CORDEL
A literatura de cordel está diretamente relacionada ao
romanceiro popular português originou-se a literatura de cordel
brasileira. No Nordeste brasileiro, a literatura de cordel começou a
ser divulgada nos séculos XVI e XVII, trazida pelos colonos
portugueses. A partir do século XIX, o romanceiro nordestino
tornou-se independente, com características próprias. De forma
análoga, as áreas de colonização espanhola. Na América beberam
das fontes ibéricas. Alguns estudiosos, no entanto, atribuem as
origens remotas da poesia popular à Provença, o que se confirmaria
pelos temas picarescos e pela designação “trovador” aplicada ao
poeta popular.
Na origem, a literatura de cordel se liga à divulgação
de histórias tradicionais, narrativas, de épocas passadas que a
memória popular conservou e transmitiu.
Essas narrativas enquadram-se na categoria de romances
de cavalaria, amor, guerras, viagens ou conquistas marítimas. Mais
tarde apareceu mesmo tipo de poesia a descrição de fatos recentes e
de acontecimentos sociais contemporâneos que prendiam a atenção da
população.
O
trem da madrugada1
Leitores trago mais uma
Criação muito engraçada
Da minha lira poética
Que sempre vive afinada
Desta vez descrevo bem
O movimento do trem
Que desce de madrugada.
Seja de Paracambi,
São Mateus ou Santa Cruz
A turma da fuleragem
Que só bagunça produz
De madrugada só quer
Carro que tem mais mulher
Porta enguiçada e sem luz.
Mulher de anca bem gorda
Diz o cabra, esta é legal
Se acoa por trás dela
Que a coitada passa mal
Dá bronca, dá coice e upa,
O cabra ta na garupa
Só desmonta na Central.
Não adianta dar bronca
Nem reclamação, nem choro,
A turma rodeia ela
Fazendo força igual touro,
Por trás, de frente, de lado
Só urubu esganado
Por tripas no matadouro.
A mulher fica no meio
É homem por todo lado,
Cada um tira uma linha
De maldade e fraseado
Quando ela banca a loba
Outro grita olha a mão na boca
Que aí só tem tarado.
Alguma usa alfinete,
Ferra o cabra igual lacraia,
Mas a que gosta do frevo
Se solta no meio da laia,
Gaiato grita de lá
Zé Mane chega pra cá
Aqui tem rabo de saia.
Tem mulher que grita, ôpa
Cuidado com essa tara
Eu estou saindo fora
Este marmanjo não pára
Agora seu saliente
Se teimar de novamente
Meto-lhe a bolsa na cara.
Outro de lá diz, que é isso
É melhor ficar quitinha
Outro diz, se é tratada
Meto o cabo da sombrinha
E mande esse descarado
Andar de trem enganchado
Nas costas da vovozinha
Outro se deita nas costas
De alguém que está na frente,
Quando um reclama outro diz:
Quem for fraco se arrebente
Se não quer sofrer ataque
Compre um jipe ou cadilack
E saia do meio da gente
Um grita não me empurre
Que lugar aqui não tem
Outro grita, meu chapa
Pra que viaja de trem
Aqui estão me pisando
Outro por trás me empurrando
Eu tenho que empurrar também.
Gordo que fica na porta
Pra não machucar a pança
Diz pra quem vem voltando
Devagar que tem criança
Quem entra não dá cartaz
Grita pra quem vem atrás
Aqui a maré ta mansa.
Cada estação vai enchendo
Se ouve negro gemer
Quem entra de mãos pra cima
Depois não pode descer
Às vezes naquele meio
O amigo do alheio
Rouba e não pode correr.
Em Ricardo de Albuquerque
A melhor aconteceu
Um dia o trem encheu tanto
Que o companheiro meu
Quando foi coçar a nuca
Coçou a mulher do Juca
Dessa vez o pau comeu
Tem pobre que vai no trem
De aperto quase morto
Com mais de cinco nas costas
Cansado, envergado e torto
E quando o trem vai chegando
Salta correndo gritando:
Eita acabou-se o conforto.
Quando chega na Central
Só se ouve a choradeira
Um dizer nem me deixaram
Eu saltar em Madureira,
Outros clamam: puxa vida
Que agora na saída
Roubaram a minha carteira
Mulher xinga, esses danados
Não querem que se reclamem
Entram parecem uns cavalos
Daqueles que pulam arame
Pisou-me a trouxa todinha
Da roupa tão passadinha
Do doutor e da madame.
Camelô vende no trem
O dia todo é assim:
Olhe os dops, a bala, puxa
Cocada e amendoim
Um grita olha aqui seu moço
Pentes de chifre e de osso
Que não quebra em pixaim.
Caixa de maçã e cesto
Do tamanho de um caminhão
Menino com fogareiro
Cheio de brasa e carvão
Gritando olhe o torradinho
Outro diz sai do caminho
Deixa passar meu caixão.
Diz outro, olhe a bananada
Uma é vinte e cinco é cem
Outro diz, o picolé
De coco e uva inda tem
O que do fiscal escapa
Grita pros outros, olha o rapa
Entrou agora no trem
Se o trem enguiça ou avaria
Seja que motivo for
O pingente quebra o vidro
A porta, o ventilador,
Na maior selvageria
Pra fazer falta no dia
Que chove e que faz calor.
Quem quebra o trem é nocivo
De pensamento mesquinho
Não enxerga que o trem é
Suas pernas, seu caminho
O qual em vez de quebrá-lo
Deveria conservá-lo
Com todo zelo e carinho.
Aquilo que nos é útil
Não devemos destruir
Quem quebra o trem por vingança
Só o mal pode surgir
Que um trem apedrejado
E mais um avariado
Que deixa de nos servir.
Na Central de noite é fogo
Quando o trem chega atrasado
Antes de parar já está completamente lotado
Quando as portas vão abrindo
Tem uns que entram zunindo
Vão sair do outro lado.
Tem mulher que diz, cruz credo
Dou-te figa disconjuro
Neste trem só tem cavalo
Dando coice no escuro
Entrei a força empurrada
De arrojo e caí sentada
Em cima d’um troço duro.
O que se senta recebe
Logo um chute na canela
Aí a negrada invade
Cabine, porta e janela
Se o trem demorar parado
Negro ali fica suado
Que só o tampo de panela.
E quando sai é tão cheio
Nem mosquito acha lugar
Quando pára em estação
Que alguém quer embarcar
Quem vai dentro se entorta
E grita para os da porta
Inda pra ninguém entrar
Tem deles que lota a força
Chega engrossar o pescoço
Pra soltar em Deodoro
Outro diz: calma seu moço,
Você aqui nada arranja
Nós vamos chupara laranja
E beber água de poço.
Algum que mora mais perto
Diz pro outro no caminho
Traga um filhote de onça
Pra mim amanhã cedinho
O de longe diz pois não
Depende da ocasião
Que a mãe não esteja no ninho.
Tem deles que mora longe
Quando acha uma vaguinha
Se deitar e ferra no sono
Dorme que só criancinha
Parece que está na cama
Só acorda quando alguém chama
Meu chapa é o fim da linha
O coitado acorda tonto
Desconhecendo o lugar
É quando vê que passou
Da estação de saltar
Fica até pisando em brasa
Aí quando chega em casa
Já é hora de voltar
Quem duvida o que digo
No meu livro de poema
Vem conhecer o subúrbio
Com seu povo e seu sistema
Depois que fizer morada
Pegue o trem da madrugada
Que vê todo este cinema
Jogo de empurra e briga
Acontece todo dia
Zuada, pinga e pedintes
Um rouba, outro negocia
Louco, mendigo e cachaça
Abusa, xinga e faz graça
O que viaja aprecia
1
Texto escrito por José João dos Santos
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