sábado, 5 de abril de 2014

MERECE SER LEMBRADO 4


A GUERRA DOS BICHOS


Há muitos anos houve uma grande luta entre os diversos animais. Assim como hoje e em todos os tempos, tem havido guerras entre os homens, também as houve entre os bichos.
Entre os povos alguns existem que são inimigos tradicionais como o turco e o grego, o mouro e o cristão. Também entre os bichos há antipatias estranhas motivadas quase sempre pelo desejo que têm os fortes de esmagar os fracos e depois come-los.
Assim o cão não gosta do lobo e não simpatiza com o gato; o gato não pode ver o rato sem que lhe pule em cima e o lagarto aborrece a cobra. É ódio velho que não cansa.
A guerra dos bichos durou muitos anos; até hoje ainda não foi feita completa paz porque os rancores ficaram e se foram perpetuando ou passando de pais para filhos. as ovelhas e carneiros temem e odeiam o lobo, como os pintos não gostam do gavião nem as galinhas das raposas.
A guerra começou por um coisa sem importância mas que ofendeu o orgulho de certos bichos.
Todos os meses reunia-se a assembléia dos animais presidida pelo leão e aí se resolviam os atos maus recebiam-se as queixas ou elogios.
A raposa tinha convidado o leão para compadre e o leão gostava dela; deste modo a raposa abusava e em vez de roubar os quintais e galinheiros dos lavradores, atirava-se para os bichos de penas do mato, não respeitando nada e zombando dos outros bichos.
Também fizera a raposa aliança com o macaco que ela engodava dando-lhe cachos de bananas e por isso o macaco achava que ela era a melhor criatura do mundo.
O leão tinha convocado uma reunião dos animais sob uma copada árvore da mata. Entre outros assuntos seria discutida a queixa apresentada pelo pavão contra a raposa. Como testemunhas de acusação figuravam o urubu, a coruja, o morcego, etc.
A raposa apesar da proteção do rei estava um pouco assustada; mesmo porque se a astúcia é, como dizem, seu apanágio, a coragem dela não é muita...
A assembléia reuniu-se ao meio dia; quando o sol estava a pino, o burro que era o secretário geral deu meia dúzia de coices e soltou três zurros formidáveis.
Ao findar a terceira zurrada todos se assentaram em semi-circulo.
Ao lado do presidente que era um leão já velho, sentou-se o burro, com uma grande pena de avestruz atrás da orelha e tendo na frente muitos livros. Do lado esquerdo ficou o gato, entretido em lamber as unhas e fechando os olhos com mais sono que vontade de tomar parte na discussão.
Constituída a mesa com os dois citados secretários, no meio de grande silêncio, o leão passou as garras pela juba e disse:
— Os nossos negócios não vão bem. Sempre aparecem queixas feitas sem motivo, mas como é minha obrigação, dou a palavra ao acusador.
Aí o pavão que estava no chão a mostrar elegância, voou para um galho, com a pavoa, e começou:
— Queixo-me da raposa que traiçoeiramente comeu meus filhos sem o menor escrúpulo.
Aqui a pavoa pôs-se a chora, gritando tanto que o sapo, que é o bicho mais surdo que há, tapou os ouvidos.
Acalmada Madama Pavoa, o pavão continuou a queixa e acabou pedindo que ela fosse expulsa da floresta.
— Ouvimos a acusação; tem a palavra o Sr. Advogado de defesa.
Nisto apareceu o macaco trajando uma casaquinha e de monóculo no olho. Aprumou-se num tronco, tossiu, bebeu um pouco de água e começou a defesa:
— A raposa, meus amáveis confrades, está inocente do crime que lhe imputam.
— Pois tens o descaramento de negar que meus filhos foram comidos? Perguntou o pavão.
— Não resta dúvida que os comeram, mas quem foi? Por que acusar esta inocente criatura que nessa mesma noite estava longe daqui caçando honestamente nas chácaras da cidade? Que a viu? Ninguém. Por isso peço que fique a minha cliente livre de culpa e pena.
— Protesto, disse o pavão. Tenho testemunhas de vista.
O burro, por ordem do rei, foi escrevendo o depoimento das testemunhas.
— Eu vi, falou a coruja. Estava bem acordada e enxergo bem de noite; foi a raposa.
— Eu também vi, afirmou o morcego; quando voltava de um passeio encontrei a raposa comendo os pavõezinhos.
— O urubu dando saltinhos também asseverou:
— A verdade é uma só. Foi a raposa.
Esta não tinha testemunhas de defesa e todos os animais lhe conheciam as manhas e de quanto era capaz.
O presidente leão falou que a assembléia ia votar para decidir o caso. Quem aprovasse a expulsão da raposa deveria ficar sentado, e quem não aprovasse, de pé.
A maioria dos bichos condenou a raposa.
Vendo isto o macaco foi aos pulos falar ao ouvido do rei, cochichou bastante e voltou para sua tribuna de defesa — um galho de árvore.
O rei que protegia a raposa pois esta o presenteava com bons petiscos e aceitara um pavãozinho, dos apanhados por ela, para sobremesa, disse em tom autoritário, depois de consultar o burro:
— A votação foi mal encaminhada e segundo a opinião do meu distinto secretário (neste ponto o burro curvou-se e sorriu mostrando os dentes) os insetos não devem ter direito de voto. Descontados os votos do marimbondo, da abelha, do mosquito, da borboleta, etc., é a raposa absolvida por 47 votos contra 31.
Os protestos foram gerais. O leão zangou-se afinal e insultou as aves em geral e os insetos em particular. Chamou-os de insignificantes, bons para o fogo, etc.
O macaco abundou nas mesma considerações dizendo que não sabia qual a utilidade dos mosquitos, mariposas, pavões, etc.
Como é de prever a reunião acabou mal. O gato atirou-se a um canário e o comeu na mesa presidencial; o macaco saiu arranhado pelo papagaio, beliscado, pelo pavão e mordido por inúmeras dentadas que lhe deram o mosquito, o besouro e a abelha.
Muitos bichos ficaram mortos no chão e o mosquito ao retirar-se com uma perna partida, gritou para o leão:
— Queres a guerra? Pois tê-la-ás!

Nessa mesma noite os insetos e aves se reuniram numa vasta planície. Muitos desaprovavam a guerra, achando os adversários demasiado fortes.
O mosquito, muito ofendido, porque o leão o chamara de vil inseto, foi aclamado general e tratou de arregimentar as suas tropas.
Certas aves, como as garças, pombas, galinhas e perdizes se declararam neutras. O galo — esse ofereceu-se para corneteiro e organizou uma banda de música de gansos, patos e marrecos, que deviam defender a floresta pelo lado do rio. O mosquito que quebrara a perna, já a consertara graças ao serviço de assistência organizado pelas abelhas mestras que organizaram a Cruz Amarela e curavam os feridos com mel e cera.
Por sua vez o leão chamara os maiores bichos da criação e tinha do seu lado o tigre, a onça, o cavalo, o lobo, o cão, o gato, o touro, o macaco, o burro, a zebra, a girafa, o jacaré, a jibóia, etc. Toda a floresta se dividira em dois partidos: o do leão e do mosquito.
O burro foi nomeado general dos solípedes e vestido com uma pele de leão pôde assustar o partido contrário. Mas uma águia aceitou-lhe o combate, arrancou-lhe a pele que servia para pôr medo aos outros e o burro desmoralizado fugiu.
Mas o partido do mosquito sofreu derrota no rio. Os jacarés traicoeiramente atacaram os gansos e patos matando muitos. Os mortos foram vingados porque as águias, abutres e gaviões, seguravam os cágados, jacarés, e tartarugas com as garras, voavam com eles e os deixavam cair.
Esborrachavam-se no chão.
Depois de outras escaramuças o partido do leão ficara enfraquecido pela reunião. A discórdia era tal que o cão matara-o logo, e a jibóia num dia de raiva, atirou-se ao touro, enlaçou-o, apertou-o até quebrar-lhe os ossos e tanto engoliu que ficou inerte, sem poder prestar serviços; o tigre trucidara o cavalo e os ratos tinham desertado com medo do gato.
O mosquito, como bom general, tinha ótimos espiões. De dia eram os gaviões e urubus, que como aeroplanos de guerra o informavam dos movimentos do leão e sua gente. De noite quem poderia vigiar mais que as corujas, morcegos e vaga-lumes?
Era a luta do ar contra a terra; dos bichos de penas e insetos contra a força brutal dos carnívoros, dos mamíferos e réptis.
O mosquito resolveu o ataque geral ao campo do inimigo em uma serena manhã de sol claro. Com chuva o exército das aves e mosquitos não procuravam combate porque molhariam as asas.
O galo cantava anunciando o combate e na floresta toda havia um barulho infernal. De longe ouvia-se o rugido do leão, o zurrar do burro, os latidos do cão e as vozes dos outros grandes animais.
Os atacantes empenharam-se em rude batalha.
Para quem penderia a vitória?
A águia carregava grandes pedregulhos e do alto deixava-os cair sobre os inimigos. O abutre fazia o mesmo e deste modo amassou a corcova do camelo que tombou para sempre.
O elefante com a tromba e as patas bateu-se bravamente, mas um besouro, preto e aveludado. Abrigou-o a fugir. Mordeu-lhe a tromba e apegou-se a ela. Dando urros o elefante, correu e na sua passagem, esmagou jacarés, cobras, formigas e lagartos. O besouro voltou então e atirou-se ao gato, mas este era ligeiro e com a pata jogou o valente besouro no chão desmaiado.
Que sina! Vencer o elefante e morrer do tabefe de um gato!
Mas o gato era guerreiro de fato; pulava de lado, de banda e com as mãos ligeiras mandou para a outra vida muitos insetos e aves. Era terrível! Matou o papagaio, a arara e lutou com um gavião que lhe arrancou um olho. Nisto uma pedra vinda das garras de uma águia o derrubou e um morcego veio acabar com ele.
Já muitos combatentes do partido do leão tinham fugido, não resistindo às picadas e mordeduras. A zebra, a girafa, o veado, até o rinoceronte e a onça fugiram atordoados por um exame de marimbondos vermelhos e motucas amarelas.
Afinal o mosquito enfrentou o leão, uma abelha atirou-se ao burro e o macaco ao ver uma barata cascuda, encolheu-se todo, pondo as mãos na cabeça e morreu... de susto.
O burro foi o único que ficou fiel à bandeira e morreu com a honra que um burro deve ter; debalde a abelha o crivava de feridas; ele empacara e nada houve que o fizesse sair dali. Afinal, mordido em mil lugares, deu o último suspiro, isto é, o último zurro e caiu.

Paz ao herói!
O mosquito entretanto zunindo sem se deixar colher pelas patas enormes do leão levava este ao desespero. Feia-o no focinho, na orelha, nos olhos, zunindo, zunindo sempre. Debalde o leão arregalava os olhos e bramia com mugidos tremendos que levavam o pavor à povoações distantes.
Todo o partido do mosquito ficara no campo vendo a luta entre os dois campeões.
O terrível díptero não deixava o seu antagonista repousar um instante. A cólera cegava o leão que exausto caiu por fim depois de ser ferroado dentro da orelha. A fera arranhou-se rasgou as próprias carnes, dilacerou-se e o mosquito, dentro do ouvido, picava-o e zunia, zunia...
Afinal o leão tombou espumando; estava morto.
Um clamor imenso saudou a vitória dos fracos.


Como conseqüência, data daí a abolição da realeza dos leões, e a função de várias repúblicas.
Assim, os mosquitos, marimbondos, etc., formam verdadeiras nações independentes. A república das formigas é uma espécie de Suíça da mata que só tem rival na república das abelhas que até possuem um presidente eleito por sufrágio universal.
Eis aqui a história da guerra dos bichos depois imitada pelos homens.







O título do livro é A ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.

O livro inicia-se com

AO LEITOR.

Mais um livro de histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência, o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a única no Brasil.
O presente volume que foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.

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