A GUERRA DOS BICHOS
Há muitos anos houve
uma grande luta entre os diversos animais. Assim como hoje e em todos
os tempos, tem havido guerras entre os homens, também as houve entre
os bichos.
Entre os povos alguns
existem que são inimigos tradicionais como o turco e o grego, o
mouro e o cristão. Também entre os bichos há antipatias estranhas
motivadas quase sempre pelo desejo que têm os fortes de esmagar os
fracos e depois come-los.
Assim o cão não gosta
do lobo e não simpatiza com o gato; o gato não pode ver o rato sem
que lhe pule em cima e o lagarto aborrece a cobra. É ódio velho que
não cansa.
A guerra dos bichos
durou muitos anos; até hoje ainda não foi feita completa paz porque
os rancores ficaram e se foram perpetuando ou passando de pais para
filhos. as ovelhas e carneiros temem e odeiam o lobo, como os pintos
não gostam do gavião nem as galinhas das raposas.
A guerra começou por
um coisa sem importância mas que ofendeu o orgulho de certos bichos.
Todos os meses
reunia-se a assembléia dos animais presidida pelo leão e aí se
resolviam os atos maus recebiam-se as queixas ou elogios.
A raposa tinha
convidado o leão para compadre e o leão gostava dela; deste modo a
raposa abusava e em vez de roubar os quintais e galinheiros dos
lavradores, atirava-se para os bichos de penas do mato, não
respeitando nada e zombando dos outros bichos.
Também fizera a raposa
aliança com o macaco que ela engodava dando-lhe cachos de bananas e
por isso o macaco achava que ela era a melhor criatura do mundo.
O leão tinha convocado
uma reunião dos animais sob uma copada árvore da mata. Entre outros
assuntos seria discutida a queixa apresentada pelo pavão contra a
raposa. Como testemunhas de acusação figuravam o urubu, a coruja, o
morcego, etc.
A raposa apesar da
proteção do rei estava um pouco assustada; mesmo porque se a
astúcia é, como dizem, seu apanágio, a coragem dela não é
muita...
A assembléia reuniu-se
ao meio dia; quando o sol estava a pino, o burro que era o secretário
geral deu meia dúzia de coices e soltou três zurros formidáveis.
Ao findar a terceira
zurrada todos se assentaram em semi-circulo.
Ao lado do presidente
que era um leão já velho, sentou-se o burro, com uma grande pena de
avestruz atrás da orelha e tendo na frente muitos livros. Do lado
esquerdo ficou o gato, entretido em lamber as unhas e fechando os
olhos com mais sono que vontade de tomar parte na discussão.
Constituída a mesa com
os dois citados secretários, no meio de grande silêncio, o leão
passou as garras pela juba e disse:
— Os nossos negócios
não vão bem. Sempre aparecem queixas feitas sem motivo, mas como é
minha obrigação, dou a palavra ao acusador.
Aí o pavão que estava
no chão a mostrar elegância, voou para um galho, com a pavoa, e
começou:
— Queixo-me da raposa
que traiçoeiramente comeu meus filhos sem o menor escrúpulo.
Aqui a pavoa pôs-se a
chora, gritando tanto que o sapo, que é o bicho mais surdo que há,
tapou os ouvidos.
Acalmada Madama Pavoa,
o pavão continuou a queixa e acabou pedindo que ela fosse expulsa da
floresta.
— Ouvimos a acusação;
tem a palavra o Sr. Advogado de defesa.
Nisto apareceu o macaco
trajando uma casaquinha e de monóculo no olho. Aprumou-se num
tronco, tossiu, bebeu um pouco de água e começou a defesa:
— A raposa, meus
amáveis confrades, está inocente do crime que lhe imputam.
— Pois tens o
descaramento de negar que meus filhos foram comidos? Perguntou o
pavão.
— Não resta dúvida
que os comeram, mas quem foi? Por que acusar esta inocente criatura
que nessa mesma noite estava longe daqui caçando honestamente nas
chácaras da cidade? Que a viu? Ninguém. Por isso peço que fique a
minha cliente livre de culpa e pena.
— Protesto, disse o
pavão. Tenho testemunhas de vista.
O burro, por ordem do
rei, foi escrevendo o depoimento das testemunhas.
— Eu vi, falou a
coruja. Estava bem acordada e enxergo bem de noite; foi a raposa.
— Eu também vi,
afirmou o morcego; quando voltava de um passeio encontrei a raposa
comendo os pavõezinhos.
— O urubu dando
saltinhos também asseverou:
— A verdade é uma
só. Foi a raposa.
Esta não tinha
testemunhas de defesa e todos os animais lhe conheciam as manhas e de
quanto era capaz.
O presidente leão
falou que a assembléia ia votar para decidir o caso. Quem aprovasse
a expulsão da raposa deveria ficar sentado, e quem não aprovasse,
de pé.
A maioria dos bichos
condenou a raposa.
Vendo isto o macaco foi
aos pulos falar ao ouvido do rei, cochichou bastante e voltou para
sua tribuna de defesa — um galho de árvore.
O rei que protegia a
raposa pois esta o presenteava com bons petiscos e aceitara um
pavãozinho, dos apanhados por ela, para sobremesa, disse em tom
autoritário, depois de consultar o burro:
— A votação foi mal encaminhada e segundo a opinião do meu distinto secretário (neste ponto o burro curvou-se e sorriu mostrando os dentes) os insetos não devem ter direito de voto. Descontados os votos do marimbondo, da abelha, do mosquito, da borboleta, etc., é a raposa absolvida por 47 votos contra 31.
— A votação foi mal encaminhada e segundo a opinião do meu distinto secretário (neste ponto o burro curvou-se e sorriu mostrando os dentes) os insetos não devem ter direito de voto. Descontados os votos do marimbondo, da abelha, do mosquito, da borboleta, etc., é a raposa absolvida por 47 votos contra 31.
Os protestos foram
gerais. O leão zangou-se afinal e insultou as aves em geral e os
insetos em particular. Chamou-os de insignificantes, bons para o
fogo, etc.
O macaco abundou nas
mesma considerações dizendo que não sabia qual a utilidade dos
mosquitos, mariposas, pavões, etc.
Como é de prever a
reunião acabou mal. O gato atirou-se a um canário e o comeu na mesa
presidencial; o macaco saiu arranhado pelo papagaio, beliscado, pelo
pavão e mordido por inúmeras dentadas que lhe deram o mosquito, o
besouro e a abelha.
Muitos bichos ficaram
mortos no chão e o mosquito ao retirar-se com uma perna partida,
gritou para o leão:
— Queres a guerra?
Pois tê-la-ás!
Nessa mesma noite os
insetos e aves se reuniram numa vasta planície. Muitos desaprovavam
a guerra, achando os adversários demasiado fortes.
O mosquito, muito
ofendido, porque o leão o chamara de vil inseto, foi aclamado
general e tratou de arregimentar as suas tropas.
Certas aves, como as
garças, pombas, galinhas e perdizes se declararam neutras. O galo —
esse ofereceu-se para corneteiro e organizou uma banda de música de
gansos, patos e marrecos, que deviam defender a floresta pelo lado do
rio. O mosquito que quebrara a perna, já a consertara graças ao
serviço de assistência organizado pelas abelhas mestras que
organizaram a Cruz Amarela e curavam os feridos com mel e cera.
Por sua vez o leão
chamara os maiores bichos da criação e tinha do seu lado o tigre, a
onça, o cavalo, o lobo, o cão, o gato, o touro, o macaco, o burro,
a zebra, a girafa, o jacaré, a jibóia, etc. Toda a floresta se
dividira em dois partidos: o do leão e do mosquito.
O burro foi nomeado
general dos solípedes e vestido com uma pele de leão pôde assustar
o partido contrário. Mas uma águia aceitou-lhe o combate,
arrancou-lhe a pele que servia para pôr medo aos outros e o burro
desmoralizado fugiu.
Mas o partido do
mosquito sofreu derrota no rio. Os jacarés traicoeiramente atacaram
os gansos e patos matando muitos. Os mortos foram vingados porque as
águias, abutres e gaviões, seguravam os cágados, jacarés, e
tartarugas com as garras, voavam com eles e os deixavam cair.
Esborrachavam-se no
chão.
Depois de outras
escaramuças o partido do leão ficara enfraquecido pela reunião. A
discórdia era tal que o cão matara-o logo, e a jibóia num dia de
raiva, atirou-se ao touro, enlaçou-o, apertou-o até quebrar-lhe os
ossos e tanto engoliu que ficou inerte, sem poder prestar serviços;
o tigre trucidara o cavalo e os ratos tinham desertado com medo do
gato.
O mosquito, como bom
general, tinha ótimos espiões. De dia eram os gaviões e urubus,
que como aeroplanos de guerra o informavam dos movimentos do leão e
sua gente. De noite quem poderia vigiar mais que as corujas, morcegos
e vaga-lumes?
Era a luta do ar contra
a terra; dos bichos de penas e insetos contra a força brutal dos
carnívoros, dos mamíferos e réptis.
O mosquito resolveu o
ataque geral ao campo do inimigo em uma serena manhã de sol claro.
Com chuva o exército das aves e mosquitos não procuravam combate
porque molhariam as asas.
O galo cantava
anunciando o combate e na floresta toda havia um barulho infernal. De
longe ouvia-se o rugido do leão, o zurrar do burro, os latidos do
cão e as vozes dos outros grandes animais.
Os atacantes
empenharam-se em rude batalha.
Para quem penderia a
vitória?
A águia carregava
grandes pedregulhos e do alto deixava-os cair sobre os inimigos. O
abutre fazia o mesmo e deste modo amassou a corcova do camelo que
tombou para sempre.
O elefante com a tromba
e as patas bateu-se bravamente, mas um besouro, preto e aveludado.
Abrigou-o a fugir. Mordeu-lhe a tromba e apegou-se a ela. Dando urros
o elefante, correu e na sua passagem, esmagou jacarés, cobras,
formigas e lagartos. O besouro voltou então e atirou-se ao gato, mas
este era ligeiro e com a pata jogou o valente besouro no chão
desmaiado.
Que sina! Vencer o
elefante e morrer do tabefe de um gato!
Mas o gato era
guerreiro de fato; pulava de lado, de banda e com as mãos ligeiras
mandou para a outra vida muitos insetos e aves. Era terrível! Matou
o papagaio, a arara e lutou com um gavião que lhe arrancou um olho.
Nisto uma pedra vinda das garras de uma águia o derrubou e um
morcego veio acabar com ele.
Já muitos combatentes
do partido do leão tinham fugido, não resistindo às picadas e
mordeduras. A zebra, a girafa, o veado, até o rinoceronte e a onça
fugiram atordoados por um exame de marimbondos vermelhos e motucas
amarelas.
Afinal o mosquito
enfrentou o leão, uma abelha atirou-se ao burro e o macaco ao ver
uma barata cascuda, encolheu-se todo, pondo as mãos na cabeça e
morreu... de susto.
O burro foi o único
que ficou fiel à bandeira e morreu com a honra que um burro deve
ter; debalde a abelha o crivava de feridas; ele empacara e nada houve
que o fizesse sair dali. Afinal, mordido em mil lugares, deu o último
suspiro, isto é, o último zurro e caiu.
Paz ao herói!
O mosquito entretanto
zunindo sem se deixar colher pelas patas enormes do leão levava este
ao desespero. Feia-o no focinho, na orelha, nos olhos, zunindo,
zunindo sempre. Debalde o leão arregalava os olhos e bramia com
mugidos tremendos que levavam o pavor à povoações distantes.
Todo o partido do
mosquito ficara no campo vendo a luta entre os dois campeões.
O terrível díptero
não deixava o seu antagonista repousar um instante. A cólera cegava
o leão que exausto caiu por fim depois de ser ferroado dentro da
orelha. A fera arranhou-se rasgou as próprias carnes, dilacerou-se e
o mosquito, dentro do ouvido, picava-o e zunia, zunia...
Afinal o leão tombou
espumando; estava morto.
Um clamor imenso saudou
a vitória dos fracos.
Como conseqüência,
data daí a abolição da realeza dos leões, e a função de várias
repúblicas.
Assim, os mosquitos,
marimbondos, etc., formam verdadeiras nações independentes. A
república das formigas é uma espécie de Suíça da mata que só
tem rival na república das abelhas que até possuem um presidente
eleito por sufrágio universal.
Eis aqui a história da
guerra dos bichos depois imitada pelos homens.
O título do livro é A
ÁRVORE DE NATAL.
O nome do autor não
foi possível identificar, mas na parte da capa que resta aparece um
nome Tycho Brahe.
A editora é LIVRARIA
QUARESMA, Rio de Janeiro, 1959.
O livro inicia-se com
AO LEITOR.
Mais um livro de
histórias é hoje oferecido às crianças brasileira.
A ÁRVORE DE NATAL
ou TESOURO MARAVILHOSO DE PAPAI NOEL, revela mais uma vez ao
bom público que nos tem protegido e amparado com sua benevolência,
o progresso que temos incutido à nossa Biblioteca Infantil que é a
única no Brasil.
O presente volume que
foi confiado a reconhecido e autorizado escritos, contém muitas
histórias originais e várias adaptações de novelas de mestres
como Shakespeare, Tolstoi, Perrault, La Fontaine, etc. ... Não são
a repetição do que já temos publicado ou mesmo parodiado, mas sim
trabalhos coligidos de maneira que a ficção, sempre imaginosa, ande
a par com o fim de todo o livro infantil: deleitar, instruindo.
Tais contos, como agora
damos à luz da publicidade, são um precioso elemento de educação
doméstica, pois, como diz La Fontaine: “ Quem não acha um prazer
extremo em ouvir histórias mesmo inverossímeis?” São uma formosa
coletânea que agradará a nossos leitores e principalmente aos seus
filhos e que virá demonstrar nosso constante empenho de ser útil e
agradável às crianças que falam a nossa bela língua portuguesa.
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