O HOMEM DE UM SAPATO SÓ
O príncipe Jasão fora
educado às escondidas do rei Pélias que destronara seu pai.
Aprendera a manejar as armas e a tocar harpa, conhecia as virtudes
das plantas e era robusto, são de corpo e de espírito.
O príncipe, quando se
fez homem só pensou em vingar seu pai, morto por Pélias, e subir ao
trono de Iolchos que este usurpara.
Pôs-se a caminho,
resolvido, com uma lança em cada mão e uma pele de tigre nos
ombros; por onde passava todos perguntavam onde iria aquele lindo
moço, de cabelos louros, e com os pés calçados em sandálias
ricas, de brocado de ouro e prata.
Já ia longe, Jasão
quando deparou com um riacho que as chuvas haviam tornado torrente
impetuosa. Rugia e espumava tanto que ele parou na margem. De vez em
quando passavam destroços de árvores, folhas de palmeiras, troncos
e animais mortos. Tudo batia nos rochedos, escapava-se e lá ia, no
perigoso torvelinho das águas. A passagem não seria fácil pois não
havia ponte e o riacho, cheio, não dava bom vão. A nado, a
travessia oferecia também perigos.
Jasão hesitava, quando
ouviu uma voz escarninha:
— Ora, vejam com o
educaram este pobre rapaz! Está com receio de atravessar esse fio de
água! É pena!
O moço voltou-se e viu
então uma velha, com o rosto enrugado, a cabeça coberta por um
chalé e tendo na mão emagrecida um bastão longo. Os olhos, no
entanto, castanhos, eram belos e brilhantes, a ponto de Jasão não
poder suportar-lhes o fulgor. Na mão direita tinha uma romã, embora
não fosse tempo dessa fruta.
— Onde vais Jasão?
— Vou a Iolchos
expulsar o rei Pélias do trono e sentar-me nele em seu lugar.
— Muito bem. Pelo que
vejo não tens muita pressa. Carrega-me nas costas e transporta-me
até a outra margem, a mim e a meu pavão.
Viu então o moço um
pavão belíssimo ao lado da velha.
— Boa mulher,
retorquiu o jovem, o que você tem a fazer não há de ser tão
importante como derrubar um rei... o rio está caudaloso...
— Se o caso é este
não mereces ser rei, tornou a velha, em tom de desprezo. Se tu não
ajudas uma pobre velha,que te há de ajudar? Ou tu me carregas às
costas ou então eu mesma, com estas fracas pernas, experimentarei
passar a torrente.
E, dizendo isto, tateou
com o extremo do cajado o fundo do rio para se apoiar.
Mas Jasão se
arrependera de sua hesitação e lembrou-se que podia suceder algum
mal à pobre velha. Pôs-se então de joelhos e pediu à anciã que
lhe trepasse nas costas.
— Vou tentar, disse
ele, endireitando o busto e entrando n’água. Se a torrente a
afogar me afogará também.
Ela passou os braços
ao pescoço do jovem e o pavão subiu ao ombro dela. Jasão tropeçava
aqui e ali, agüentando-se com as duas lanças fincadas no fundo. No
meio do rio a correnteza o levou um instante, de envolta com as
folhas e raízes, mas desvencilhou-se logo. Quase ao galgar a margem
prendeu-se-lhe o pé entre duas pedras e, para tira-lo teve que
deixar uma das sandálias. A caudal levou-a.
Jasão soltou uma
exclamação de pesar.
— Que há, meu filho?
— Que há!? — É
que perdi o meu coturno de ouro que foi de meu bom pai. Ora esta!
Terei de apresentar-me a esse rei Pélias como pé descalço!
— E o outro calçado
com um coturno de laços de ouro? Que tem isso, Jasão? Acredita-me,
acrescentou ela, nunca a sorte te favoreceu tanto como hoje. Tudo
isto me prova que és o homem cuja vinda a Árvore Falante me
anunciou.
O momento não era para
conversas mas apesar de lutar contra a força das águas, o moço
sentia-se cada vez mais forte. Não sentia cansaço nem o oprimia o
peso da velha e seu pavão: ao contrário, as forças cresciam a cada
instante. Assim, depressa,subiu a ribanceira e pôs a velha em terra
firme. Depois, deu um suspiro, olhando para o pé nu.
— Terás muito breve
um rico par de sandálias e logo que Pélias te veja com uma sandália
só ficará pálido de medo. Vai. Segue este caminho que te mostro e
recebe a minha benção. Quando subires ao trono lembra-te da velha a
quem carregaste para passar o rio.
A velha se foi
manquejando e Jasão percebeu que a cercava uma espécie de auréola
luminosa. O pavão acompanhava-a orgulhoso, abrindo em leque a cauda
formosíssima.
Quando Jasão os não
viu mais, seguiu o caminho indicado e avistou uma cidade perto de uma
montanha, e de uma linda praia. À proporção que se aproximava via
o moço muita gente, homens, mulheres e crianças, vestindo ricos
trajes; havia, portanto, festa, e Jasão pergunto a um dos
assistentes como se chamava a cidade e por que tanta gente se achava
ali fora dos muros.
— Esta cidade é
Iolchos. Estamos aqui para ver o sacrifício de um touro, feito pelo
próprio rei Pélias que está ali, em baixo de um docel. O
sacrifício é a Netuno, que é o pai de Sua Majestade.
Enquanto falava, o
homem examinava Jasão, de alto a baixo, estranhando as feições e o
vestuário esquisito do jovem, deveras impressionante com a sua
beleza de rosto e formas, as duas lanças na mão e a pele de
leopardo nos ombros. Uma outra coisa ainda chamava a atenção e era
o coturno dos laços de ouro num pé ao passo que o outro estava
descalço.
— Veja! Veja! Disse o
homem a um vizinho; tem só uma sandália!
E assim, um ao outro,
este àqueles, se puseram todos a reparar em Jasão dizendo:
— O homem de um só
coturno!
— É mesmo!
— Sempre veio! Hein?!
Bem o diziam...
— Donde vem ele?
— Que quer? Que
pretenderá?
— Que dirá o rei
quando o vir?
O pobre Jasão
caminhava, não deixando de dizer consigo que eram pouco corteses
aqueles habitantes entretidos a lhe examinarem os pés. A multidão
em borborinho, confusa o foi levando para junto do rei que o
interpelou:
— Que és? Como vens
perturbar meu sacrifício religioso?
— Não é minha
culpa, mas sim dos vassalos de Vossa Majestade que estão admirados
de ver um homem com o pé descalço
A estas palavras o rei
olhou os pés do jovem e o seu rosto cobriu-se de intensa palidez.
— Ah murmurou ele, o
homem de um sapato só? Que irei fazer dele?
E assim falando,
apertava o cabo do facão com mais vontade de crava-lo no jovem que
no novilho.
Os assistentes viram o
gesto e as palavras do rei, e num coro enorme, as vozes se
alevantaram:
— Veio o homem da
sandália! Vamos ver se o oráculo se cumpre ou não!
Alguns anos antes da
história que narramos, o rei Pélias tinha sido advertido pelo
oráculo de Dodona — uma árvore de cujos galhos saía uma voz —
que um homem usando um só coturno o derrubaria do trono.
Por isso o rei não
admitia pessoa alguma sem o par de sandálias costumeiras, e havia um
fiscal só para examinar calçados e substituí-los à custa do
tesouro público.
Ver Jasão foi pois um
grande susto, mas o rei era animoso e tratou o jovem com astúcia:
— Vens de longe, de
certo; pelo teu traje se vê. Onde foste criado?
— Numa gruta. Meu
mestre, um sábio e um forte me ensinou o manejo das armas e a arte
de curar. Também me ensinou música e moral.
— Vamos, jovem amigo,
creio saber quem tu és e quem te educou. Quero conhecer agora o teu
pensamento. Dize: Que farias tu de um homem que viesse te prejudicar
e a cujas mãos tu devesses morrer?
Jasão respondeu,
lealmente, não duvidando que Pélias tivesse desvendado o seu
incógnito:
— Manda-lo-ia a uma
empresa arriscada: — a de ir buscar o velocino de ouro, através
dos mares.
Os olhos de Pélias
brilharam de alegria.
— Bem respondido e
admiro tua valentia. Prepara-te sem receio de mim e traze-me esse
tesouro.
— Irei. Senão o
conseguir não temais meu regresso; mas se eu voltar, então tu hás
de ceder-me o trono e o cetro.
Assim terminou o
diálogo e Jasão foi logo consultar o oráculo. Era um carvalho
anoso, da altura de uns trinta metros e que espalhava extensa sombra.
Jasão perguntou:
— Que devo fazer para
trazer o velocino de ouro?
Fez-se um silêncio
profundo e depois as folhas se agitaram côo se o sopro do tufão as
açoutasse. Houve como que milhares de murmúrios que se condensaram
numa voz rouca:
— Procura Arguns, o
construtor de navios e faze-lhe encomenda de uma galera de cinqüenta
remos.
Depois a voz se foi
sumindo.
O príncipe, conquanto
admirado, procurou o carpinteiro e este chamando seus operários e
aprendizes pôs mãos á obra para fazer o maior barco desse tempo.
Lutou o construtor para achar um madeiro curvo para a roda da proa.
Jasão não teve dúvida
em consultar o oráculo de novo. Houve o mesmo sussurro, e um grosso
galho respondeu com se a voz lhe saísse de dentro:
— Corta-me e terás o
que pedes. Manda esculpir um busto que porás na proa de tua galeria.
O pesado ramo curvo foi
cortado e o escultor talhou o busto; parecia, dizia ele, que mão
oculta e hábil o guiava na sua obra. Representava um meio corpo de
uma mulher bela, ornada de um capacete sobre os cabelos em anéis. No
braço esquerdo tinha um escudo, no centro do qual havia o retrato ou
a cabeça de Medusa com a cabeleira de serpente.
Com o braço direito em
riste apontava o desconhecido...
Jasão não descansou
enquanto o busto admirável da estátua não ficou colocado à proa
admirando as feições nobres e expressivas da mesma. Parecia falar.
— Agora, disse ele,
vou perguntar o que devo fazer.
E mal acabava de falar,
ouviu:
— Não precisas mais,
Jasão ter esse incômodo, aqui estou para dar-te os conselhos que
quiseres.
Jasão estava perplexo.
A estátua movera os lábios. Falara.
— Dizei-me, estátua
maravilhosa, onde eu encontrarei cinqüenta remeiros, bravos e de
pulsos vigorosos?
— Faze um apelo aos
heróis da tua terra. Envia mensageiros a todas as cidades da Grécia
dizendo que o Príncipe Jasão parte mar afora e precisa quarenta e
nove remeiros e ele será o qüinquagésimo!
A proclamação causou
na mocidade um grandioso entusiasmo e foram muitos os que se
apresentaram como voluntários. Vieram os dois gêmeos Castor e
Pollux, o valente Theseu, Lince que tinha uma vista prodigiosa.
Orfeu, cuja lira amansava as feras, o fortíssimo Hércules e a veloz
Atalanta que corria mesmo sobre as ondas sem molhar os pés. Havia
ainda os dois filhos do Vento Norte, que com as bochechas cheias,
sopravam nas velas quando o vento calmava.
Jasão escolheu para
piloto ou palinuro a Tifins que sabia ler os segredos dos astros e
dirigir um navio e na proa colocou Lince, que avistava os rochedos
para que os evitassem.
Pronto o navio, todos
lhe encostaram ao casco os ombros para deita-lo ao mar, mas o barco
não se moveu e o chefe da expedição, consultou a figura da proa.
— Manda que os
remeiros se sentem nas bancadas e empunhem os remos; que Orfeu tome a
harpa e a dedilhe.
Orfeu, contente, pois
tocar harpa não cansava tanto como o punho do remo, fez ressoar uma
suave melodia e a galera com os remeiros a postos desceu do
estaleiro. À medida que a música se animava, mais rápida
deslizava. Por fim correu graciosa, mergulhando a formosa estátua de
madeira com boca como se ela tocasse as ondas à flor dos lábios.
No porto havia imensa
multidão que aclamava os audazes navegantes. Só o rei Pélias pedia
aos deuses que fizessem soprar terrível tempestade de modo que Jasão
e seus companheiros não mais voltassem.
Muitas foram as
aventuras por que passaram Jasão e seus amigos. tiveram de combater
enorme gigantes que tinham seis braços e seis mãos, mas que fugiram
a sete pés diante das flechas dos marinheiros, outra vez lutaram com
aves de largas asas e garras possantes que deixaram cair inúmeras
setas. Havia já muitos feridos quando Jasão se lembrou da estátua
e lhe disse:
— Ó Filha da Árvore
Falante, que havemos de fazer?
— Bater nos escudos,
respondeu ela.
Logo todos começaram a
bater nos broqueis de bronze fazendo um barulho infernal: só assim
as águias os deixaram em paz. Orfeu celebrou esta vitória tocando
um hino triunfal.
Na porta de uma ilha
onde estavam descansando viram chegar um navio do qual, desembarcaram
dois jovens príncipes, filhos de um certo rei Étes, que dominava na
Colchida, lugar onde esta o velocino.
Os príncipes
procuraram dissuadir Jasão da temerária empresa, mas vendo sua
resolução e a de seus companheiros, ofereceram-se para leva-los à
presença do rei o qual recebeu os argonautas muito hipocritamente.
Jasão achou-o, na
fisionomia, e no trato pérfido, muito parecido com o rei Pélias.
O rei queria saber as
idéias de Jasão e o saudou:
— Sede bem-vindos,
vós e os vossos. A que devo o prazer de vos ver? Andais a passeio?
— Vim aqui com o
desígnio de levar o velocino de ouro que está em seu Estado.
Preciso portanto a licença de Vossa Majestade.
O rei fez um gesto de
mau humor, pois o recém-chegado queria nada menos que um dos seus
mais belos tesouros. Sossegou lembrando-se das dificuldades com que
ele ia lutar.
— Sabes tu quais são
as condições a que te vais sujeitar?
— Sei de um dragão
que devora a quem se aproxima da árvore onde está o velocino de
ouro.
— É exato, mas não
é tudo: terás de domar meus dois touros de pés e pulmões de
bronze e que tem no peito uma fornalha, feita pelo Deus dos infernos.
Eles cospem fagulhas tão ardentes que qualquer que se aproxima fica
em cinzas...
— Verei se os amanso,
disse o moço com calma.
— Depois dos touros,
continuou o rei que tinha vontade de amedrontar Jasão, tens que
semear os dentes de um dragão. Das sementes nascerão guerreiros que
te darão que fazer. Não tens receio? Eles cairão sobre ti com a
espada na mão.
— Pode ser que os
domine. Sempre é bom tentar.
— Pois bem, murmurou
o rei, que o dragão o carregue e os touros o queimem, que bem me
importa!! Descansai, continuou ele com alta voz, dormi em paz pois
amanhã partirei com a charrua para atrelar os touros.
Quando Jasão se
retirava viu que alguém o seguia no corredor do palácio. Viu um
bela mulher que lhe bateu no ombro e disse:
— Sou a princesa
Medéa, e, escondida atrás do trono, ouvi a tua conferência com meu
pai, o rei da Colchida. Eu sei muitas coisas que muitas princesas não
sabem e dizem que sou poderosa em magia. Meu pai mesmo não suspeita
de quanta coisa posso fazer. Simpatizei contigo e te protegerei.
Jasão ouvia atento,
reparando naquele olhar profundo e misterioso, e naquele rosto tão
belo, de linhas perfeitas sobre um corpo escultural; ficou silencioso
e ela continuou:
— Eu te ensinarei a
domar os touros e semear os dentes do dragão, e a conquistar o
tesouro que cobiças, mas, em troca, peço uma coisa.
— O que? Perguntou
ele.
— O teu coração e a
promessa de que me levarás contigo e me amarás.
— Prometo levar-te e
não será difícil consagrar-te amor.
— Sei de alguns de
teus segredos, pois a feiticeira Circe, irmã de meu pai, me ensinou
a ler o futuro e a desvendar o pensamento. Se eu quisesse poderia
dizer-te quem era a velha mulher do pavão, e qual a voz que fala
pela boca da figura de proa da tua galera... sem mim, talvez o dragão
te pegasse.
Mas Jasão era homem
inacessível ao medo. Encolheu os ombros dizendo:
— Inquieto-me tanto
com o dragão como com os tais touros fumegante... Sei que os
atacarei.
— Se és tão valente
como penso, tornou Medéa, tua coragem te aconselhará na hora do
perigo. Posso dar-te um ungüento maravilho que te preservará do
hálito inflamado dos touros.
E deitando-lhe um olhar
apaixonado que perturbaria outro homem que não fosse Jasão, ela
deu-lhe um cofrezinho contendo a salvadora pomada.
— Adeus, disse ela, à
meia-noite, na escadaria pequena de mármore, atrás do palácio.
Jasão foi logo
procurar os companheiros aos quais ordenou estivessem prontos a
dar-lhe auxílio.
À hora marcada, o
príncipe encontrou Medéa que lhe deu um cesto com os dentes de
dragão. Seguiram, a par, pelas ruas desertas até o campo de pasto
onde estavam os touros. A noite estava estrelada e de belo luar.
Medéa mostrou ao longe
os dois touros deitados e quatro jatos de fumaça avermelhada que
saiam das narinas. Jasão, calmamente, untava-se com ungüento e deu
um passo em frente depois de apertar a mão de Medéa.
A alguns passos de
distância os touros sentiram o faro de alguém que se aproximava e
exalaram mais fumaça e chamas. Apercebendo o vulto do moço do
extremo do campo, eles se puseram de pé, numa investida terrível,
bufando labaredas. Deram um rugido horrendo que se ouvia na cidade.
O moço desviou-se um
pouco mas as chamas o cercaram sem lhe fazer mal. Depois, murmurando
“Medéa tem razão”, aguardou os touros a pé firme, e quando
eles pensavam que o jogariam no ar, Jasão segurou um pelos chifres e
o outro pela cauda, mantendo-os com a sua força prodigiosa. Convém
dizer que, assim, lhes havia quebrado o encanto e, apesar das patas
de bronze, estavam reduzidos a bois vulgares. Ele atrelou-os e foi
lavrar um pedaço de campo para nele semear os dentes do dragão.
Desfeitos os torrões,
Jasão tomou os dentes do feroz bicho e semeou-os atirando-os
esparsos. Cobriu com terra as estranhas sementes e foi ter com Medéa
que o esperava no fim do campo.
A lua ia muito alta.
Daí a pouco a terra
arada movimentou-se aqui e ali e saíram do solo, a princípio
escudos, depois lanças, braços e cabeças e afinal o campo ficou
cheio de guerreiros todos armados e cheios de cólera. Jasão
ouviu-os gritar:
— Que é do inimigo?
Vamos! Vamos!
De súbito viram o
príncipe que avistando tanta gente armada puxara a espada. Ao mesmo
morreria combatendo.
— Atira-lhes esta
pedra, disse-lhe Medéa, dando-lhe um grande calhau. Só assim
escaparás.
O mancebo jogou o
pedregulho que tombou no meio deles derrubando um e indo bater no
capacete de dois outros. Os três guerreiros atingidos começaram a
brigar entre si, cada qual julgando que seu agressor fosse o seu
vizinho. Deste modo a confusão tornou-se geral e os que avançavam
sobre Jasão retrocederam pensando que estavam sendo atacados pelas
costas.
A luta tornou-se
furiosa e eles se deceparam ferozmente braços e pernas. Foi um
combate terrível e o chão ficou cheio de mortos: por fim só
restava um que caiu gritando: — Vitória, vitória!
— Que durmam em paz
os cem guerreiros e vamos, Jasão, disse ela. O dia vai amanhecer.
Viste, meu príncipe, como morrer estes soldados batendo-se sem saber
por que?
— Sim. Que me
aconselhas agora?
— Sigamos ate o
palácio e procurarás meu pai a quem darás conta das tuas façanhas
desta noite. A maior parte das condições que ele te impôs para a
obtenção do velocino de ouro, já está cumprida.
Jasão deixando Medéa
na escadaria narrou aos companheiros as peripécias da luta. Eles
sabiam uma parte pois Lince avista tudo com a sua vista maravilhosa.
Pela manhã entrou
Jasão na sala do rei que se mostrava colérico e inquieto e lhe
disse com modéstia:
— Os touros estão
domados, real senhor, semeei os dentes, nasceram os guerreiros que se
mataram reciprocamente, até o último e peço licença para combater
o dragão e depois levar o tesouro e partir com meus companheiros.
— Sim, mas para isto
foi preciso que minha filha, a desobediente Medéa, vos ajudasse com
seus sortilégios. Pois bem, príncipe Jasão, eu vos proíbo, sob
pena de morte, tentar mais alguma coisa para obter o que pretendeis.
Não consentirei!
Jasão desceu, triste e
zangado as escadas de mármore Medéa o esperava num sítio que
marcara.
— Que disse meu pai?
O moço narrou-lhe a
proibição que recebera.
— Eu já sabia e mais
alguma notícia de interesse. É preciso partir hoje de madrugada.
Meu pai vai mandar incendiar a tua galera e tu e teus companheiros
sereis passados a fio de espada.
— Eu não partirei
sem atacar o dragão; não sei se o vencerei mas lutaremos com ele,
eu e meus companheiros.
— Esqueceste de mim,
que te protejo e a quem prometeste amar, Jasão? Confia em mim e
volta aqui, à meia-noite.
À hora aprazada voltou
o príncipe e Medéa lhe deu o braço. Atravessaram a cidade, o campo
onde os touros, já manso, os vieram receber, mugindo e, chegaram à
floresta.
Um velocino de ouro,
luzente, pendia do ramo de uma árvore e sobre a relva, um carneiro
de ouro também, estava deitado.
Jasão quis avançar,
mas Medéa o deteve:
— E o dragão, não o
temes?
A mágica acrescentou,
vendo que ele desembainhava sua larga e cortante espada.
— Embainha teu
gláudio... Não sou eu o teu anjo protetor? Tenho neste frasco a
arma que vencerá o dragão melhor que teu ferro. Olha:
Mas o bicho ouvira
vozes e já se aproximava traiçoeiro com a goela aberta, quando
Medéa lançou dentro dela o conteúdo do frasco.
A fera deu um rugido
tremendo, teve uma formidável convulsão e caiu ficando inerte.
— Dei-lhe um
narcótico pois não tenho o poder de destruí-lo de uma vez.
Apodera-te do tesouro. Anda.
Jasão pusera o
Carneiro aos ombros e Medéa fora buscar o velocino de ouro.
— Agora, disse ela,
sigamos por este atalho que vai dar ao porto. Embarquemos e partamos.
Tua vida corre perigo, meu querido Jasão. Este corria, vergado ao
peso da carga preciosa.
Em pouco tempo chegaram
à praia, onde a galera estava pronta para partir. Tifis empunhava o
leme e os remeiros estava nos postos.
Atalanta içou as
velas.
Lince, com a vista que
possuía, já lhe contara a história do seu chefe. Medéa e Jasão
pularam para bordo, com os preciosos tesouros e ouviram uma voz. Era
a figura da proa que falava:
— Nada de demoras.
Larga!
Os remeiros bateram as
águas com vigorosas remadas. Orfeu tomou a harpa e tocou um hino
triunfa enquanto os quarenta e nove heróis aclamavam seu chefe. Era
tempo de fugir.
O rei de Colchida ficou
furioso e mandou os seus navios em perseguição. Tudo foi inútil.
O rei Pélias foi
derrubado subindo ao trono Jasão, cujo casamento com a formosa Medéa
foi realizado com grandes festas e alegria de seu povo.
Eis aqui a história do
homem de um sapato só. Ele porém não venceria sem os sortilégios
de sua mulher a princesa Medéa, o que comprova o ditado: “Quando a
mulher quer, até Deus também quer”.
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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