltando, fazia-lhe festas.
Rosabela reconheceu-o
logo; era do rapazinho que apanhara o seu livro de orações na
igreja.
Vendo Julião mal
vestido , pois o fato novo ele guardara para ir ao colégio, a moça
apiedou-se dele. Era tão simpático apesar de maltrapilho!
Quis Rosabela comprar o
animalzinho e perguntou a Julião.
— Compro-te o
cãozinho. Queres vender-me?
O rapaz sorriu
contrariado.
— É meu único
companheiro e por isso não o vendo.
— Se o vendesses
pagarias a escola de que flavas ontem.
O menino não respondeu
e chorou.
— Não te zangues.
Olha. Toma estas moedas e mais este bilhete. Fica com o teu cãozinho.
Talvez tires " sorte grande.
E Rosabela saiu
contente, arrastando consigo a professora, enquanto Julião, depois
de um instante de hesitação corria para contar o feliz
acontecimento a sua mãe; o cãozinho seguia-o aos saltos.
...
Passaram-se dez anos. A
sorte adversa para Rosabela. Mora sozinha numa choupana à beira do
rio.
Certa noite de
tempestade uma faísca elétrica caiu sobre a casa e matou cinco
pessoas. Só ela escapou.
Rosabela tinha um
parente afastado que roubou os bens que seus pais lhe deixara e um
dia a expulsou de casa.
Uma velha que passava
levou a moça para a casa e como era tido como bruxa, Rosabela passou
a ser considerada também como feiticeira.
Trajava sempre de luto
o que aumentava a beleza triste do seu rosto.
Rosabela fazia rendas e
flores artificiais. Fazia-as tão lindas e finas que, embora com
repugnância, mandavam-lhe comprar. Era desse pequeno comércio que
vivia.
Ela não ia mais à
igreja temerosa de que o povo lhe dissesse alguma injúria ou a
apedrejasse; conservava-se não obstante fiel à sua crença e seu
livro de orações era manuseado todos os dias.
É Natal e Rosabela não
se animou a sair. Nevava. Ficou na cabana, orando.
Estava com o livro na
mão, quando ouviu tropel fora. Esperou. Alguém descavalgou à porta
e bateu.
Rosabela não era
medrosa; a fama de ter partes com o diabo a resguardava e a solidão
e a ingratidão a tinham tornado corajosa.
Abriu um pouco a porta
e perguntou:
— Quem é?
Nisto um grande e
formoso cão mostrou a cabeça inteligente e entrou latindo e dando
demonstrações de amizade.
Um cavaleiro, trazendo
o corcel pela rédea, perguntou:
— Dás-me abrigo,
Rosabela?
— De certo. Não tens
receio? Sabes bem quem eu sou?
— De mais.
— Se é assim, leva o
teu cavalo para o galpão e volta.
O jovem cavaleiro
assim, fez, e, voltando, entrou na cabana.
A luz deu-lhe em cheio
no rosto.
— Não me conheces,
Rosabela?
— Sim, as feições
são de... do rapazinho do cão. Ah! O cão! É ele!
O moço, comovido,
disse, tomando-lhe as mãos:
— Sou eu, a quem
deste as moedas e um bilhete. No dia seguinte ao Natal eu e minha mãe
nos retiramos da cidade para um país distante. Teu bilhete foi
premiado e eu e minha mãe ficamos ricos.
— Sim? Perguntou a
moça.
— Sim. Voltei à
cidade para dividir com a minha benfeitora a inesperada fortuna e
soube que também se ausentara. Procurei-a largo tempo e soube depois
que Rosabela era a feiticeira do rio.
A voz de Julião
tremia. A moça soluçava.
— Não chores,
Rosabela, eu venho dividir a fortuna contigo e mais alguma coisa.
Dou-te o meu coração. Aceitas.
Os dois se abraçaram,
e o cão — o antigo cãozinho preto — pulava e latia,
alegremente.
No ida seguinte a
cabana ficou deserta. Julião e Rosabela partiram contentes para o
país onde a mãe dele vivia. Casaram-se e foram felizes.
No lugar onde estava a
cabana Julião mandou construir uma pequena, mas linda igreja onde se
batizaram seus filhos e em cujo adro se aramava todos os anos, por
cuidados de Rosabela, uma grande árvore de Natal, cheia de presentes
para as crianças pobres.
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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