sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 5


A lágrima

Havia, no tempo dos gênios e das fadas, um silfo que servia de correio entre a terra e o céu.
Os antigos pensavam que o céu era composto de sete esferas de cristal e o silfo tinha entrada em todas elas menos na última.
Na sétima e última esfera era que havia a porta do Paraíso. Junto a ela havia um anjo com larga espada flamejante que guardava a entrada.
O silvo baixou à terra, voejou e aqui e ali a velava:
— Deixai-me entrar, sim.
E ele respondia sempre:
— Não! Mais tarde!
Afinal, quando mais uma vez o silfo o importunava, disse-lhe o arcanjo:
— Vou fazer-te a vontade, contando que tragas para o céu uma coisa que agrade muito ao coração de Deus.
— Pois bem. Eu buscarei.
— Então vai e traze.
O silvo baixou à terra, voejou e aqui e ali a procurar coisa que servisse e dizia de si para si:
— Eu custarei a achar. Coisas más há aos milhares, mas que, agradem muito e logo a quem... a Deus! Será difícil, mas tentarei.
Passou por sobre vales e montes, cidades e serras, mares e campos e afinal, numa choupana, viu à porta muitas pessoas que choravam.
Indagou com a vista e o ouvido, e viu que era uma criancinha que estava sofrendo. Agonizava, e ia morrer. O silfo, invisível, aproximou-se.
— Que pena, murmurou ele, como padece este pequenino!
Tomado de dó, voou sobre ele e para poupar-lhe a agonia, colhe o seu último suspiro. Logo, partiu para o céu.
O anjo lá estava e perguntou:
— Vens triste?
— Sim, mas trago uma coisa que há de agradar.
— O que é?
— O último suspiro de um pequenino; os pais lá ficaram chorando e olha, sabes tu, formoso anjo, eu também chorei.
— Pois eu aceito a tua oferta. Agrada sim e muito. Mas... desce para a terra de novo e traz outro presente.
O leve silfo, admirado, desceu novamente à superfície da terra e dizia, procurando por toda a parte:
— Levei o suspiro do inocente e não pude, no entanto, entrar no céu.. Que levarei agora?
Nisto ouviu um zumbido, seguido de outro e mais outro. Olhou para baixo e desanimou. Muitos guerreiros atravessavam uma fronteira e outros a defendiam impedindo a passagem do rio.
O silfo voou para o lado dos que defendiam a pátria contra os invasores. Nessa ocasião viu um jovem soldado que depois de se bater como um leão, caíra sobre a bandeira.
O silfo aproximou-se e tirou-lhe o coração palpitante.
Levou-o ao céu e mostrou-o ao anjo que velava.
— É o nobre coração de um soldado que morreu pela pátria, disse o silfo, agradará?
— De certo, mas não é chegada ainda a vez de aqui subires. Volta e tem paciência.
Assim fez o silfo e foi correr países longínquos. Aí viu, na África, um bando de negros antropófagos que supliciavam um missionário; o padre, moço ainda estava amarrado a uma árvore.
Tinha nos braços uma cruz a cabeça pendida. Dezenas de flechas o crivavam no tronco que lhe servia de poste de sacrifício.
O silfo tomou-lhe a cruz e regressou velozmente.
É impossível que, desta vez, levando o símbolo da fé, permita o anjo que eu penetre nos lugares celestes.
Mas enganava-se o pertinaz silfo: a dádiva foi muito bem recebida, pois simboliza a fé e representava o sacrifício de um mártir, mas ainda desta vez lhe foi vedada a entrada.
Depois levou o silfo uma rosa branca e diáfana.
— Que coisa mais pura e inocente que uma flor?
Mas a porta do céu continuou trancada.
Não desanimava o silfo e uma tarde volitava sobre montanhas e despenhadeiros.
Como a ventania e o frio aumentassem, o silfo acolheu-se a uma gruta.
Nela habitava um salteador que roubava os viajantes e até os massacrava se não pagavam resgate.
Era temido por sua crueldade e havia anos havia foragido, na serra.
Na planície seria ele preso e enforcado.
Seus companheiros tinham sido presos e outros justiçados.
Ele, havia largo tempo não se lembrava de orar, blasfemava e muitas vezes erguia o punho fechado para o céu.
Nessa tarde, como de costume, ele saíra armado.
O tempo porém, estava ameaçador, nuvens escuras tapavam o sol e um grande relâmpago coriscou e depois repercutiu, ribombando, pelos alcantis da serra.
De súbito, o salteador ver surgir entre as sarças, correndo, um vulto humano. Era uma criança.
De certo se detivera a brincar e se transviara. Pelas suas feições demudadas, pelos olhos chorosos, via-se que estava assustada. Estava perdida!
Enganara-se e subira um carreiro em vez de descer para o campo; ela não viara o salteador.
Este entesou o arco terrível; ajustou-lhe uma flecha e apontou.
A criança chegara ao meio da clareira. Era um menino, um guardador de cabras.
Quando o bandido se dispunha a atirar o rapazinho ajoelhou-se e com as mãos no peito e os olhos no céu, pôs-se a rezar.
A fisionomia da criança já não estava tão descomposta; parecia que a fé lhe dava forças.
O silfo, do alto, contemplava a cena.
O salteador sentiu que o arco se afrouxava e que um não sei que lhe subia ao coração.
Largou a seta e aproximou-se do rapaz; vendo que este tremia sossegou-o.
— Estás perdido?
A criança respondeu afirmativamente.
— Nada dirás que me viste. Não?
— Não, senhor.
O salteador levou-o até certa distância; carregou-o nos braços para passar uma torrente, pois a chuva caía forte e engrossara as águas. Só o deixou junto ao povoado.
— Obrigado, senhor, disse o menino e, tomando-lhe as mãos sem que o salteador o pudesse impedir, beijou-as com efusão.
— Adeus! Oh! Exclamou o bandido, o rapazito fez-me pena...
Ao chegar à gruta, aquele homem sentiu-se comovido, e isto percebeu o silfo que o acompanhara sempre.
Os aspecto daquela criança rezando no meio dos penhascos, com tanta fé, perturbara a alma do perverso salteador da montanha.
Sentiu dentro do peito uma onda enorme de remorso, de saudade dos tempos idos e chorou.
Pelo rosto desciam-lhe as lágrimas, as primeiras lágrimas de arrependimento. Ajoelhou-se e pediu perdão.
O silfo viu aquele pranto e colheu uma lágrima.
Lépido e contente, foi levá-lo ao anjo e contou-lhe o que vira.
— Bem, podes entrar, disse o arcanjo abrindo o pórtico do céu. Trouxeste-me uma dádiva rara e magnífica: — a lágrima de um arrependido!










O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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